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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Política, vita mea est a mors tua

Nunca a política no Brasil foi tão debatida como atualmente, talvez seja o honroso contraponto do jejum imposto a nossa cidadania, particularmente nos chamados “anos de chumbo” referente ao período que vai de 1964 até 1985.

O calor do debate ainda é avivado talvez porque a política é uma questão concreta que muito nos faz refletir sobre o confronto entre autonomia[1] e heteronomia[2]. Por nos assanhar a desejar à independência e o exercício da soberania individual aliado a necessidade física, social e psicológica do reconhecimento do outro e do coletivo.

A dimensão da intersubjetividade e a dimensão social são distintas e pertencem à significação da política. Mesmo na mais corriqueira situação cotidiana jaz a imensa questão teórica e real que nos afeta na órbita prática, a delimitação entre público e privado.

De qualquer maneira, a política nasce com o cidadão e a cidadania e, é duplamente humana pelo caráter intrinsecamente social da vida, por ser o homem um animal social.

E tal sociabilidade esquadrinha o jogo da intersubjetividade; posto que o homem como animal social que é, dotado de individualidade.
As formas de ação são produzidas pelo homem para interagir com a natureza e com o outro ser.[3]Portanto, a política é pois, grande e bela invenção humana, e forçosamente concluímos que não há humanidade sem política.

Porém em sua relação intrínseca revela a questão do poder, que designa a capacidade ou possibilidade de agir, produzir efeitos, pode referir-se aos indivíduos e ao coletivo bem como aos objetos ou fenômenos naturais (vide as expressões poder calorífico, poder de absorção, poder eletromagnético, e, etc.).

O homem é não só o sujeito mas também o objeto do poder social. É uma situação paradoxal onde ocorre múltiplas e recíprocas influências entre o sujeito e o objeto. Sendo tal poder a capacidade, por exemplo, que tem um pai para orientar seus filhos, bem como a capacidade do governo de dar ordens ou orientar seus cidadãos.

Por outro lado, não é poder social a capacidade de controle do homem sobre a natureza e nem a utilização que faz dos recursos naturais. Porém, a tecnologia e a ciência são fatores decisivos para o exercício da política e do poder.

Obviamente existem diferenciações significativas entre o poder sobre o homem e o poder sobre a natureza e as coisas inanimadas. Por vezes, o primeiro poder é condição do segundo e, vice-versa.

Inicialmente, o poder sobre o homem é sempre distinto do poder sobre as coisas, E, este último, é relevante no estudo sobre o poder social, na medida em que pode se converter num recurso para exercer o poder sobre o homem.

Não mais aceitável as definições de poder que remontava a Thomas Hobbes e ignoravam o caráter relacional e identificavam o poder social apenas com a posse de instrumentos aptos à consecução dos fins almejados.

A política alude à significação humana onde se encontra a realidade intersubjetiva, reside no poder o que nos remete a uma grande complexidade e imponderabilidade.

A palavra “política” tem origem grega e mais especificamente polis que significa cidade. Não na acepção apenas física ou geográfica, mas incluindo o espaço público, espaço de encontro com a vida dos indivíduos.

O núcleo de significação da política principalmente na Antiguidade Clássica é onde se encontra o atestado de nascimento ou identidade política, traduzindo a arte política.

Apesar de Atenas na Grécia ser reconhecidamente o berço da democracia, convém lembrarmos que as mulheres, estrangeiros e escravos estavam literalmente excluídos da cidadania. E, já existia a instituição lapidar que futuramente se manifestaria no individualismo moderno.

É oriundo da Grécia de Homero[4] (século XII ao VIII a. C.) o ideal educacional mais sublime que corresponde ao moldar o homem para que tivesse o mais alto senso de honra, para viver de forma gloriosa e praticasse belas ações. A educação já nesse tempo se preocupava em preparar para a cidadania.

Mas tais valorosas virtudes humanas eram apanágio dos nobres e guerreiros. Com o tempo a evolução amoldou novos conceitos e deu feição à política como arte de quem possui alta dignidade, para cuidar da cidade, o que significa dar atenção à humanidade.

Com Platão, a política ganhou status definitivo de saber articulado e fundamental e sua principal obra é “A República”, onde define a política como arte de definir e praticar a administração da Justiça e ultrapassa o âmbito da mera opinião.

A política pertence ao saber universal, à ordem da perenidade do ser, e é próprio da filosofia. Outro pensador igualmente relevante ao tema foi Aristóteles[5], particularmente em sua obra “A Política”[6], é uma das formas de poder, ao lado do poder paterno, o despótico e o político.

Aponta que o poder paterno é exercido no interesse do filho, o poder despótico no interesse do senhor e, o poder político no interesse de quem governa ou de quem é governado.

E pode ainda se dividir em monarquia (poder de um só), oligarquia (poder de poucos) e democracia (poder da maioria).

Recomendou Aristóteles[7] as formas de governo que misturem os vários tipos existentes, e, ainda, proclamou explicitamente que o homem é, por natureza, um animal social e político.
Sendo também da natureza humana buscar a felicidade e o sumo bem que só poderão ser alcançados na vida da pólis.

Durante a Idade Média, a problemática da política incorpora e exprime a luta ou tensão entre a fé e a razão, e então Europa sob feudos produziu a emergência e a hegemonia do Cristianismo cuja produção assenta-se nas relações de vassalagem, onde surgem os senhorios de barões, príncipes[8] e reais.

Somados ao poder eclesiástico do prelado composto de bispos, cardeais, papas que entram em conflito com esses titulares do poder temporal.

Aí, nasce nova configuração da questão do poder que opõe a cidade de Deus à cidade dos homens. No mesmo sentido, se desenvolve a problemática do conhecimento que se dá pela necessidade de se harmonizar a fé com a razão, subordinando a filosofia à teologia e, no âmbito político outra relevante questão aparece que é saber se a fonte do poder é mundana, profana ou se sua origem é sagrada, espiritual ou bíblica.

As reflexões tomistas deram importância crucial à noção do bem comum e, por essa porta, entrou a possibilidade da contestação do poder do governante e, o mesmo direito de sublevação, se esse poder contrariar o bem comum.

As lutas e conflitos havidos ente o poder papal e dos reis, senhores e príncipes representou apenas um dos elementos que contribuíram com o movimento da Reforma Protestante e que bem justificou os interesses burgueses de índole individualista.

Enfim, o desejo dos camponeses, os interesses dos mercadores e as necessidades dos artesãos propiciaram o surgimento do Estado centralizado e forte que veio a substituir o fragmentado e confuso Estado feudal da Idade Média.

De qualquer modo, a evolução do Estado o fez rivalizar com o poder eclesiástico e se tornou um entrave para a burguesia. Então, surgiram homens de ciência, isto é de saberes que propuseram nova configuração para a questão do poder.

A primeira referência é a obra de Maquiavel[9] “O Príncipe” com destaque sobre a virtude do governante, ou seja, no sentido dado pelos gregos homéricos, e não o sentido dado pela tradição da teologia cristã.

A virtude[10] como atributo próprio do ser, da natureza do ser. Assim, por exemplo, a qualidade própria da água, é sua umidade, ou seja, a capacidade de molhar.

Como a qualidade da luz é iluminar. O príncipe, não deve depender da fortuna, mas deve ter força, honra, coragem, virilidade, o que lembra o ideal do guerreiro correspondendo ao belo e o bom da cultura homérica.

Já a teologia cristã percebe e imanta a virtude e a aproxima da perfeição do Criador. Não é atributo natural, mas resultado do emprego da reta razão e da vontade bem-conduzida.

Traz a reflexão do Maquiavel um campo novo para questão política bem como os cientistas e artistas do Renascimento pois rompem com o rigor formal da escolástica, passando a reflexão sobre o poder permanecer fora do âmbito teológico.

Por essa razão que Maquiavel é considerado como fundador da moderna ciência política exatamente porque sua reflexão toma por base a observação de como os homens procedem de fato, e não de como, estes deveriam proceder de direito.

Uma das mais conhecidas e debatidas definições de política é a de Carl Schmitt (desenvolvida por Julien Freund) segundo a qual a esfera da política coincide com a relação amigo-inimigo.

Portanto, o campo de atuação da política seria o do antagonismo e sua função seria associar e defender os amigos e de desagregar e combater os inimigos

Intensificando a definição, Schmitt compara às definições de moral e arte apontando as oposições fundamentais tais como bom/mau, belo/feio e, etc.

A distinção política específica a que é possível referir as ações e os motivos políticos, é a distinção de amigo e inimigo. E quanto maior for a oposição em se desenvolver o sentido da distinção amigo/inimigo, tanto maior esta se tornará político.

É precípuo do Estado suprimir dentro dos limites de sua competência, a divisão dos seus membros ou grupos internos em amigos e inimigos, não tolerando senão as meras rivalidades agonísticas e as lutas dos partidos, e reservando ao governo o direito de indicar o inimigo externo.

O conflito por excelência conforme explica Schmitt extrapola sua definição de política, é a guerra, cujo conceito compreende tanto a guerra externa quanto a interna. Portanto, a definição de política em termos da relação amigo/inimigo não é incompatível com a definição que se refere ao monopólio da força ou do poder.

Pois é justamente na medida em que o poder político se distingue do instrumento de qual se serve para atingir seus próprios fins, a força física, correspondente ao poder a qual se recorre para resolver os conflitos cuja não solução fulminaria o Estado e a ordem internacional. Traduzindo bem o aforismo a vita mea é a mors tua (a vida minha é a morte sua).

Referências
FRIEDRICH, C. Introduzione alla filosofia politica (1970) Isedi, Milano 1971.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo. Editora Ática, 2005.

BOBBIO, Norberto. Política. In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco (Ed.). Dicionário de política. 2. ed. Brasília: UnB, 1986.


[1] Segundo Kant, capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação afetiva incoercível.

[2] Ainda segundo Kant, sujeição da vontade humana a impulsos passionais, inclinações afetivas ou quaisquer outras determinações que não pertençam ao âmbito da legislação estabelecida pela consciência moral de maneira livre e autônoma.
[3]  Já elegemos o primeiro presidente da República brasileira um operário, sindicalista e, recentemente, a primeira mulher o que representa significativas vitórias para a democracia da América do Sul.
[4] Homero é cronologicamente o primeiro poeta europeu e, também um dos mais importantes.  A linguagem da Ilíada e da Odisséia, de incomparável beleza, além de estar na base da unidade idiomática grega, expressa as virtudes e os desejos mais nobres: a honra, o patriotismo, o heroísmo, o amor, a amizade, a fidelidade e hospitalidade.
[5] O homem é um ‘zoom politikón’”. (Aristóteles)
[6] A "Política" (Politeia) divide-se em oito livros, que tratam: da composição da cidade, da escravidão, da família, das riquezas, bem como de uma crítica às teorias de Platão. Analisa também as constituições de outras cidades, num notável exercício comparativo, descrevendo-lhes os regimes políticos. Aristóteles, por sua vez, não foge da tentação de também idealizar qual o modo de vida mais desejável para as cidades e os indivíduos, mas dedica a isso bem menos tempo do que seu mestre.
[7] "O homem, quando perfeito, é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos quando afastado da lei e da justiça, pois a injustiça é mais perniciosa quando armada, e o homem nasce dotado de armas para serem bem usadas pela inteligência e pelo talento, mas podem sê-lo em sentido inteiramente oposto. Logo, quando destituído de qualidades morais, o homem é o mais impiedoso e selvagem dos animais, e o pior em relação ao sexo e à gula"                                 Aristóteles - "Política", 1252 b
[8] A ética em Maquiavel se contrapõe à ética cristã herdada por ele da Idade Média. Para a ética cristã, as atitudes dos governantes e os Estados em si estavam subordinados a uma lei superior e a vida humana destinava-se à salvação da alma. Com Maquiavel a finalidade das ações dos governantes passa a ser a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, não o próprio, de forma que uma atitude não pode ser chamada de boa ou má a não ser sob uma perspectiva histórica.
[9] Niccolò di Bernardo dei Machiavelli viveu a juventude sob o esplendor político da República Florentina durante o governo de Lourenço de Médici e entrou para a política aos 29(vinte e nova) anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria. Nesse cargo, Maquiavel observou o comportamento de grandes nomes da época e, a partir dessa experiência retirou alguns postulados para sua obra. Depois de servir em Florença durante catorze anos foi afastado e escreveu suas principais obras. Conseguiu também algumas missões de pequena importância, mas jamais voltou ao seu antigo posto como desejava.

[10] Os conceitos de virtù e fortuna são utilizados várias vezes por Maquiavel em suas obras. Para este, a virtù seria a capacidade de adaptação aos acontecimentos políticos que levaria à permanência no poder. A virtù seria como uma barragem que deteria os desígnios do destino. Mas segundo o pensador, em geral, os seres humanos tendem a manter a mesma conduta quando esta frutifica e assim acabam perdendo o poder quando a situação muda.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

NATUREZA HUMANA, LIVRE-ARBÍTRIO E MUNDO CONTEMPORÂNEO


        NATUREZA HUMANA, LIVRE-ARBÍTRIO E MUNDO CONTEMPORÂNEO








Gisele Leite

Professora universitária. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia.

Pesquisadora- Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.



Resumo



Entender a filosofia e lógica de Nietzsche é tão desafiador como decifrar o mundo contemporâneo. O texto tenta apenas didaticamente expor a evolução do conceito de livre-arbítrio, liberdade e da natureza humana. Evidentemente pelo jaez pretendido, não esgota tal manancial e apenas sucinta maiores indagações que podem ajudar a entender melhor a realidade contemporânea.







Abstract



Understanding the philosophy of Nietzsche and logic is as challenging as deciphering the contemporary world. The text is only trying to explain the evolution of the didactic concept of free will, freedom and human nature. Of course you want is not exhausted by the ilk such wealth and only more succinct questions that can help you better understand the contemporary reality.









O livre-arbítrio ou livre-alvedrio[1] é faculdade que tem o indivíduo de autodeterminar-se, com base em sua consciência apenas e a sua conduta; é liberdade de autodeterminação que consiste numa decisão, independentemente de qualquer constrangimento externo mas de acordo com os motivos e intenções do próprio indivíduo.



Do latim libertum arbitrium é o poder de se determinar sem outra regra que a própria vontade, mas vontade não constrangida. É a possibilidade de exercer um poder sem outro motivo que não a existência mesma desse poder. O homem tem o poder de escolher um ato ou não, independentemente das forças que o constrangem. Ser livre é ser incausado (Aranha e Martins, 1986: 316).



A noção de livre-arbítrio sempre fora objeto de debates atritosos durante parte da Idade Média e nos séculos XVI e XVII, particular no que tange a incompatibilidade entre a onipotência divina e a liberdade humana. E, ouso dizer que persiste em ser tema polêmico.



Na literatura filosófica a liberdade da indiferença é a liberdade de equilíbrio aparecem como sinônimo de livre-arbítrio. E tais denominações advêm da negativa da noção de livre-arbítrio, entendido somente como possibilidade de escolher ou não, sem que sejam apontados os fundamentos e razões para uma delas em especial.



Para o livre-arbítrio existir, o que importa é somente a possibilidade de escolher de forma indiferente e contingente. Atribui-se a Jean Buridan[2] (século XIV) professor e reitor da Universidade de Paris, do século XIV a fábula denominada “Asno de Buridan” que bem elucida o conceito de “liberdade de indiferença”.



Imagine um asno faminto e sedento, mantido a igual distância de um balde de água e um cocho de aveia, morreria faminto e sedento posto que seria incapaz de realizar qualquer escolha. Tal anedota serve para ilustrar a teoria da vontade. Como a conduta dos animais é apenas determinada por seus apetites, temperamento este, por vezes, sofre até influência dos astros, somente a ignorância das causas nos faz crer que estes sejam realmente livres.



Ao revés, o homem tem o poder não só de escolher, mas também de decidir entre bens de igual valor. A vontade se pauta conforme a inteligência nomeia ser o bem de maior valor. Porém se a inteligência julga de igual forma bens diferentes, a vontade não poderá decidir-se, nem por um e nem por outro, simplesmente a escolha não acontecerá.



É o caso do asno de Buridan. O homem, porém, não morreria de fome e de sede, poderá com certeza, suspender ou impedir o julgamento da inteligência. A referida fábula mostra quão contraditórias são as relações entre a necessidade e a liberdade. Se esta última consiste em se abstrair de toda motivação, esta então se reduz à indiferença, à indecisão e impotência, ao ponto de se destruir enquanto tal.



A liberdade só é efetiva quando assume as determinações exteriores. Ao analisarmos o livre-arbítrio nos deparamos com questão muito controvertida: liberdade absoluta versus determinismo[3].



Há tantos condicionamentos naturais ligados aos elementos do meio ambiente como também os condicionamentos culturais (instituições, ciências e técnicas). No emaranhado genético, histórico-social e cultural se esculpem nossa vontade, nossa vocação e tendências.



Inegavelmente, ainda há os defensores da existência da liberdade infinita, absoluta e, sem fronteiras.  Há, ainda, os que negam a existência do livre arbítrio mas concebem a liberdade.



É livre todo ser e todo ato que é causa de si mesmo. Tal concepção de liberdade como autodeterminação e autocausalidade embasa a noção de liberdade como necessidade, presente no estoicismo e no espinozismo[4] principalmente ao dizer “sim” à inevitável sucessão de causas e efeitos, ao consentir na necessidade.



Em verdade, não há contradição entre liberdade e determinismo, há uma real complementaridade entre ambos os conceitos. Portanto, a liberdade é, antes de tudo, autodeterminação. Desta forma, a liberdade só tem sentido positivo por seu poder de determinação.



Assim, o homem é princípio determinante que recebe os influxos de determinações externas e internas, mas é capaz de lhes dar uma nova dimensão e um novo valor que decorre de sua ação pessoal. O homem é assim a causa original, é fonte de iniciativa.



Porém, a questão de liberdade não se reduz, portanto, apenas a uma possibilidade de escolha entre objetos ou objetivos que são apresentados ao homem numa dada situação posto que possa refazer tais dados e redimensionar o processo de continuada criação.



O desafiador busilis da liberdade humana consiste em apreender conviver com as coações, com necessidades prementes no decorrer da existência concreta, e superá-las pela capacidade criadora e inteligente de ordená-las e submetê-las a uma direção determinada privilégio exclusivo do ser humano como único ser vivo racional. Único ser conhecedor de sua própria finitude e fragilidade.



Outra importante questão é avaliarmos a liberdade humana diante da onipotência de Deus se o ato livre se opõe à providência divina?  Os filósofos que acreditavam na existência de Deus e, ipso facto, em sua onipotência afirmam a existência de um homem capaz de decisões autônomas, senhor de seu agir, sendo livre e independente.



No entanto, toda causalidade livre de cada indivíduo, particular está plenamente subordinada a Deus, bem como está subordinado a Ele tudo que é real. Para Santo Agostinho tanto a liberdade humana, como a graça divina e o livre-arbítrio são plenamente compatíveis.



Desde Santo Agostinho e mesmo após a reforma luterana o tema referente ao livre-arbítrio tem sido alvo de enormes polêmicas tanto na teologia como na ética. Principalmente por envolver a natureza humana, o conceito de sujeito do conhecimento e sujeito da ação, a questão da liberdade e o viés contemporâneo que ainda registra a evolução de tais conceitos.



A noção de liberdade como autocausalidade ou autodeterminação é fundamento que justifica a liberdade ser reconhecida como necessidade. A maioria dos filósofos e dos sistemas ideológicos ao explicar ou analisar a conduta humana e em suas relações sociais e pessoais, bem como a ética, baseou-se na existência do livre-arbítrio que se constitui sinteticamente na capacidade, ou faculdade que o ser humano teria de escolher suas próprias ações de forma livre, e ipso facto, por ser livre sua escolha também seria responsável por suas ações.



A grande utilidade do livre-arbítrio para os sistemas jurídicos, religiosos e culturais está relacionada diretamente com o mesmo objetivo que é de responsabilizar o homem por suas ações, tornando possível deste modo, puni-lo ou, no melhor dos casos, recompensá-lo por ter agido de um modo e não de outro.



Nesse sentido, alude Nietzsche: Onde quer que as responsabilidades[5] sejam procuradas ou caçadas, aí costuma estar em ação o instinto de querer punir e julgar. Despiu-se o vir-a-ser de sua inocência, quando se reconduziram os diversos modos de ser à vontade, às intenções, atos de responsabilidade.



A doutrina da vontade[6] é inventada essencialmente em função das punições, isto é, do querer estabelecer a culpa (...). Os homens foram pensados como livres para que pudessem ser julgados e punidos – para que pudessem ser culpados. A vontade de potência é a vontade de guerra e dominação. É a vontade de potência a base inicial da culpa e da condenação do agir humano.



Conseqüentemente, toda ação precisaria ser considerada como desejada e a origem de toda ação como está situada na consciência (in NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos Ídolos. Tradução Marco Antônio Casanova, Rio de Janeiro. Relume Dumará, 2000).



Concluímos que ser impossível conceber a moral[7] e a livre capacidade judicativa do bem e do mal sem o útil artifício do livre-arbítrio, pois então o agir humano perderia seu principal fundamento que são a responsabilidade e o mérito da ação.



Aduziu Nietzsche que a crença no livre-arbítrio é histórica e se evoluiu através de diferentes estágios sociais até chegar à consciência. Assim o livre-arbítrio é considerado fruto de uma vontade livre e consciente.



O deslocamento histórico da moral[8] significou o processo pelo qual as ações humanas progressivamente migraram para um agir consciente e, não mais de caráter instintivo. E, no mais longo período da história que foi a pré-história, as ações humanas não eram avaliadas sob o caráter “bom ou mau”, eram as suas conseqüências que eram julgadas como úteis ou prejudiciais.



Mais tarde, os atributos de “bom ou mau” passaram a ser aplicados à própria ação independentemente de suas conseqüências... depois, tais atributos dirigiram-se às causas motivadoras da ação e, por fim, no clímax da valoração moral, atingiu-se ao atribuir os adjetivos ao agente, crendo-se que este era livre[9] para escolher o seu agir.



Pela fábula da liberdade inteligível que narra a trajetória dos sentimentos pelos quais nos tornamos alguém responsável por seus atos, ou seja, a história dos chamados sentimentos morais, tem as seguintes fases principais:



Num primeiro momento, chamamos as ações isoladas de “boas ou más”, sem qualquer consideração por seus motivos, apenas devido às suas consequências sejam úteis ou prejudiciais.



Em seguida, introduzimos as qualidades de boas ou más aos motivos, e enxergamos os atos em si tidos como moralmente ambíguos. E, assim, sucessivamente tornamos o homem responsável por seus efeitos, depois por suas ações, depois por seus motivos e finalmente por seu próprio ser.



São livres as ações que têm em si mesmas a causa ou princípio, só o sábio é livre e todos os malvados são escravos (Diógenes, L. VII, 121)[10]. Tal conceito vigorou e foi transmitido por toda Idade Média, e foi Orígenes o primeiro a defendê-lo no mundo cristão e não consiste apenas em ter em si a causa dos próprios movimentos, mas também em ser tal causa.



Privilegia tal noção o homem e enquanto juiz e árbitro das circunstâncias externas. Assim esclarece o Dicionário Básico de Filosofia, de autoria de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, (3ª, edição revista e ampliada, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p.165), livre-arbítrio é faculdade que tem o indivíduo de determinar, com base em sua consciência apenas, a sua própria conduta; liberdade de escolha[11] alternativa do indivíduo; liberdade de autodeterminação que consiste numa decisão, inerentemente de qualquer constrangimento externo mas de acordo com os motivos e intenções do próprio indivíduo (...).



Análogas considerações nos remetem ao conceito de libero arbitro de Santo Agostinho que citamos in verbis: “Sente que a alma se movimenta por si só, quem sente em si a vontade.” (De div. quaest, 83,8).



Alberto Magno aponta ser livre o homem que é a causa de si e que não é coagido pelo poder do outro. Tomás de Aquino evidencia que o livre-arbítrio é a causa do movimento e, por este que o homem determina-se a agir.



Para existir a liberdade não é necessário que o homem seja a primeira causa de si mesmo, como de fato não é, e reafirmou Tomás de Aquino posto que a primeira causa seja Deus. Mas Deus não impede a autocausalidade do homem. O conceito de autopraguia ou causa sui é freqüente usado na filosofia moderna e contemporânea, é o que chamamos de “substância livre” conforme apontou Leibniz, determinar-se por si mesmo, motivo do bem e percebido pela inteligência.



Kant por essa razão[12] admitiu o caráter numênico da liberdade (o mundo das coisas tal como são em si mesmas). A liberdade pode ser vista como espontaneidade absoluta. Desejou Kant conciliar a liberdade humana com o poder de autodeterminação.



Kant coloca o livre-arbítrio como a idéia-central de sua ética[13] que constitui a racionalidade natural e, por isso, a considerou como númeno (pode ser considerado como necessidade e substância).



Assim a liberdade é entendida como ausência de medida e recusa de normas. O ilimitado poder sobre todas as coisas que, para Hobbes constituiu a liberdade em estado natural. A segunda concepção de liberdade é como necessidade, não é atribuída à parte, mas ao todo; não ao indivíduo mas à ordem divina ou cósmica, à substância, ao absoluto e ao Estado.



E o sábio só é livre pois vive conforme a natureza, só ele se conforma à ordem do mundo ao destino. O sábio coincide com a necessidade da ordem cósmica.



Na formulação de Spinoza, diz que é livre o que existe si na necessidade de sua natureza. Assim, só Deus é livre, o homem e as demais coisas são determinados pela ordem divina, pela necessidade cósmica.



O homem poderá julgar-se livre somente por ignorar as causas de suas vontades[14] e de desejos. E poderá ser livre se for guiado pela razão, se reconhecer em si a substância infinita e universal.


Prega então que Spinoza que o homem torna-se livre através do amor intelectual por Deus (por conhecer a necessidade divina). Schelling explica bem a coincidência entre a liberdade e necessidade, in litteris:



“O absoluto age por meio de cada inteligência, ou seja, sua ação é absoluta porquanto não é livre e nem desprovida de liberdade, mas as duas coisas ao mesmo tempo (...)”. Transfere para Deus, ou melhor, para a natureza ou fundamento de Deus.



Hegel contrapõe o conceito abstrato de liberdade para vê-la como concreta, como exigência e possibilidade. E, ainda, como realidade do espírito.



No Estado, a liberdade é objetiva e positiva e não corresponde à vontade subjetiva universal (sendo apenas um de seus instrumentos). O direito, a moral e o Estado, e somente estes, são positivações da realidade e satisfação da liberdade.



O arbítrio do indivíduo não é liberdade[15]. A liberdade que é limitada pelo arbítrio[16] que se refere ao momento particular das necessidades (é um momento mas não sua extensão).



Platão foi o primeiro a enunciar que a liberdade é a justa medida. Cada um é autor de sua escolha e a divindade está fora de questão. A liberdade é finita e composta de escolhas entre possibilidades determinadas e condicionadas por motivos determinantes.



Há uma famosa tríade de pensadores que mereceu a designação de “mestres da suspeita” tal como Paul Ricoer os chamou. Nietzsche suspeitou firmemente dos valores[17] de submissão da religião ocidental e preconizou a inversão de valores; Marx suspeitou do poder da religião e entendeu a ética da sociedade ocidental com baseada no aspecto econômico dinamizado pelas relações de produção; Freud que instaurou a suspeita sobre a vontade racional, relativizando o papel da consciência psíquica e, sublinhando a relevância do atuar do inconsciente.



Paulo Ricoer (1913-2005) foi um dos grandes filósofos e pensadores franceses do período seguinte a Segunda Grande Guerra Mundial. Foi acadêmico na Universidade de Sorbonne, tendo passado também pelas universidades de Louvania (Bélgica) e Yale (EUA) onde realizou relevante obra de filosofia política.



A fim de entender o mal e a culpa, o referido filósofo recomenda ouvir e interpretar os símbolos que representam a confissão que a humanidade produz de suas culpas, ou seja, deve compreender os mitos que veiculam os símbolos como a mancha, o pecado e a culpabilidade.



O mito central para Ricoer é o mito de Adão: onde essa figura mescla a universalidade do mal com a inocência do bem e representa toda a humanidade.



A psicanálise interpreta a cultura de simultaneamente a modifica. A realidade é que segundo Freud, juntamente com Marx e Nietzsche, é um dos mestres da suspeita[18] que carregaram a dúvida para dentro da fortaleza cartesiana da consciência.



Assim para Marx não é a consciência que determina o ser, mas o ser social é que determina a consciência. Já para Nietzsche a consciência é máscara da vontade de poder, enquanto que para Freud finalmente, o “Eu” é um infeliz submisso aos três patrões que são: o Ego, o Superego e a “Realidade ou Necessidade” (ao que seria considerado o mundo das pulsões[19], do inconsciente).



Em verdade, quando analisando se existe ou não o livre-arbítrio, retornamos à questão do sujeito do conhecimento e do sujeito da ação[20]. E, obviamente sua identidade que não é fixa, imutável e não relacional. A idéia de sujeito está muito associada à idéia da razão, portanto é sujeito quem é capaz de raciocinar, de agir em função de evidências racionais.



Rejeitar o livre-arbítrio significa então, que o mundo é um vale-tudo, e o mundo resta sem sujeito e sem sua identidade substancial. Então, teríamos o pandemônio, a guerra de todos contra todos.



O conceito de livre-arbítrio segundo Nietzsche é conceito falso, porém não é inteiramente arbitrário, e nem defende um feroz determinismo. Assim o livre-arbítrio é conceito ou sintoma da vida afetiva, surge no tempo e não por acaso[21], e a necessidade desse conceito vale para erigir limites do comportamento, principalmente sob os signos ou sintomas das relações de poder.



Foge Nietzsche tanto do determinismo como do niilismo[22]. E, acredita na inocência do devir, não existe normatividade transcendente à vida ou ordem moral independentemente da vida individual ou coletiva. Tudo acontece afinal em função das relações de poder, não há ordem moral no mundo... o que nos faz crer num mundo sem lei, sem regras, sem controles ou regulamento o que seria um colapso para a civilização humana.



Mas pensar e transformar a normatividade como fonte (seja transcendente ou imanente) revela cada vez mais que são signos ou sintomas das pulsões, e mesmo evidencia serem as normas deliberações coletivas, porém fruto das necessidades reais e afetivas, portanto todas as normas possuem por base a afetividade, a necessidade de convivência e conformação e ainda obedecem a uma lógica individual ou coletiva.



A humanidade através das diversas formas simbólicas os significados, e os momentos mais importantes da vida e de sua história. Ricoeur deve ser reverenciado por sua teoria da pessoa humana e o conceito de pessoa é resgatado dentro das produções simbólicas do homem e depois das destruições provocadas pelos “mestres da suspeita”.



Em síntese, o pensamento de Ricoeur: “Se a pessoa voltar, isso se dará porque ela continua ser o melhor candidato para suportar as batalhas jurídicas, políticas, econômicas e sociais ”.



É o longo caminho da reconquista da pessoa humana por meio de peregrinação na floresta dos símbolos do homem, descobrir a consciência, o sujeito e o “eu”.



O diagnóstico de Nietzsche sobre o século XIX indica claramente a predominância de grande cansaço na humanidade principalmente pelo modo de vida desenvolvido pela civilização ocidental judaico-cristã. Esse cansaço do homem revela-se no niilismo.



É um diagnóstico pertinente a um contexto histórico específico, percebe-se que vai além e ressoa na realidade presente. O niilismo ou a redução ao nada é sintoma do enorme cansaço acometido a sociedade civilizada constituída como rebanho, posto que guiado pelas forças que lhes são alheias.



O niilismo vela pelo horror ao vácuo e aponta que o homem precisa de um objetivo. A vontade[23] de nada é uma forma de se proteger da falta de sentido da existência. O niilismo é aumentado pelos valores vazios, constituindo uma má consciência, que é marcada pela existência niilista guiada pela negação e ausência de valores.



Com a má consciência, se instaura o ressentimento e a culpa em relação à “maior e mais sinistra doença”, incurável até hoje, o sofrimento do homem consigo mesmo. A partir daí, dessa descrença angustiante, Nietzsche inicia discurso a respeito da necessidade dos próprios homens se transformarem em deuses diante do abismo aberto da morte.



In litteris: “Para onde foi Deus? Gritou ele, já lhe direi! Nós o matamos – você e eu [...] Não deveríamos n[os mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele?” (Nietzsche, 2004, PP. 147-148).



Friedrich Wilhelm Nietzsche é, sem dúvida, o pensador e filósofo mais controvertido e talvez também, o menos entendido. Fora influenciado por Schopenhauer[24], o que o levou ao pessimismo e o ateísmo e, ainda, a um extremo niilismo.



Foi o pensador cuja crítica à tradição filosófica clássica e moderna foi mais marcante. Estudou nas universidades de Bonn e de Leipzig onde cursou filologia (estudou a palavra, sua origem e estrutura e evolução).



Gott is tot (em alemão) que significa “Deus está morto”, essa famosa frase apareceu pela primeira vez na obra “A gaia ciência” na seção 108 (Novas lutas), na seção 125(O louco) e, uma terceira vez na seção 343 (sentido de nossa alegria). E também aparece em sua obra “Assim falou Zaratustra”.



Essa mesma polêmica afirmação também fora feita por Hegel cerca de vinte anos antes do nascimento de Nietzsche no ensaio “Crença e saber” de 1802, “o sentimento sobre o qual repousa a religião da idade moderna o sentimento: Deus mesmo está morto (...)”. Há igual sentença de morte divina em Pascal quando se refere a Plutarco em “Le grand Pan est mort”.



Possivelmente é a frase mais interpretada de toda a filosofia ocidental. Se literalmente encarada se refere à morte física de Deus, ou uma referência à morte de Jesus Cristo na cruz, ou ainda, como uma simples declaração ateísmo.



Em verdade, anuncia o fim dos fundamentais transcendentais da existência de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo, tanto na civilização quanto na vida das pessoas (mesmo que não queiram admitir).



E assinala adiante um acontecimento cultural quanto menciona “fomos nós que o matamos”. Tal frase não traduz exaltação e nem lamentação e, sim, a constatação a partir da qual o filósofo traça seu projeto em superar Deus e as dicotomias presentes nos preconceitos metafísicos que julgam o nosso mundo.



Assumir a morte de Deus seria livrar-se dos pesados ídolos do passado e assumir sua liberdade, tornando-nos estes mesmos deuses.



Produzindo vasto leque de possibilidades o que acarreta certa responsabilidade o que muitos não estariam dispostos a enfrentar. Pois a maioria ainda necessita de ter regras, autoridades dizendo o quê fazer, como julgar, como adentrar no significado do mundo, enfim como ler o mundo.


Assim o próprio Nietzsche reconheceu o tremendo caráter utópico desse seu pensamento. Mas também reconheceu que se deve fazer do conhecimento o mais potente dos afetos.[25]



Porém numa correspondência enviada ao seu amigo Franz Overbeck em 30 de julho de 1881, sobre um cartão-postal, dando conta de suas leituras sobre o espinosismo e algumas conclusões que elas lhe inspiram (afirmando que seu precursor fora Spinoza[26]).



As polêmicas produções acadêmicas de Schopenhauer sobre as diferenças entre os sexos, seus papéis na luta pela sobrevivência e reprodução serviriam posteriormente como base argumentativa utilizada pelos sociobiologistas, psicólogos evolucionários do século XX.



A verdade é que a impactante frase: “Deus está morto.” Causou maiores problemas na vida de Nietzsche que continuaram mesmo após sua morte.



Muitos estudiosos rejeitaram seus derradeiros escritos tendo sido vistos como mais um sintoma de sua progressiva, e devastadora doença mental. Por outro lado, outros estudiosos lhe saúdam como um filósofo provocativo, instigante e que gerou enorme influência nas gerações subseqüentes de filósofos e pensadores.



Em sua obra “Super-Homem[27]” destacou a moralidade cristã que alcunhou como “moralidade escrava”, acreditando ser uma doença social destrutiva e perigosa posto que destituísse os indivíduos de sua própria identidade e humanidade, transformando-os em ovelhas.



Em seu lugar, defendia a filosofia do Super-Homem que rejeita a submissão e a passividade que só servem como artifícios para os governantes controlar os indivíduos. O Super-homem se concentra neste mundo em lugar de esperar pelo próximo. Este não segue cegamente a multidão e, não se conforma também, não se inclina frente ao poder da Igreja[28] ou outras formas de autoridade. Ele planeja o longo curso do atalho não é aprisionado pelos costumes estabelecidos, toma suas próprias decisões éticas, com base em sua própria moralidade.





Nietzsche não acreditava que havia muitos super-homens, mas citava exemplificando alguns como Jesus, Shakespeare e Napoleão (que seriam modelos de qualquer super-homem em treinamento). Infelizmente, veio à ideologia nazista apropriar-se do princípio do super-homem e, decorre daí, sua péssima reputação que se seguiu (principalmente em face das ligações de amizade da irmã de Nietzsche com líderes nazistas).



Porém, o filósofo (e filólogo) austríaco não se interessava em controlar ou conquistar os outras, apenas em desmistificar esse controle e poder. Defendia o domínio em si mesmo e a realização de seu potencial individual sem ser inibido por uma sociedade repressora.



Nietzsche foi um escritor prolífico, embora não tenha sido muito vendido em sua época. Seu primeiro livro “O Nascimento da Tragédia[29]” significava um tributo à sociedade e à filosofias gregas antigas estabelecendo a diferença entre a natureza humana de Dionísio e de Apolo[30].



Dionísio era o deus grego ligado aos prazeres sensuais, e Nietzsche entendeu que este seria modelo melhor do que Apolo[31] (como figura melancólica e séria). Acreditava que a cultura européia tendia muito mais para Apolo embora reconhecesse que a dose de sensualidade de Dionísio fosse mais benéfica para todos.



O tipo apolíneo surge como homenagem ao deus Apolo[32]. É o inverso de Dionísio, pois é o Deus da moderação e da individualidade, do lazer, do repouso, da emoção estética e do prazer intelectual.


A arte grega retratava seus deuses, as pulsões cósmicas que se manifestavam nas atividades. A arte grega era a união desses dois tipos ideais que se alternam. O mito trágico expressava toda crueldade do mundo dionisíaco.



Só a guisa de exemplificação, retratamos que o coro é dionisíaco enquanto que o diálogo é apolíneo. O coro exige coordenação, hierarquia e harmonia. Ao passo que o diálogo exige aproximação, sedução e atração.



Há ainda a expressão “apolíneo-dionisíaco” relativa ao que vem dos deuses Apolo e Dionísio – expressão popularizada e criada por Nietzsche como um contraste no livro “O nascimento da tragédia”, entre o espírito da ordem, da racionalidade e da harmonia intelectual, representado por Apolo, e o espírito da vontade de viver espontânea e extasiada, representado por Dionísio.



Dionísio seria um deus da música, ébrio e que não habitava o Olimpo, mas a natureza; a força vital pois contém alegria e excesso. O surgimento da filosofia representava o predomínio do espírito apolíneo, derivado de Apolo, que representava o severo deus da racionalidade, da ordem e do equilíbrio.



Antes do surgimento da filosofia, os períodos e espíritos dionisíaco e apolíneo se revezavam e completavam-se de forma mútua e dialética. Com a evolução da razão filosófica e científica, o espírito apolíneo irá prevalecer enquanto o espírito dionisíaco reafirma o desejo, a vida sendo progressivamente reprimido.



Aponta Nietzsche que a verdade[33] e a moral são instrumentos que os fracos inventaram para submeter e controlar os fortes, os guerreiros. Enfim, a tradição ocidental da filosofia é nesse sentido.



É duplo o objetivo de Nietzsche revelar e criticar a tradição ocidental da filosofia e procurar restaurar os valores primitivos perdidos. Seu estilo iconoclasta e irônico, com seus aforismos ácidos, constrói uma filosofia com um martelo.





Seus aforismos era sua favorita forma de se expressar, trata-se de uma observação breve e sintética como um provérbio. Sua primeira coleção de aforismos é chamada “Humano, demasiado humano[34][35].



Outra coletânea famosa é “A Gaia ciência” e se referia às canções medievais dos trovadores franceses. É nessa obra que faz a audaciosa exclamação de sacudir a realidade, fazendo que se pense sobre sua liberdade e o potencial do mundo humano[36], pois em ver de temer o castigo divino ou sacrificar sua felicidade nesta vida na esperança de ser recompensado na próxima.



A teoria da recorrência eterna ou do eterno retorno é mesmo estranha referência tendo em vista que o filósofo era um ateu convicto, mas acreditamos que era mais uma das suas alegorias imaginativas e poéticas[37].



Realmente sua obra mais famosa é mesmo “Assim falou Zaratustra[38]” uma vez que expõe em intensa polêmica um evidente ataque à tradição judaico-cristã. Trata-se de obra poética, metafórica e apaixonada onde narra o despertar espiritual de Zaratustra[39] (que é o super-homem aperfeiçoado) onde também reitera a recorrência eterna, sugerindo que este lutaria para criar nós mesmos um tipo de vida e, não nos importaríamos se vivêssemos repetidamente.[40]



A obra começa por uma fábula que resumo os pontos de vista de Nietzsche sobre o indivíduo em sociedade. E, nessa fábula[41] o curioso é que o camelo transforma-se em leão, o leão mata o dragão e, então, o leão se transforma em criança.



Por correspondência, na juventude somos camelos (estamos ávidos e carregamos enorme herança da infância e da genética). Após o nascimento, carregando o peso do mundo, somos animais de carga e o cristianismo tratou de impor limitações ao nosso potencial completo e encontrar a felicidade verdadeira.



Já na vida adulta, somos leões e queremos literalmente devorar o mundo, nos aventuramos e, tal avidez e força resultam do embate diabólico da sociedade e da religião. Aliás, foi Nietzsche que enunciou nessa obra; “O que não nos mata, nos fortalece”, ou na versão popular: “O que não mata, engorda!” [42].



Então, o leão é confrontado pelo dragão de nome peculiar, pois se chamava “Tu deves”[43] que representava todas as regras sociais jurídicas e da religião[44] que reprimem nossas vidas. O leão[45] afinal mata o dragão que é transformado em uma criança inocente e pura.



Paradoxalmente, esse estado de criança deveria ser o objetivo do adulto maduro e que sobreviveu às flechas, permanecendo ferido, mas sem se abater. A morte do dragão permite que o super-homem possa emergir triunfante.





Além do Bem do Mal é a obra que expressa mais intimamente a filosofia e possui peculiar abordagem ativa e mais agressiva. Difunde que a moralidade imposta na sociedade é válida, mas a vida real ocorre num reino situado além do bem e do mal. A disposição ao poder significa “ir à busca do prazer” e o “ser o que você pode ser” possui significado benéfico.





Seu lado sinistra, no entanto disputa a crença de que a compaixão e a proteção do mais fraco é uma virtude. Pode haver muitos feridos no caminho da disposição do poder e você também poder ser lesado pela disposição de poder de outros, mas essa é a vida, conclui Nietzsche, que enxergava tanto coisas positivas como negativas que foram feitas exatamente em nome de Deus.[46]



O homem sempre age bem. O agir humano é sempre bom, tendo em vista sua natureza e não o direcionamento racional de uma vontade livre, pois ele não tem opção por agir de um modo distinto. Chegamos à irresponsabilidade moral, assim como o leão, não pode ser culpado moralmente em comer quando faminto uma gazela.



Percebemos que para Nietzsche não há distinção entre o homem e a natureza e este faz parte daquela, é uma de suas espécies. Todavia, o homem foi o único animal que até hoje rompeu, por assim dizer, com sua natureza, criando a possibilidade de escolher metas para si e progressivamente dominar seus impulsos. Esse processo se dá através da moral e da razão.



Aliás, reconhece Nietzsche que a vontade contém o impulso que sempre possui dois lados, aliás, in verbis: “Todo ideal pressupõe amor e ódio, reverência e desprezo”. E, reconhece que o impulso essencial tanto pode advir do lado positivo como do negativo.



Tais pulsões instintivas são totalmente destituídas de valoração moral, e conforme a cultura ou a situação pode receber valor moral distinto e, por vezes, oposto. O homem age sempre bem, nem toda ação propositalmente nociva é considerada moral, advertiu Nietzsche.



Esse processo se dá pela moral e a razão, pois o homem é o único animal que rompeu com sua natureza, criando a possibilidade de escolher metas e dominar seus impulsos. Porém, escolher metas não significa ação livre pois apenas os homens mais fortes estão aptos a isso, o que justifica o surgimento do Estado.



A moralização[47] do agir humano é um processo histórico, que tem seu começo no indivíduo (ou, até mesmo uma sociedade) de natureza forte, e se inseriu a moral do bem e a moral do mal.



O famoso “livre arbítrio” na verdade é o castiço ou cativo arbítrio que resulto em abuso de causa e efeito. Todo agir humano para Nietzsche é instintivo e natural, a moralização é apenas o resultado do processo histórico, que se inicia a partir da diversidade da natureza da qual a natureza humana é apenas mais um componente.



Os graus de capacidade de julgamento decidem o rumo em que alguém é levado por esse desejo (no agir no bem ou no mal), toda a sociedade e cada indivíduo guardam continuamente uma hierarquia de bens seguindo a qual determina suas ações e julga as dos outros.



Deste modo, o filósofo austríaco mostra que as ações humanas não sendo livres e os homens não sendo responsáveis por ser/agir assim ou de outro modo, são todos irresponsáveis moralmente por seus atos. Porém, são responsáveis sociais, pois a sociedade lhe obrigou a aceitação dos valores morais e também o julgará por estes valores.



Apenas os espíritos livres[48] possuem força suficiente para romper os limites de sua própria natureza e também com as imposições sociais e encaminhe-se em novas direções, somente estes são dotados de vontade de poder.



O professor João Manuel Pardana Constâncio da Universidade de Nova Lisboa nos ensina pensar a partir de Nietzsche e sobre sua negativa do livre-arbítrio[49]. Seria uma ficção? Traduzindo um mundo onde talvez não realizamos escolhas, seria então uma vale-tudo, seria um mundo sem sujeito[50]? Definitivamente a crise do sujeito nos revela essa filosofia.



O pensamento contemporâneo no tocante as ciências sociais e humanas aponta para a idéia de morte da noção de sujeito, e entre os pensadores mais responsáveis estão os chamados três mestres da dúvida ou da suspeita (que são Marx, Nietzsche e Freud) que passaram a questionar a figura da razão passando a enfatizar, em seu lugar, a diversidade das experiências vividas no cotidiano.



Tais experiências em particular situadas no social, por Marx aponta a razão como a serviço do poder, cujo nome é ideologia, e do ponto de vista individual, pela teoria freudiana ressalta outro aspecto, a do investimento pulsional, mostrando assim que a razão pode estar a serviço da mentira, cujo nome é racionalização.



Quanto à Nietzsche sua crítica à acepção hegeliana de sujeito como "um ato legítimo" e seu interesse na experiência estética da vida, tornam-se argumentações acirradas contra os valores preconizados pela moderna filosofia a delinear o conceito de sujeito.


Com a saída da razão como modelo explicativo da noção de sujeito a partir da postulação de uma ruptura de sujeito em consciente e inconsciente, distanciando-se do modelo vigente no século XIX que se fundamentava no pensamento cartesiano.



São pontos cruciais na configuração da diferença entre o pensamento freudiano e o cartesiano, é a introdução da noção de alteridade e de determinação. Segundo a visão cartesiana, a consciência abrange o psíquico, e a certeza provém da percepção que se tem do próprio pensamento.



No que se refere à concepção freudiana, a introdução dos fenômenos inconscientes aponta para a incerteza da percepção da realidade, passando a demandar do outro sujeito a garantia de sua verdade.



O elemento psíquico preconizado por Freud vai desaguar na questão de alteridade, ou seja, contrapondo-se a uma idéia de autonomia da consciência, ou seja, o psíquico exige o outro em sua própria constituição. Essa é a primeira diferença entre o pensamento moderno, representado por Descartes, e o pensamento contemporâneo freudiano.



A noção de sujeito se privilegia a autofundação e autoreflexão como elementos constituintes do sujeito.



Também Marx e Nietzsche promoveram uma revolução no pensamento no que tange à questão da consciência, estabelecendo um novo padrão de interpretação e uma crítica ao estatuto da metafísica.



O próprio pensamento platônico que tanto privilegia o mito[51] tem a especificidade de promover tal configuração, impedindo um processo de racionalização integral do ser, e introduzindo a idéia de um "cosmos racionalizado".



É esta a acepção que será aceita pela filosofia cristã (século I) cuja temática central é o da conciliação das exigências da razão humana com a revelação divina.



E, depois desse contexto, com o surgimento do humanismo clássico que consistiu em valorizar o homem em sua dupla capacidade de ser consciente dele mesmo, ou seja, (autoreflexão) e de fundar o seu próprio destino (a liberdade de autofundação).



Assim, a unidade do sujeito passa sofrer a ênfase com o deslocamento da concepção de homem como parte integrante do cosmos e uma valorização do sujeito em relação ao universo objetivo.



O que melhor caracteriza a idéia de um sujeito autônomo que se volta para o mundo para conhecer a realidade foi o cogito cartesiano, que é um autêntico marco da filosofia moderna.



Com o pensamento de Hegel ocorre a radicalização da noção de sujeito, eis que é o espírito absoluto, provocando questionamento em relação à razão - na acepção de entendimento. E no final do século XIX, assistimos ao aprofundamento desse questionamento, o qual promove a necessidade de redimensionamento do tema da racionalização e do sujeito.



O que vem delimitar o campo conceitual a temática do inconsciente e da finitude. Assim a vontade, como poder em estado puro, a idéia do sujeito seria pura ficção (conforme Nietzsche) como efeito de linguagem (em psicanálise) ou constructo social (Foucault).



Esse dois aspectos - a questão da alteridade e a questão da linguagem. E, nesse momento presenciamos que a noção do inconsciente perpassa por toda temática essencial do pensamento contemporâneo.



Com relação à finitude, a trajetória para sua compreensão deriva da temática do inconsciente, e que estão ancoradas na questão de alteridade.



No pensamento que privilegiava o sujeito como autônomo, a idéia de morte se vinculava somente à ordem somática, situando-se, então no plano da natureza, ou seja, a substância extensa é finita.



A ordem psíquica, como estatuto da existência, como substância pensante (res cogitans) não participante do mundo das coisas. Em outras palavras, a substância pensante é considerada infinita.



Para Freud, a constituição do sujeito é baseada na necessidade de uma abertura para o outro, o que fica ressaltado é o desamparo em que se insere o sujeito, visto que a possibilidade do conhecimento passa forçosamente pelo reconhecimento do outro.



O que fica descaracterizado com isso é a própria relação entre sujeito cognoscente e o objeto cognoscível, indicando a exigência de uma reestruturação na compreensão da categoria de sujeito.



Assim, a constituição do sujeito refere-se à alteridade a inclusão da dimensão temporal torna-se uma exigência. E tal reformulação, introduzida pelas temáticas do inconsciente e da finitude na compreensão da categoria de sujeito, via erguer, no pensamento contemporâneo, a discussão sobre a possibilidade de conceber o sujeito empreendendo uma ação transformadora, seja ela externa ou interna.



A concepção de sujeito não mais centrada na idéia de consciência reflexiva, mas sim, a partir da alteridade, da condição de possibilidade de tomar consciência de si, a idéia de determinação, que se encontra aí implicada traz para o debate a necessidade de explicar de que forma se pode conceber o sujeito como singular.



A idéia de alteridade nos remete a inserção num universo simbólico, rompendo com a concepção de ser o sujeito uma medida fechada em si própria.



De acordo com a concepção freudiana, a determinação baseada na alteridade, se mostra como exigência integrativa da subjetividade.  Não se trata de considerar, uma determinação causal. Mas numa relação assimétrica, que remete para uma determinação de caráter estrutural.



Verificava-se assim no pensamento moderno, a configuração de sujeito privilegiando a teoria do conhecimento. Polarizando assim a relação que se dava entre sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido, supondo como uma substância que atingiria sua essência através da reflexão.



Assim, na se pode mais cogitar na percepção de natureza objetiva de si, pois a tomada de consciência passa pela alteridade, o conhecimento de si, dos outros e do mundo não é mais que uma interpretação.



A singularidade do sujeito, nessa ótica, vai estar referida à interpretação que o sujeito elabora produz a partir de uma situação de desconhecimento.



Mas muitas inquirições passam a ser formuladas particularmente após os anos 30 e da experiência prática, ética, política e cultura da Europa, e a partir da própria contribuição psicanalítica dentre outras, vai empreender uma crítica ou desconstrução da concepção de sujeito.



Aliás, o jargão que proclama a "morte do sujeito", ou o aniquilamento do sujeito exige um redimensionamento da questão, indo para além da questão filosófica de apreender o sujeito como categoria, o que coloca, na atualidade e no próprio âmbito ontológico, é a possibilidade de pensar a positividade do sujeito.



A descentralização do conceito de sujeito, e a possibilidade de problematizar a idéia de transcendência com relação às várias categorias. A própria reivindicação de um conhecimento de si que não pode estar desvinculada com a inserção do sujeito no universo simbólico, e pela possibilidade desse conhecimento que passa pelo outro.



Na medida em que esse conhecimento não mais se refere à relação de mera adequação entre pensamento e realidade, e nos remete para o plano da imanência.



O Estado pode impor provas intimidantes de poder e subjugar os mais fracos, retirando-os do isolamento e os reunindo em associação. A moralidade é antecedida pela coerção, pois se torna costume para mais tarde ser obediência livre e, finalmente, quase instinto, e, então, como tudo que há muito tempo é habitual e natural, sendo ligada ao prazer, e se chama virtude. (Nietzsche, 2000, p.75,76).



A autodeterminação humana é uma experimentação na qual as metas vão sendo substituídas por outras, por vezes é um processo repleto de crueldade. Por ser manifestação de sua natureza, o agir humano é sempre bom, sendo isento de valores morais, não seguir escolha livre e racional. Portanto, a essência da irresponsabilidade moral justifica-se pois o agir é natural.



Repise-se que a moralização é processo histórico que tem origem em um indivíduo ou uma sociedade de natureza forte, cuja manifestação de força, consiste em escolher metas para si, e entre estas metas, em certo momento histórico, se inseriu o bem e o mau.



Aliás, Nietzsche nega a existência do mau. A fatalidade da existência humana não pode ser separada da fatalidade de tudo que foi e de tudo que será. O homem não é a conseqüência de uma intenção própria, de uma vontade, de uma finalidade. Também não é feita a tentativa de se alcançar o ideal de moralidade.



Inventamos a finalidade e não há como julgar ou medir nosso ser, pois não pode ser conduzido à causa prima, posto que o mundo seja uma unidade, sensível e concreta.



Somente os humanos criam as causas, o efeito, e não podem ser cativos do conceito monstruoso de livre arbítrio, não existe liberdade psicológica, não há inexorável cadeira de causas e efeitos.



Admitir a teoria da plena irresponsabilidade humana perante o bem e o mal, traz quase uma humilhação para o homem, pois seu maior substrato de humanidade era justamente a capacidade de realizar escolhas morais, escolhas livres.



Mas a natureza humana não é estática e evoluindo surge o que Nietzsche chamou de “vontade de poder” que é próprio movimento da natureza se fortalecendo e sendo mais pulsante.



A irresponsabilidade e a inocência é um fel que o sujeito de conhecimento tem que suportar, principalmente porque estava acostumado a enxergar na responsabilidade e no dever a credencial de nobreza e de sua humanidade.



Desta forma, as ações boas são ações más sublimadas e, por outro lado, as más ações são boas ações embrutecidas ou bestificadas. O grau de julgamento avalia o quanto alguém é levado por desejo (de agir bem ou mau) e toda a sociedade e indivíduo possui continuamente uma hierarquia de bens, uma tábua de valores, pela qual pauta suas ações e julgamentos das ações alheias.



Mas devemos observar que a hierarquia de valores muda, porque o grau de inteligência varia em razão do tempo, do espaço e de qualquer modo, todos os atos e juízos são limitados e, compreender toda a dinâmica pode causar profundas dores, mas há um consolo pois afinal são dores do parto.



Portanto, para Nietzsche a moral é processo diametralmente oposto à natureza primitiva do homem, mas através da expansão da vontade de poder e de profunda submissão e repetição, acabam por se tornar parte da natureza humana.



Apesar de serem os homens irresponsáveis moralmente por outro lado, são responsáveis sociais pois a própria sociedade lhe obrigou a aceitação de valores morais, também o julgará por estes valores.


Apenas os espíritos livres terão força suficiente para romper com os limites de sua própria natureza e também com as imposições sociais e culturais para se projetarem em novas direções e expandindo suas forças. Obrigando a natureza dar uma volta sobre si mesma, aumentando os limites de sua dominação.



E, então, você tem espírito livre?  Não responda. Apenas reflita no real fundamento da liberdade, do livre-arbítrio e enfim sobre toda natureza humana.









                       Asno de Buridan

O profeta Zaratustra, voando

para Ahura Mazda (O Senhor da Sabedoria)





As metamorfoses do espírito humano segundo Nietzsche





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[1] A existência do livre-arbítrio tem ocupado ponto central na história da filosofia e na história da ciência. Pois possui evidentes implicações religiosas, morais, psicológicas e científicas. No âmbito religioso, pode implicar que uma divindade onipotente não imponha seu poder sobre a vontade e as escolhas individuais. Na ética, o livre-arbítrio implica em os indivíduos são considerados moralmente responsáveis por suas ações. E, por fim, na psicologia, este implica em reconhecer que a mente controla certas ações do corpo.
Há muitas visões sobre a existência da liberdade metafísica, o que implica em reconhecer o poder de escolher entre genuínas alternativas. Pelo determinismo mecanicista e o determinismo teleológico se chegou a afirmar que todos os acontecimentos, incluindo as vontades e escolhas humanas, são causados de forma necessária e suficiente por acontecimentos anteriores. Assim o homem seria destituído de liberdade de decisão e de poder para influir nos fenômenos em que toma parte.
Pelo determinismo mecanicista e pelo teleológico rejeitam a existência do livre-arbítrio, admitindo a acepção da liberdade como ausência de determinação causal. Em reação a esses dois tipos de determinismo encontramos o libertarianismo que apenas concorda parcialmente com o determinismo, admitindo fatos causais que ocorrem de forma necessária, porém não suficiente, reservando assim algum espaço para a liberdade. O indeterminismo é uma forma de libertarianismo que defende a existência do livre-arbítrio e que as ações ancoradas no livre-arbítrio são efeitos sem causas.  Ainda existem os que acreditam que ao invés da volição ser um efeito sem causa,  defendem que o livre arbítrio e a ação do agente sempre produz o evento (tal conceito é muito usado na economia).
Diferencia-se tal libertarianismo do libertarismo muito debatido na filosofia política, ciência política e economia. Talvez a gênese das confusões seja o fato de que na língua inglesa os dois conceitos são chamados pelo mesmo nome, ou seja, libertarianism. E o que justifica o fato de alguns autores de língua inglesa utilizarem mais frequentemente a palavra voluntarism para se referir ao libertarianismo. O compatibilismo é a visão de que o livre-arbítrio emerge mesmo em incerteza metafísica. Trata-se de uma versão mais leve ou menos radical do determinismo, posto que aceita a existência de eventos mentais e físicos são causados de modo necessário e suficiente. A noção de liberdade interior, a que rege os pensamentos, crenças e desejos. Resume o livre-arbítrio como o que respeita as ações, ou pressões, internas e externas. A filosofia que aceita tanto o determinismo quanto a liberdade de escolhas é também chamada de soft determinism, expressão de autoria de William James para designar o que chamamos hoje de livre-arbítrio compatibilista. (In Wikipédia – A enciclopédia livre, verbete livre-arbítrio, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Livre-arb%C3%ADtrio#A_ci.C3.AAncia_do_livre-arb.C3.ADtrio Acesso em 02.11.2011).

[2] O paradoxo conhecido como o asno de Buridan não foi originado pelo próprio Buridan. É encontrado na obra De Caelo, de Aristóteles, onde o autor pergunta como um cão diante de duas refeições igualmente tentadoras poderia racionalmente escolher entre elas.

[3] Para o determinismo é sistema que subordinava as determinações humanas à ação da Providência; princípio científico segundo o qual os fenômenos são regidos por leis necessárias e universais, todas as ações humanas e decisões de vontade a leis tão rigorosas como que regem os fenômenos materiais, negando, absolutamente o livre-arbítrio. Pela doutrina determinista toda e qualquer ação é resultado de uma causa ou grupo de causas, sendo por estas, determinada e condicionada. Acredita-se na universalidade do princípio causal e, ipso facto, consequentemente, na determinação necessária das ações humanas pelos seus motivos.

[4]Diz-se livre o que existe exclusivamente de sua natureza e por si só é determinado a agir; e dir-se-á necessário, ou mais propriamente coagido, o que é determinado por outra coisa a existir e a operar de certa e determinada maneira (ratione)” Spinoza.
[5] Paul Ricoer entende o conceito de falibilidade diante da polaridade finitude e infinitude, daí proclamar Homo simplex in vitalitate, duplex in humanitate (O ser humano: simples em sua vitalidade, duplo em sua humanidade) muito aplicado na ética e na filosofia prática.
[6] Nietzsche afirma que não conhecemos as leis da natureza, mas apenas construímos em torno delas um emaranhado de conceitos que são meras abstrações lógicas, tidas como verdadeiras por serem úteis. 
[7] Sem liberdade não há moral. Basta citar Tomás de Aquino que em uma frase lacônica sugere todo o essencial: "o homem tem o livre arbítrio, de outro modo conselhos, exortações, preceitos, proibições, recompensas e castigos seriam coisas absolutamente vãs".
[8] A moral de rebanho ou a moral escrava da obediência e resignação só propõe a anulação da vontade e a repressão dos desejos.
[9] A “fábula da liberdade” – isto é, a história de um conceito que nos faz compreendermo-nos de forma equivocada – atravessa alguns estágios. Na primeira fase dessa história dos sentimentos morais e do conceito de liberdade, o homem era pouco mais que um animal. O valor da ação residia inteiro na utilidade dessa ação para sua comunidade. A moralidade, absolutamente restrita ao círculo comunitário ao qual pertencia cada animal humano em questão, era definida pela utilidade da ação ao grupo. Um assassinato não teria nenhum valor negativo caso trouxesse boas conseqüências para o grupo social.
[10] Está no Sobre as 83 Questões Diversas, onde comenta: "A virtude é um hábito da alma conforme a natureza e a razão [...] Tem quatro partes: prudência, justiça, fortaleza e temperança. A prudência é o conhecimento das coisas boas, más e indiferentes. Tem três partes: memória, inteligência e providência, através das quais se olha o passado, o presente e o futuro. A Justiça é um hábito da alma que observa a utilidade ou bem comum e dá a cada um, o que é seu segundo a sua dignidade. Suas partes são a religião, a piedade, a gratidão, a consideração, a observância e perseverança; A temperança é o domínio firme e sensato das paixões desordenadas da alma. Suas partes são a continência, a clemência, a modéstia. Todas essas virtudes hão de buscar-se por si mesmas, sem nenhum interesse (De div quaest 83, 31, 1-2).
[11] Nossas escolhas são sempre condicionadas aos nossos contextos e limitações. A concepção de que existem escolhas absolutamente livres é uma ilusão de nosso próprio narcisismo. (in FACIOLI, Adriano. Existe livre-arbítrio? Disponível em http://inquilinosdoalem.blogspot.com/2011/05/existe-livre-arbitrio.html Acesso em 02.11.2011).
[12] Nietzsche zomba abertamente do racionalismo moderno, e um de seus alvos prediletos era Kant, e chama sua filosofia séria ou grave. Também ironiza a pretensão à descoberta de algo profundo, como os fundamentos de nosso conhecimento e de nosso agir moral.
[13] O livre-arbítrio é, assim, eminentemente ético, e gira também na esfera dessa disciplina. A liberdade humana marca a dignidade ética do homem. Pode-se, em muitos casos, prever, com certa segurança, quais as atitudes que um homem determinado, desde que conhecida a sua formação moral, tomará em face de certas circunstâncias. Compreende-se que, em tais casos, há um imperativo categórico, que é aceito, e serve de norma para a atuação de um indivíduo eticamente bem formado. A liberdade humana não pode ser negada, porque se realmente nunca fosse o homem livre, jamais lhe surgiria a idéia da liberdade. Por não se poder explicar a liberdade, dentro da matéria ou no atuar da matéria, tem ela servido de argumento em favor da espiritualidade do homem e também tem sido tal fato a razão porque os inimigos da espiritualidade humana, mais dia ou menos dia, terminam por negar a liberdade e atraiçoá-la.
[14] Determinar o valor da vontade de verdade é uma das tarefas de sua filosofia, a qual analisa todo tipo de valoração presente por detrás da lógica e da moral a fim de captar que tipo de condições fisiológicas esses valores estão condicionados.
[15] Por vezes, fundamentou-se a mencionada distinção entre o livre arbítrio e a liberdade, defendendo que, enquanto o primeiro requer a ausência de coação externa, a segunda implica também a ausência de coação interna.
[16] O livre arbítrio, que quer dizer, o juízo livre, é a capacidade de escolha pela vontade humana entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, conscientemente conhecidos. Para os escolásticos, esse termo toma um sentido bem claro.  É a capacidade do ser espiritual para tomar, por si mesmo (sem determinações de qualquer espécie), uma direção diante valores limitados conhecidos, para escolher ou não escolher um desses valores ou valores julgados limitados. Só há liberdade onde há apreensão de valor como real, mas dotado de limites. Onde, porém, o valor é absoluto, é natural que a vontade a ele se dirija por impulso natural, revelando uma aspiração necessária desse bem.
[17] Para Nietzsche, os valores não são transcendentes ao homem, ao contrario, o homem é o criador de seus próprios valores e a estes se sujeita e aos outros os impõe. Os valores nada mais são que “humanos, demasiadamente humanos”, pois “em algum lugar, e em algum momento, simplesmente foram criados.
[18] A discussão entre a heterogeneidade e a homogeneidade da existência pode ser claramente evidenciada na ciência a partir do embate entre a filosofia dualista de Descartes e a filosofia monista do filósofo e médico La Mettrie. Descartes concebia então que não somente o mundo é constituído de micropartículas materiais, mas também os seres orgânicos, e, conseqüentemente, os mesmo princípios mecanicistas que regem o mundo se aplicam à vida: o mundo vivo não é diferente do não vivo. Mas o homem, segundo Descartes, é um complexo de duas substâncias distintas entre si: o corpo e a alma, ou seja, o homem é heterogêneo e sua natureza é dualista (cf. Descartes, 1999, p. 268). La Mettrie, em sua obra “O Homem-máquina”, defende severamente posições materialistas, e, nessa obra, critica o dualismo cartesiano e propõe que o homem é puramente máquina, transferindo as atividades da alma para a imaginação, a qual se resume em uma atividade material correspondente a funções cerebrais. 
[19] Em primeiro lugar, coloco a importância das pulsões, que para Nietzsche são as responsáveis pelo andamento de todas as coisas do Universo: a relação entre as pulsões (quantas de energia) e seu efetivar-se são essencialmente responsáveis pelo devir. Estas pulsões são ainda responsáveis pelos desejos, pelas "urgências" e "exigências" tanto do corpo quanto da alma (lembrando que, a alma e corpo, dentro da visão nietzschena, são uno). Portanto, para Nietzsche, as pulsões são o "objeto" da Psicologia: por darem "vida" (e vontade de vida, vontade de desejo e vontade de prazer) ao ser humano.
[20] "Conhecer é elaborar  modelo de realidade" e " projetar ordem onde havia caos". Nesse sentido, três elementos são necessários para que haja conhecimento: a) O sujeito, que é o ser que conhece; b) O objeto é  aquilo que o sujeito investiga para conhecer;  c) A imagem mental em forma de opinião, idéia ou conceito que resultam da relação sujeito-objeto e que passa a habitar a subjetividade daquele que conhece.  Nesse processo, dado que o humano se revela em ser “pensante-sentinte-comunicante”, ele articula sentimentos e pensamentos e os transmite por meio da linguagem simbólica, a qual o diferencia dos demais seres existentes.
[21] O acaso nos diz o seguinte: você não é livre para fazer o que bem deseja. Você é um amontoado de determinações; (In FACIOLI, Adriano. Nada acontece por acaso? Disponível em: http://inquilinosdoalem.blogspot.com/2010/01/nada-acontece-por-acaso.html Acesso em 02/11/2011).
[22] Para Nietzsche, existem dois tipos de niilistas: o niilista passivo e o niilista ativo. O primeiro é o niilista ressentido, é aquele que não promove nenhuma forma de criação de novos valores, que vive sob condições peremptas e não consegue se desprender delas. Por outro lado, o niilista ativo (e Nietzsche se considerava como o primeiro niilista ativo) seria aquele que se empenharia na tarefa de destruir a moral e a metafísica, e, dessa existência vazia restante, erguer novos princípios, criar novos valores.
[23] “Atrair e repelir” em sentido puramente mecânico é uma completa ficção: uma palavra. Sem uma intenção não podemos pensar uma atração. - A vontade de apoderar-se de uma coisa ou de defender-se de seu poder e rejeitá-la – é isso o que “compreendemos”: seria uma interpretação [Interpretation] que poderíamos necessitar de outono de 1885 a outono de 1886, KSA 12.101 .
[24] Apesar de que o pessimismo de Schopenhauer não se adequava totalmente à natureza de Nietzsche, porém este lhe reconheceu a honestidade e sua força.
[25] O ensaio de Schopenhauer acerca de mulheres de 1851 manifestou oposição à “estupidez teutônico-cristã” sobre questões femininas. E ainda aponta que está na natureza da mulher obedecer apesar de reconhecer que as mulheres são mais sóbrias do que os homens.
[26] Nietzsche apontou seis pontos comuns com a filosofia de Espinosa: negam o livre-arbítrio, a finalidade (ou causas finais), a ordem moral do mundo, a ação desinteressada ou desinteresse e o mal e a inspiração no instinto.
[27] O super-homem criado por Nietzsche nada tem haver com aquele retratado pelo filme e famoso pelo personagem Clark Kent, sua única moral era a vontade de potência. Seu mundo é simples e ingênuo, e, seu principal protótipo era Zaratustra – personagem muito sisudo, sério e maçante que possuía sintomas psicóticos perigosos.
[28] Época em que Nietzsche viveu nos idos de 1844-1889 (é a época de sanidade, depois já começa a loucura e deixa de escrever e deixa de existir como pensador), neste momento há o domínio de uma religiosidade oficial, muito institucional - não esqueçam a atitude de Kierkgaard, há muitas semelhanças.
[29] A tragédia expressa o confronto dos homens com os deuses, e nesse embate, o herói transcende adversidades tal qual Prometeu nas tragédias de Ésquilo.
[30] Houve muitas traduções de Nietzsche, nem sempre boas, nem sempre seguras; freqüentemente se tem enfatizado o aspecto mais extremado de sua obra e teve, por exemplo, uma manifesta tendência a desmesura. Os senhores conhecem a famosa doutrina dos dois conceitos de Nietzsche, das duas tendências: o apolíneo e o dionisíaco. Ele falou longamente disto -evidentemente procede de sua cultura clássica, de seu estudo da língua grega e da literatura grega- e sua obra, em conjunto, oscila entre o que ele chamava apolíneo -ou seja, a medida, o equilíbrio, a serenidade- e o dionisíaco: exaltado, violento, apaixonado.
[31] Um quadro das distinções comumente apresentadas entre os deuses Apolo e Dionísio, embora que não retratem verdadeiramente suas essências, mas podem ser descritas resumidamente: Apolo: prima pelo belo, aparência, pela tendência ao sonho, a forma (limite), ao princípio de individuação; resplandecente; ordem; serenidade; ordem; serenidade; Já Dionísio é voltado para a música, embriaguez, para a fala do inconsciente, o uno primordial (não há forma sem limite), Indiferenciação; essência desmedida, domínio subterrâneo.
[32] O apolíneo e o dionisíaco faz parte da estética ativa nietzscheneana pois são observados como par fundamental de impulsos artísticos da natureza, o qual geram estados fisiológicos vitais, estados de sensibilidade tanto no artista quanto no que contempla a obra. Uma questão que deve ser analisada é o fato do dionisíaco ser encarada apenas como o “lado bacanal” da vida e o apolíneo como o correto, certo, equilibrado. É aí que se cometem erros na interpretação da filosofia da arte em Nietzsche, pois ambos andam de mãos dadas entre si como forças cósmicas que fazem parte da nossa vida e do nosso ser.

[33]Para uma apresentação dessa análise de Nietzsche encontrada no texto Sobre a verdade e mentira no sentido extra-moral, citamos esse trecho: “O que é portanto a verdade? Uma multidão móvel de metáforas, (…), uma soma de relações humanas que foram realçadas, transpostas e ornamentadas pela poesia e pela retórica e que, depois de um longo uso, pareceram estáveis, canônicas e obrigatórias aos olhos de um povo: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que são, metáforas gastas que perderam a sua força sensível, moeda que perdeu sua efígie (…), mas apenas como meta” (NIETZSCHE, 1974a, p. 54).
[34]Humano, demasiado humano, um livro para espíritos livres ('Menschliches, Allzumenschliches'), sendo a primeira obra de Friedrich Nietzsche após o rompimento com o romantismo de Richard Wagner e o pessimismo de Arthur Schopenhauer. Não foi bem aceito pela crítica da época, o que o fez vender apenas cento e vinte cópias no primeiro ano da publicação. Sem dúvida, exerceu influência Richard Wagner pois na opinião de Nietzsche ele conseguiu harmonizar os elementos apolíneo e dionisíaco tal como na tragédia grega.
[35] "Desde que acabou a crença de que um Deus dirigiria os destinos do mundo em seu conjunto e, apesar de todas as curvas do caminho seguido pela humanidade, os conduziria como senhor a bom termo, são os próprios homens que devem propor-se a fins ecumênicos que abrangem toda a terra."
[36] Para fazê-los sentir o que Nietzsche quis dizer eis uma citação de Goethe que se enquadra bem: “Nas ondas da vida, na tempestade das ações, subo e desço, teço aqui e ali, nascimento e morte, um mar eterno, uma vida de mudança! Assim crio no estrepitoso mar do tempo”.

[37] As imagens poéticas são anteriores mesmo às próprias imagens visuais; uma imagem pensada já é uma imagem segunda, já é uma imagem nascida de uma imagem poética anterior. As imagens poéticas, em sua primitividade, são sensações poéticas: não são pensadas, mas sentidas com o corpo todo. As imagens poéticas são imagens vividas.

[38] Zaratustra é concebido à luz da parábola do comportamento, revela-se infantil e simples. O super-homem seria um misto de um grego, um francês, um judeu português e um alemão, seriam os ancestrais sanguíneos, tal qual, Platão, Pascal, Spinoza e Goethe.
[39] Zaratustra, mais conhecido na versão grega de seu nome, Zωροάστρης (Zoroastres, Zoroastro), foi um profeta nascido na Pérsia (atual Irã), provavelmente em meados do século VII a.C. Ele foi o fundador do Masdeísmo ou Zoroastrismo, religião adotada oficialmente pelos Aquemênidas (558330) a.C. A denominação grega Ζωροάστρης significa contemplador de astros. É uma corruptela do avéstico Zarathustra (em persa moderno: Zartosht ou زرتشت). O significado do nome é obscuro, ainda que, certamente, contenha a palavra ushtra (camelo).
[40] Eis algumas frases ou ditos a ele atribuídos a Zaratustra: -"O que vale mais num trabalho é a dedicação do trabalhador".  "O que lavra a terra com dedicação tem mais mérito religioso do que poderia obter com mil orações sem nada fazer". -"Aquele que diz uma palavra injusta pode enganar o seu semelhante, mas não enganará a Deus." -"Deus está sempre à tua porta, na pessoa dos teus irmãos de todo o mundo." -"O que semeia milho, semeia a religião. Não trabalhar é um pecado."
[41] "Vou dizer-vos as três metamorfoses do espírito: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança.
[42]  A teoria da eterna recorrência propôs a possibilidade de estarmos destinados a viver nossas vidas repetidamente sem qualquer variação e nem possibilidade de alterar ou corrigir erros. Embora, seja o filósofo ateu, talvez estivesse fazendo apenas uso da licença poética ao propor mito alternativo por considerar prejudicial à mitologia da tradição judaico-cristã.
[43] Qual é este grande dragão a que o espírito já não quer chamar nem senhor, nem Deus? O nome do grande dragão é 'Tu deves'. Mas o espírito do leão diz: 'Eu quero. ' (...) Para conquistar a sua própria liberdade e o direito sagrado de dizer não, mesmo ao dever, para isso meus irmãos, é preciso ser leão. (...).
[44] No judaísmo, por exemplo, o livre-arbítrio é axiomático. Todos são vistos como tendo escolha livre para decidir em que medida seguirá a própria consciência ou arrogância. Os seguidores do espiritismo acreditam que o livre-arbítrio ganha proporções maiores à medida que o grau de evolução (moral e intelectual)  do espírito se desenvolve. O livre-arbítrio pode ser limitado em determinadas situações, quando isso proporcionar  evolução na condição moral e intelectual do espírito, como exemplo, no caso das reencarnações compulsórias, onde o espírito "ocioso"  é compelido a reencarnar mesmo contra sua vontade, subjulgando-se seu livre-arbítrio.
[45] Leão simboliza um espírito ativista revolucionário deixando de ser o camelo quando não aceita mais submeter-se passivamente à realidade como ela se mostra, e se rebela: quer conhecer a realidade – com a fome de um leão - para transformá-la. O libertário livra-se dos deveres heterônomos e cria para si a liberdade de novas criações.
[46] A Inquisição, ou Santa Inquisição foi uma espécie de tribunal religioso criado na Idade Média para condenar todos aqueles que eram contra os dogmas pregados pela Igreja Católica. Fundado pelo Papa Gregório IX, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição mandou para a fogueira milhares de pessoas que eram consideradas hereges (praticante de heresias; doutrinas ou práticas contrárias ao que é definido pela Igreja Católica) por praticarem atos considerados bruxaria, heresia ou simplesmente por serem praticantes de outra religião que não o catolicismo. A verdade é que embora o apogeu da Inquisição tenha se dado no século XVIII, as perseguições aos hereges pelos católicos, têm registros bem mais antigos. No século XII os “albigenses” foram massacrados a mando do Papa Inocêncio III que liderou uma cruzada contra aqueles que eram considerados os “hereges do sul da França” por pregarem a volta da Igreja às suas origens e a rejeição a opulência da Igreja da época. (in FARIA Caroline, A Santa Inquisição, Portal InfoEscola, Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/a-santa-inquisicao/ Acesso em 02.11.2011 ).

[47] Grande parte da obra filosófica nietzschiana é relativa às questões morais. A posição de Nietzsche é fundamentalmente de crítica aos valores dominantes. A genealogia da moral nietzschiana indica a existência fundamental de duas morais: a moral do senhor e a moral do escravo. A primeira representando o bem e a segunda o mal, travaram ao longo da história humana uma luta fundamental e, ainda hoje, determinam o essencial desta história. Relativamente a toda tradição moral ocidental, como disse, a genealogia transforma “o bem em mal e o mal em bem”.
[48] Esta posição de Nietzsche foi interpretada como relativista e passou a ser o objeto preferido da crítica dos absolutistas. Na verdade, parece ser difícil comprovar um relativismo de valores a partir dos escritos de Nietzsche. O que ele queria era substituir os valores tradicionais calcados, como disse, no ressentimento por novos valores que favorecem a vida. Para Nietzsche, há uma relação intrínseca entre valor e ser humano, ou seja, não há valor independente do modo de ser do homem. Trata-se certamente de uma tese empirista ou subjetivista, mas não relativista de valor.
[49] Foi em Nietzsche, especialmente em suas obras “Jenseits von Gut und Böse” (1886) e “Zur Genealogie der Moral” (1887) que ‘valor’ tornou-se um dos conceitos centrais da filosofia em torno do qual girou, na sua quase totalidade, a discussão moral. É também desde
essa época que se estabeleceu a distinção entre um conceito metafísico ou absoluto e um conceito empirista ou subjetivista de valor. Na primeira acepção, valor assume um status metafísico, independente de sua relação com o homem. No segundo sentido, valor inclui sua relação com o mundo humano, ou seja, com o homem e sua historicidade.
[50] Em “Jenseits von Gut und Böse” encontra-se uma passagem na qual Nietzsche deposita sua esperança “em espíritos fortes e bastante independentes para dar impulsos a juízos de valor opostos, para reformar e inverter os valores eternos; em precursores ou homens do futuro que no presente formem o fundamento que abrigará a vontade dos milênios a abrir novos caminhos” (1886, § 203, p. 90). Os valores tradicionais são ironizados por Nietzsche como valores eternos e invertê-los consistiu a principal finalidade de sua filosofia. Sua intenção era a substituição dos valores da moral cristã, a seu ver, fundada sobre o ressentimento, portanto, sobre a renúncia e o ascetismo, por valores vitais que nascem da afirmação da vida e da aceitação dionisíaca.
[51] “Na verdade, irmãos, para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação; o espírito quer agora a sua própria vontade; tendo perdido o mundo, conquista o seu próprio mundo.” (...)