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sábado, 1 de dezembro de 2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Resenha de novembro de 2012

 

 

Olá, pessoal!

As indicações bibliográficas desse mês correspondem a uma das mais importantes, seja pelo peso dos autores e doutrinadores, seja pela relevância das temáticas tratadas que devem ser imprescindíveis para a boa atuação dos profissionais de Direito.

Há muito tempo que falo em minhas aulas o quanto é exigente o tempo para a Ciência do Direito, enfim, a atualização é pertinente portanto, para a prática da advocacia, é exigida nos concursos públicos, nos cursos de graduação, de pós-graduação e, enfim, até em mestrados e doutorados.

A obra é intitulada “Direito de Família – Uma Abordagem Psicanalítica” de autoria de Rodrigo Cunha Pereira, advogado, professor universitário, Doutor em Direito (UFPR), Mestre em Direito (UFMG) e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) do qual tenho a honra de pertencer.

A obra de fôlego foi publicada pelo Grupo Gen, Editora Forense, contendo o total de 216 páginas, disponível em livro impresso e também na versão e-book (electronic book ou livro eletrônico).

Enviei algumas parcas perguntas, entabulando uma entrevista com o notável autor que apresentou as seguintes respostas:

De qual forma o senhor, como autor e jurista sintetiza a família contemporânea e seus principais conflitos?

A família foi, é e continuará sendo o núcleo formador e estruturador do sujeito. Sem família não é possível existir nenhuma sociedade. Mas seu conceito hoje esta bem diferente de algumas décadas atrás. Ela não é mais singular, é plural. Ou seja, existem várias representações sociais de família e todas elas devem receber proteção do Estado. O grande desafio desta área do Direito hoje é buscar um conceito de família, pois aquele que se lia nos tradicionais livros doutrinários já não servem mais. Precisamos buscar um conceito que esteja acima de valores morais estigmatizantes para não repetir as injustiças históricas de exclusão e expropriação de cidadanias, como aconteceu com os filhos e famílias havidas fora do casamento, por exemplo.

2. Como analisa a legislação brasileira que regula atualmente o Direito de Família? Aponte, por favor, os prós e os contra.

A legislação brasileira ainda não atende a todas as relações familiares que merecem proteção do Estado. Embora o Código Civil tenha entrado em vigor em 2003, e tenha feito alguns avanços, em muitos aspectos ele é falho. É que a realidade tem mudado muito mais rápido que as regras jurídicas. Em razão disto o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família apresentou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei denominado “Estatuto das Famílias”, reformulando toda a legislação sobre Direito de Família. Enquanto isto, e para não permitir que injustiças ocorram por falta de lei expressa sobre determinado assunto, podemos nos socorrer dos princípios constitucionais que assim como as regras jurídicas (leis) são também normas jurídicas.

3. De qual maneira a abordagem psicanalítica ajudou o autor a enfocar o Direito de Família?

A psicanálise proporciona compreender que em todas as relações jurídicas há uma subjetividade que as determina. Ou seja os atos e fatos jurídicos são determinados, ou predeterminados, pelo “sujeito do inconsciente”. O sujeito de direito é também sujeito de desejo, e como ser desejante é ele que faz e desfaz negócios jurídicos, casa, separa, reconhece ou não a paternidade etc. Ver o sujeito de direito como sujeito desejante nos remete a uma outra compreensão sobre Direito e em especial sobre o Direito de Família. Além disto o discurso psicanalítico proporciona desestigmatizar o conceito de família. Em outras palavras se a família não é um fenômeno da natureza, mas da cultura, é antes de tudo uma estruturação psíquica em que cada membro ocupa um lugar, uma função. Vista por esse ângulo, é possível compreendê-la em qualquer grupamento humano, em qualquer tempo ou espaço.

4. Qual é seu posicionamento doutrinário a respeito das uniões homoafetivas?

Se a família é uma estruturação psíquica, e é um elemento da cultura, e não da natureza, é possível que a relação entre pessoas do mesmo sexo constituam seus núcleos familiares, sejam parentais ou conjugais. O reconhecimento destas relações é um caminho sem volta, quer gostemos ou não, queiramos ou não, inclusive o casamento civil homoafetivo. A dificuldade das pessoas em aceitarem essas relações como nucleos familiares reside em fatores puramente morais, mas que não são éticos. E no fundo isto toca nas fantasias mais inconscientes do sujeito e no medo dos próprios fantasmas.

5. O que é mais importante para um operador de Direito ao atuar na seara do Direito de Família?(em termos de qualificações e habilidades)

Para atuar na área do Direito de Família é preciso antes de tudo ter sensibilidade. Depois desejo. E paciência. A abordagem psicanalítica na prática do Direito de Família nos remete a uma ética do bem. Isto significa não nos permitirmos ser instrumentos do “gozo” do cliente. A expressão “gozo” foi usada por Lacan, tomada emprestada do mundo jurídico, para resignificá-la como uma satisfação pulsional e o seu paradoxo com o prazer e o desprazer. Devemos mostrar aos nossos clientes que o seu verdadeiro interesse, às vezes, não é aquele que aparenta ser. Em outras palavras devemos evitar a montagem perversa que muitas vezes se torna uma demanda judicial, já que o processo judicial é a materialização de uma realidade subjetiva.

6. Possui outra obra em andamento, de qual tema?

Tenho me interessado cada vez mais em buscar ajuda em outros campos do conhecimento para fazer um Direito de Família melhor. Além da psicanálise, tenho pensado muito em trazer a arte para o Direito e romper um pouco as barreiras entre esses dois campos aparentemente tão diferentes. Mas Arte e Direito falam da mesma humanidade. E é exatamente nesta humanidade e humanização do Direito que podemos transformar o Direito de Família, cada vez mais, em Direitos Humanos e humanizadores.

Rodrigo da Cunha Pereira, 54, Advogado em Belo Horizonte onde mantém sua clínica do Direito, Doutor em Direito Civil (UFPR) e Presidente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Nos inúmeros prefácios da obra que já se encontra em quarta edição, mais precisamente no prefácio da segunda edição, assinado por Célio Garcia, psicanalista, professor aposentado na Faculdade de Medicina da UFMG, há uma interessante invocação a Joyce, que em muito elucida a abordagem feita pelo autor: "Quem é o pai que qualquer filho amaria, quem é o pai que amaria qualquer filho?"; Paternidade, num sentido consciente, é até hoje coisa desconhecida para o homem. De fato, ela é um estado místico, uma sucessão apostólica de pai para filho. (...) no vazio, na incerteza, na improbabilidade. A paternidade deve ser uma ficção legal, disse Joyce.

A erudita abordagem e pertinente obra torna-se ferramenta cabal para que tenhamos uma panótica e a devida compreensão do Direito de Família, das relações familiares e, sobretudo na indispensável defesa da dignidade da pessoa humana e pela crescente humanização da ciência do Direito.

Gostaria de parabenizar e agradecer o autor e jurista pela obra, a editora e principalmente por sua atenção e disponibilidade, pois prontamente respondeu minhas perguntas.

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Site do IBDFAM

http://www.ibdfam.org.br/novosite/

http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/pagina/1

A outra indicação é Lições de Direito Empresarial, de autoria de Mônica Gusmão (Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes. Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Cândido Mendes. Pós-Graduada em Metodologia e Didática do Ensino Superior na Faculdade de Direito Cândido Mendes e na FGV – Fundação Getulio Vargas. Pós-Graduada em Metodologia e Didática do Ensino Superior à Distância na FGV – Fundação Getulio Vargas. Professora de Direito Comercial nos Cursos de Graduação (Direito e Ciências Contábeis) e da Pós-Graduação nas áreas de Controladoria e Finanças e nos Cursos de Especialização em Direito Empresarial e em Responsabilidade Civil da Faculdade de Direito Cândido Mendes. Professora de Direito Empresarial da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na AMPERJ – Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, na FEMPERJ – Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, no IBMEC e na FGV. Autora de diversos artigos no âmbito jurídico.), que já se encontra na décima-primeira edição, publicada pelo Grupo Gen, Editora Forense, contendo 640 páginas. Trata a disciplina com eficiência, didática e principalmente atualização. Bastante recomendável para todos os níveis de ensino universitário, especialmente os concursandos.

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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Esclarecimentos sobre o direito civil contemporâneo

 

 

 

Tratar do direito civil atual principalmente em face da vigente legalidade constitucional, dos fundamentos da república brasileira e da incidência do constitucionalismo contemporâneo ou o neoconstitucionalismo é um enorme desafio.

 

Pretendo pois humildemente sintetizar sempre de forma didática todo o giro semântico que todo Direito Privado experimentou e, ainda tem passado, significando um alerta para a discussão sobre a natureza normativa das Constituições, marcando a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, e acenando para a complexidade do caráter unitário do ordenamento jurídico.

 

E, ainda ousaremos nos embrenhar na renovada teoria da interpretação jurídica com fins aplicativos, o que nos remete prontamente ao reconhecimento do valor normativo dos princípios, das normas constitucionais, e, principalmente para supremacia do texto constitucional a requer vigilante controle de constitucionalidade.

 

Deve-se romper com o velho paradigma que informava que o jaez constitucional tinha como exclusivo destinatário o legislador ordinário.

 

Pois a normatividade constitucional se dirige a todos os sujeitos de direito, em especial, aos cidadãos. E não representa a normatividade constitucional apenas impor os limites e impedimentos à lei ordinária e nem erigir simples suportes hermenêuticos para o ordenamento jurídico.

 

A normatividade constitucional além de indicar os fundamentos e suas justificações para reger os valores interdisciplinares presentes tanto nas instituições jurídicos quanto nos institutos jurídicos.

 

A revisão dos institutos do direito civil feito à luz da constituição abarca ambiguidade, posto que destaque o objeto da interpretação com fins aplicativos na ordem infraconstitucional mas também servirá de meio interpretativo das disposições infraconstitucionais que deverão ser integradas às normas constitucionais.

 

Servindo uns em função dos outros e vice-versa, coordenados pela combinação de normas elaborando uma hermenêutica de mão dupla e precursora de grandes ambiguidades e reflexões.

 

A odiosa fragmentação do saber jurídico e a artificial divisão do direito em ramos e especializações tenta fechar o juristas em seu microssistema composto de ferramentas técnica-setoriais que operam de forma acrítica e insensível não logrando êxito de ser um projeto voltado para a sociedade e permanece indiferente ao embate dos grupos de poder e os grupos de pressão.

 

Não foi a indiferença que ajudou ao Direito enquanto ciência e técnica e o fez garantir conquistas como a cidadania, a democracia, o respeito à dignidade humana e o Estado Democrático de Direito.

 

O pluralismo das fontes de direito emanado da concepção estatal contemporânea traduza a relevância normativa e a necessidade do controle de legitimidade e reforça a necessária distinção entre validade, legalidade e eficácia.

 

Assim, o princípio da legalidade constitucional configura a garantia de sujeição aos valores fundamentais do ordenamento jurídico, inserindo o controle da legitimidade da lei, não só em seu aspecto procedimental (ou o iter formativo de lei) mas principalmente em razão do conteúdo da lei.

 

O controle da lei é, sobretudo, o controle da legitimidade constitucional e não atinge apenas a lei, mas também os atos e as atividades que são expressões da autonomia individual, coletiva e da discricionariedade administrativa.

 

Portanto, as autonomias e mesmo a singular liberdade representada pela iniciativa econômica privada e mercantil não escapam ao controle de merecimento diante dos valores constitucionais.

 

Neste contexto, a função e a destinação dos atos e institutos jurídicos assumem peculiar valor decisivo em razão ao seu conceito estrutural. A redimensão da iniciativa econômica não pode deixar de ter utilidade social que deve ser exercida de forma que não cause dano à segurança, à liberdade e à dignidade humana.

 

O direito civil constitucional representa a superação da interpretação formalista tão-somente fundamentada no mecanismo lógico-teórico da subsunção do fato concreto à norma jurídica abstrata; a proposta contemporânea de interpretação das disposições normativas enfatiza a hierarquia das fontes e dos valores dentro de uma acepção sistemática e lógica.

 

Desta forma, é possível formular os seguintes questionamentos:

- O que é mais importante: a livre iniciativa ou a preservação do meio ambiente?

- O que é mais relevante: o direito à privacidade ou intimidade ou o direito à identidade e à paternidade, direito ao nome?

- O que é mais valioso: o equilíbrio da base objetiva do negócio jurídico ou apenas ser fiel à literalidade da avença apesar de não obedecer aos rebus sic stantibus?

 

É impossível manter divorciada a teoria da interpretação das leis ordinárias da teoria da interpretação das normas constitucionais. O principal cânone sistemático exige que o ordenamento seja interpretado em sua unidade; ao passo que o cânone axiológico pressupõe que os valores constitucionais, comunitários e atualizem cada uma das normas ou conjunto de normas que devem ser lidas e interpretadas sempre, mesmo que aparentemente claras.

 

Desta forma, o intérprete realiza o controle obrigatório da legitimidade constitucional de qualquer disposição, seja a mais recente, seja antiga e que seja aplicada ao caso concreto pelo juiz.

 

A clareza da norma em verdade, é uma eventual posterius, e não um prius da interpretação. A norma clara ou obscura deve estar em conformidade com os princípios e valores do ordenamento e deve resultar de regular procedimento argumentativo não somente lógico, mas sobretudo axiologicamente de acordo com as escolhas de fundo do ordenamento.

 

Para cumprir essa finalidade é necessário:

a) A interpretação do fato e da lei e ainda a qualificação normativa do fato configuram um processo unitário e não divisível, onde o problema concreto e o sistema do ordenamento são indissolúveis e compreensíveis, não em fases distintas, mas unitariamente;

b) Conscientizar que o controle de conformidade da lei à Constituição é uma constante de qualquer interpretação para fins aplicativos que procure individualizar uma questão de fato, em um caso concreto, a solução não poderá ser coerente, adequada e razoável e então correspondente à tábua de valores normativos relevantes, presentes na Constituição.

 

Uma lei clara em seu texto ou dura em sua aplicação, que esteja em contraste com os princípios normativos da Constituição, é ilegítima, teria uma ratio inconstitucional e não integrativa à legalidade constitucional a que o intérprete está vinculado.

 

Precisamos adequar as técnicas e as noções aos valores principais evitando aceitar tão passivamente como válidas as práxis oficiais e as interpretações correntes.

 

A legalidade quanto mais seja portadora de maior e mais qualificada promoção e tutela da pessoa humana, e suas exigências endossarão no parâmetro hermenêutico o privilégio dos valores-guias da Constituição, assumindo pela historicidade e pela totalidade da experiência promovendo um justo equilíbrio entre o “dever-ser” e o ser, sabendo colher a natureza desses interesses e desses valores em conflito, ponderando-os em relação ao caso concreto segundo a axiologia constitucional e pronto a reconhecer nos aspectos valorativos de descontinuidade, o respeito à tradição, aos fatores, a um só tempo, de promoção e garantia do pacto constitucional.

 

Atentar para os critérios hermenêuticos inovadores e dos valores, da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação, da subsidiariedade, recuperando a factividade para a juridicidade.

 

A solução do caso concreto é procurada necessariamente na totalidade do ordenamento jurídico sem violentar as peculiaridades dos fatos, propondo o conhecimento da norma como fator decisivo para individualização normativa.

 

É preciso formar uma classe de jurista adequadamente preparada e capaz de construir uma jurisprudência avaliativa atenta às consequências das decisões. E que contribua para edificar a justiça segundo os valores da constituição, concretizados no impacto com a totalidade da experiência cultural como historicamente se determinar e se evolui.

 

Segundo o neoconstitucionalismo é pungente o reconhecimento dos tratados internacionais que se refiram à pessoa humana e seus direitos fundamentais como valores conquistados em múltiplas formas.

 

No centro dos sistemas jurídicos contemporâneos, alvo dos documentos jurídicos e normativos como são as constituições que correspondem às cartas principiológicas de conteúdo ético, mas devem ser evolutivamente interpretados de acordo com a modificação dos valores ético-políticos da comunidade a que a constituição se refere.

 

O primado dos valores da pessoa humana e de seus direitos fundamentais exclui do direito civil a concepção patrimonialista fundada ora na centralidade da propriedade privada, ora sobre a noção de empresa.

 

Caio Mário da Silva Pereira ao receber merecidamente da Universidade de Coimbra o título de honoris causa, em 1999,afirmou que "é tempo de se reconhecer que a posição ocupada pelos princípios gerais de direito passou a ser preenchida pelas normas constitucionais, notadamente, pelos direitos fundamentais. Tal proposta consolidou em nossa doutrina "um direito civil constitucional" reconhecido definitivamente, nos meios acadêmicos e pelos tribunais".

 

O direito civil constitucional seguindo o constitucionalismo contemporâneo reconhece que a forte ideia de sistema não se refere somente ao mercado, mas numa perspectiva de despatrimonializar o direito.

 

A supremacia do direito e da política sobre o mercado e sobre a economia representa a epifania do direito civil constitucional que prega a superação da separação do direito privado e do direito público.

 

Realiza a concretização da ordem constitucional como sistema aberto também a internacionalização das relações civis, mas sob o controle vigiado e atento que não invalida a atuação dos direitos humanos democraticamente colocados no centro do pacto de convivência.

 

A contraposição “público-privado” se enfraqueceu e determinou nova composição de institutos e das instituições reavivados pela igualdade e, sobretudo, pela solidariedade como função primária do Estado contemporâneo.

 

Nos ordenamentos jurídicos onde o controle de constitucionalidade de um ato com força de lei é proposto perante a Corte Constitucional na via incidental da parte do juiz comum, é indispensável que o papel do julgador mude.

 

Dele se espera que diante de incompatibilidade absoluta e insanável, ou seja, na identificação de antinomia insuperável, perceba uma não-conformidade que pode ser superada por uma completa coordenação, desenvolvendo um controle difuso que se alie ao controle concentrado na Corte Constitucional.

 

Assim o juiz comum é convocado a ter uma linha interpretativa mais aprofundada sobre as questões constitucionais sem remetê-las ao STF, e promovendo a “conformação” do texto legislativo às normas constitucionais.

 

Em síntese, para solucionar o caso concreto a norma constitucional é utilizada, de toda maneira, seja na aplicação combinada com a legislação ordinária específica, ou as cláusulas gerais ou princípios gerais do direito, seja na aplicação direta.

 

Ao civilista se impõe um vasto e denso programa de estudo para melhor compreender o sistema do direito civil harmonizado com os valores constitucionais, sobretudo, o valor da pessoa humana, redefinindo os fundamentos, as rationes e extensões dos institutos jurídicos, resultando-lhes perfis funcionais.

 

O direito civil constitucional promove o encontro do direito com a justiça numa perspectiva ética e filosófica promovendo a leitura hermenêutica da Constituição, o que Dworkin afirmou ser também da moral.

 

Além dos civilistas, os constitucionalistas também se interessaram pelo fenômeno, refletindo sobre o impacto dessa inserção das relações civis no direito constitucional, ao ponto de J. J. Gomes Canotilho indagar se o processo não é inverso, ou seja, da civilização do direito constitucional.

 

A utilidade da filosofia do direito se mostra para reviver e construir adaptações do tempo decorrido através das decisões e, ainda, promover adequações necessárias mas sínteses conflitantes de conhecimentos, valores, símbolos produzidos e utilizados pelo homem dentro dos horizontes culturais e ideais que se renovam sempre de forma diacrônica e sincrônica, no norte e no sul do mundo na multiplicidade orgânica dos ordenamentos jurídicos.

 

Há, portanto, três superações do Direito Civil Constitucional brasileiro que destaco pontualmente:

 

- a superação do monismo das fontes de direito, pois não é somente a lei a única fonte do direito;

- a superação da rigidez literal da hermenêutica, da significação monolítica dos institutos e figuras jurídicas fundantes das relações sociais, como o contrato, a família e a propriedade.

 

O método de elastério dialético é assentado na crítica e na permanente construção dos sentidos atribuíveis ao campo jurídico.

 

Particularmente após o Código Civil Brasileiro de 2002 que só entrou em vigência em 2003 é idôneo e legítimo que sob o pensamento crítico sejam trazidos novos desafios e perspectivas.

 

Efetivando também a pedagogia dialógica para o ensino jurídico brasileiro incluindo além da reflexão objetiva a crítica aperfeiçoadora com reedificação da cidadania, e um sólido Estado Democrático de Direito.

 

As premissas do Direito Civil contemporâneo revitalizam seus principais institutos, o contrato, a propriedade, a família, a responsabilidade civil e até a empresa outorgando-lhes a função social, nas três dimensões( existência, validade e eficácia) emancipando o Direito numa tríplice constitucionalização (formal, material e prospectiva).

 

O desafio enfim é apreender a possibilidade de constitucionalização como ação contínua e permanente viabilizando na força criativa dos fatos sociais que se projetam para o Direito na doutrina, na legislação e na jurisprudência.

 

Construindo uma permanente e renovada resposta quando questionamos: para que serve e a quem serve o Direito?

 

Uma resposta para enfim encontrar uma sociedade mais justa, solidária e fundada na igualdade material na superação dos dogmatismos conceituais e da rigidez dos códigos e que consiga a efetiva tutela dos direitos fundamentais.

 

A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro tomou corpo principalmente a partir da última década do século XX, entre os juristas preocupados com a revitalização do direito civil e sua adequação aos valores constitucionais de 1988.

 

A insuficiência da codificação e a complexidade da vida contemporânea fizeram surgir diversos microssistemas jurídicos pluridisciplinares, como o direito do consumidor, o direito ambiental, os direitos da criança e dos adolescentes e do idoso.

 

Os trabalhos e pesquisas produzidas em diversos centro de estudos do país, notadamente nos programas de pós-graduação rapidamente repercutiram na jurisprudência dos tribunais, com resultados valiosos.

 

O distanciamento do direito civil e da codificação brasileira da realidade social demonstrou o anacronismo do Estado Liberal e o exacerbado individualismo e, ainda, a pertinência do Estado social fundado em constituições democráticas cuja característica principal é incorporar as relações privadas à índole dos valores constitucionais consagrados em 1988 na busca da justiça material.

 

De todos os ramos jurídicos são o direito civil e o direito constitucional os setores que mais dizem ao cotidiano da pessoa humana e de cada solidão.

 

É importante salientar que o fenômeno da constitucionalização dos direitos não se confunde com que no Brasil se denominou de publicização. Esta é entendida como supressão de matérias tradicionais do direito privado transladadas para o âmbito do direito público.

 

A vetusta dicotomia direito público e direito privado tem sido objeto de críticas que prognosticaram seu desaparecimento, mas permanece exercendo função prestante de classificação prática das matérias.

 

Não é a cogência da norma ou o maior grau de intervenção legislativa que torna pública uma relação, pois é justamente da natureza do Estado social essas características.

 

A falta ou substancial redução de autonomia, a exemplo do direito de família ou do direito do consumidor, não torna pública a relação entre privados que continua assim.

 

O critério do interesse também perdeu consistência, uma vez que há interesse público na regulação das relações privadas materialmente desiguais, quando uma das partes é considerada juridicamente vulnerável, o que no Estado Liberal era considerado domínio exclusivo do mercado ou da vida privada.

 

Portanto, é pública a relação jurídica na qual a desigualdade é predeterminada pelo necessário império do Estado de um lado, e da submissão do cidadão, no outro (direito financeiro, direito administrativo, direito penal, direito processual etc).

 

Mas é conveniente frisar que as relações entre familiares e seus parentes, entre contratantes, entre o proprietário e o alter, entre o causador do dano e sua vítima, entre herdeiros, enfim por mais constitucionalizadas que sejam, não perdem sua natureza estritamente civil.

 

Enfim, concluíram os civilistas que a elevação dos fundamentos do direito civil ao status constitucional foi uma deliberada escolha axiológica da sociedade, sendo indispensável para a consolidação do Estado democrático e Social de Direito e da consequente promoção da justiça social e da solidariedade.

 

É essencial a insuperável atuação do Estado para fazer prevalecer o interesse coletivo, e evitar os abusos e garantir o espaço público de afirmação da dignidade humana.

 

Nem mesmo o neoliberalismo e a globalização econômica que agitou o último quartel do século XX, abalou os alicerces do Estado Social, permanecendo cada vez mais forte a necessidade da ordem econômica e social, inclusive com o advento de direitos tutelares de novas dimensões da cidadania, a exemplo da legislação de proteção do consumidor.

 

Por essa razão, a Constituição, além de ser a norma hierarquicamente superior a todas as outras, determinante do sentido do ordenamento jurídico, absorveu de fato os valores que a sociedade conseguiu veicular para servir de fundamento ou base à organização social. Esses valores foram vertidos em princípios ou regras que colorem o direito como um todo.

 

É imprescindível observar que o direito civil e direito constitucional não pode convir uma cisão entre dois hemisférios normativos que estão inexoravelmente interligados, seja o Código Civil velho ou novo.

 

Cabe ao intérprete assegurar a compatibilidade de cada decisão, fundada em norma do Código Civil, com os princípios constitucionais, ainda que a estes não se refira expressamente. Cada interpretação é um microcosmo da imensa tarefa de realização de uma sociedade livre, justa e solidária.

 

Finalmente o Código Civil cumprirá sua vocação de pacificação social se for efetivamente iluminado pelos valores maiores projetados nas normas constitucionais, notadamente nos princípios.

 

Concluímos que a constitucionalização fez emergir o problema da dimensão normativa dos princípios no sentido contrário da tradição romano-germânica que se construiu na valorização da legalidade estrita.

 

A constitucionalização do direito civil trouxe a superação da tradição que tanto privilegiou a conduta hermenêutica simplificada da subsunção dos fatos à hipótese normativa, dentro de estrutura deôntica rígida.

 

Então, finalmente o Código Civil Brasileiro de 2002 rendeu-se aos princípios constitucionais compatibilizando-se com o Estado Social. E a irretorquível prova dessa mudança de paradigma foi a introdução principiológica do direito contratual que reconhecidamente é a parte que melhor exprime a liberdade e autonomia das pessoas, e, consequentemente, a mais refratária às considerações de interesses sociais.

 

O art. 421 do C.C. certamente é o mais relevante e que imprimiu ao contrato a função social, e não apenas a função autorreguladora dos interesses individuais dos contratantes e significou profundo redirecionamento da aplicação do direito civil.

 

Assim, apesar de garantida a liberdade contratual esta resta condicionada à realização da função social, que é um dos modos de concretização da justiça social e que deve permear toda atividade econômica (art. 170 da CF/1988).

 

É exatamente nesse contexto que surge a vinculação do direito civil contemporâneo, do constitucionalismo com as práticas das políticas públicas trazendo melhor avaliação qualitativa do momento econômico e o suporte para justificar o livre e pleno desenvolvimento da pessoa humana.

 

Muito obrigada a todos, em especial ao Dr. João Marcelo de Lima Assafim e toda equipe do Programa de Mestrado da UCAM.

domingo, 11 de novembro de 2012

O constitucionalismo do futuro

 

 

 

Saber qual movimento será o sucessor do neoconstitucionalismo implica em analisar as premissas básicas do atual constitucionalismo, sua institucionalização no direito positivo brasileiro e ainda suas aspirações mais ambiciosas apesar de profundamente carentes de realização.

 

O constitucionalismo ocidental vigente está muito próximo dos direitos e garantias fundamentais. Mais ganhou ênfase particularmente no pós-segunda guerra mundial e continuou a germinar mesmo durante a guerra fria e conflitos separatistas regionais, e ainda, diante do populismo latino-americano e do combate ao terror.

 

No campo político fortes influências foram atestadas como o globalismo ou globalização[1], o multiculturalismo e a maciça adesão dos blocos econômicos, a criação de tribunais internacionais de julgamento de crimes de guerra e contra a humanidade e atuação das Nações Unidas reforçaram o binômio constitucionalismo e garantias fundamentais.

 

No campo jurídico a Lei Fundamental de Bonn[2] então promulgada em 23 de maio de 1949 foi fundadora da República Federal da Alemanha[3], e constituiu um inovador paradigma quanto à noção de Estado Constitucional (onde se destacou a importância dada aos princípios e valores como elementares componentes dos sistemas jurídicos constitucionalizados); a utilização da ponderação como método interpretativo e de aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos entre valores e bens constitucionais; a visão da Constituição como norma irradiadora de efeitos para todo o ordenamento jurídico, condicionando toda atividade (tanto a jurídica como a política) dos poderes do Estado e até mesmo as relações entre particulares na esfera privada; o protagonismo do juiz em relação ao legislador na missão de interpretar a Constituição e a aceitação de relativa conexão entre o Direito e a Moral.

 

Ainda no campo jurídico identifica-se a crise do positivismo e a volta dos elementos metajurídicos bem como a ênfase ao sentido jurídico atribuído às Constituições. Os principais pontos do constitucionalismo de cada etapa evolutiva que fizeram desabrochar um pretenso constitucionalismo do futuro que deve corrigir os excessos e pecadilhos do neoconstitucionalismo.

 

Lenio Luiz Streck com razão aponta essa crise do positivismo e questiona veementemente o fato de se conceber um direito imune às influências metajurídicas em sua análise hermenêutica conforme previa o positivismo clássico. Estaria o direito blindado às influências dessa revolução paradigmática[4]? Seria mesmo possível haver um direito isolado das transformações da filosofia da linguagem[5]?

 

Numa acepção liberal destacou Konrad Hesse que a Constituição jurídica vem condicionada pela realidade histórica. A partir da correlação entre o ser e o dever ser derivando as possibilidades e os limites da força normativa de uma Constituição. Acertadamente Daniel Sarmento aponta três críticas ao neoconstitucionalismo: a) a ter pendor justicialista e antidemocrático; b) a preferência por princípios e ponderação em substituição à subsunção; c) a de gerar uma panconstitucionalização[6] do Direito em detrimento da autonomia política do cidadão e da autonomia privada do indivíduo.

 

Numa força reativa contra os movimentos absolutistas do período medieval e como origem da concretização futura dos Estados Nacionais, surgiu o constitucionalismo em oposição à justificação divina e/ou imperativa do monarca, preocupado em impor limitação ao poder, mas também seus desdobramentos negativos como o autoritarismo e a censura.

 

Apesar das diversas fases pela qual o constitucionalismo passou sempre lhes foram características comuns, em maior ou menor grau de intensidade a limitação ao governo dos homens, a separação de funções e a garantia de direitos. Portanto, opôs-se ao governo arbitrário.

 

Joaquim José Gomes Canotilho defende um constitucionalismo uno, porém com diversos movimentos constitucionais em seu conteúdo: “Será preferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com corações nacionais, mas também com alguns elementos de aproximação entre si, fornecendo uma complexa tessitura histórico-cultural.” O Estado e o constitucionalismo lastreiam-se na garantia dos direitos fundamentais e na separação de poderes, compreendidos como identidade e rosto do Estado democrático de direito.

 

Logo na primeira fase, no constitucionalismo antigo, bem identificado Loewenstein entre os hebreus e nas Cidades-Estado gregas. E numa forma mais segura apesar de em moldes primários, o constitucionalismo ganhou notável força na Idade Média, com a Magna Carta de 1215 com a Petition of rights, de 1638, o Habeas Corpus Acta, de 1679 e o Bill of Rights[7], de 1689.

 

Mais tarde, com o constitucionalismo clássico ou liberal que se iniciou com a Constituição dos EUA em 1787[8] e com a Constituição francesa de 1791 (que vigeu apenas dois anos) e teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão[9], de 1789. Inaugurou-se a característica da rigidez constitucional, onde se defende a supremacia formal da Constituição, o que gera consequentemente o controle de constitucionalidade surgido em 1803, pela via difusa, no famosíssimo caso Marbury versus Marshall.

 

Juntamente com a tão propalada ideia de supremacia constitucional veio a atribuição ao Judiciário da missão de assegurá-la. É exatamente no constitucionalismo liberal que surge a primeira dimensão dos direitos fundamentais (valor igualdade[10]), feita no Brasil por Paulo Bonavides.

 

No pós-primeira grande guerra inicia-se a etapa menor, porém não sem importância, do movimento constitucionalista, é o constitucionalismo moderno ou social. Fruto do idealismo burguês, de caráter não intervencionista e exclusivista se revelou improfícuo em face das demandas sociais do período, o que levou à bancarrota o Estado Gendarme[11] e o constitucionalismo liberal, identificando-se a necessidade de uma onipresença estatal na vida cotidiana.

 

Nesse contexto existia uma Europa estava devastada por um primeiro conflito de caráter mundial, havia feridas abertas e não cicatrizadas embalsamadas pela paz aparente do Tratado de Versalhes, e o socialismo já soprava do vento leste. Nesse período histórico surge o positivismo jurídico em substituição ao jusnaturalismo do período anterior, divorciando direito e moral. Ademais é durante o constitucionalismo social que advém a segunda dimensão de direitos fundamentais, predominantemente individual ligada à igualdade, bem como as chamadas garantias institucionais.

 

Porém o constitucionalismo moderno pouco durou (indo do final da década de trinta ao primeiro lustro dos anos de 1940), quando se deu a ascensão das ditaduras democráticas, nazifascistas e mergulhou o mundo numa segunda grande guerra mundial. Onde se deparou com a lei que pode apenas servir de instrumento para ofender e violar a dignidade humana e transpor todos os limites civilizados de exercício de poder instituído.

 

Ao final do constitucionalismo moderno, veio então o constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo (ou ainda chamado de pós-positivismo[12]) que perdura até hoje.

 

É exatamente aqui que o discurso começa a ser no sentido de superar a dicotomia entre o direito natural e o direito positivo, equacionando os valores “justiça” e “segurança jurídica”, quando surge a terceira dimensão de direitos fundamentais ligada à fraternidade (predominantemente coletiva) e o Estado Democrático de Direito.

 

Sobre o neoconstitucionalismo há muita influência da normatividade da Constituição cujo expoente maior é Konrad Hesse[13] explicando através da normatividade, subtrai-se o viés preeminentemente político de um texto supremo para atribuir-lhe sentido jurídico confirmando a tendência já iniciada já no constitucionalismo clássico.

 

Com isso, solidifica-se a ideia de superioridade constitucional[14], a ideia de constitucionalização do direito, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, o fortalecimento do Poder Judiciário (cogita-se em judicialização da política).

 

Neste período, é nítida a influência das Constituições Mexicana, de 1917, e da República de Weimar[15], de 1919, bem como a ameaça da bem sucedida Revolução Bolchevique, de 1919, o que fez direitos sociais passassem a ser previstos nos textos constitucionais ocidentais muito mais por termos à “cortina de ferro”, que por benevolência propriamente dita.

 

O constitucionalismo do futuro consiste numa projeção do que haveria depois do neoconstitucionalismo, e segundo José Roberto Dromi[16], jurista argentino, que prevê um equilíbrio entre os atributos do constitucionalismo moderno e os excessos do neoconstitucionalismo.

 

Para Dromi, as Constituições do futuro teriam sete valores fundamentais supremos: verdade, solidariedade, consenso, continuidade, participação da sociedade na política, integração, universalização dos direitos fundamentais para todos os povos do mundo.

 

Pedro Lenza aponta que o constitucionalismo do futuro virá consolidar os chamados direitos humanos de terceira dimensão, incorporando à ideia de constitucionalismo social os valores de fraternidade e solidariedade[17], avançando e estabelecendo o equilíbrio entre o constitucionalismo moderno e alguns excesso do contemporâneo (...). A constituição não pode mais gerar falsas expectativas.

 

O constituinte só poderá prometer o que for viável de cumprir, devendo ser transparente e ético, a solidariedade revela-se em ser a nova perspectiva de igualdade, sedimentando entre os povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social; a constituição do futuro deverá ser fruto do consenso democrático, ao se reformar a constituição, a ruptura não pode deixar de considerar os avanços conquistados; deverá incentivar a efetiva participação dos corpos intermediários da sociedade, firmando a ideia de democracia participativa e de Estado Democrático de Direito[18].

 

A integração espiritual, moral, ética e institucional entre os povos proposta pelos órgãos supranacionais, a tendência da universalização refere-se à consagração dos direitos fundamentais internacionais nas constituições futuras, fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana de maneira universal e afastando, assim, qualquer forma de desumanização.

 

A preocupação com a verdade se impõe na medida da Constituição exibir promessas factíveis pelo Constituinte. De nada adianta extenso protecionismo, mas destituído de razoável exequibilidade. O texto constitucional não pode ser mera carta de intensões, sem fundamento ou cientificidade.

 

Em suma, cada Estado tem a Constituição que pode ter, isto é, respeitadas regras mínimas e suficientes de previsão de direitos fundamentais, em todas as suas subespécies (direitos individuais, direitos sociais, direitos políticos, etc.) ficaria o constituinte impedido de enganar o povo.

 

Esposando entendimento diferente, André Ramos Tavares aduz que a verdade significa o constitucionalismo da verdade, onde existem duas categorias de normas a serem analisadas. Uma parcela, que é constituída de normas que jamais possam ser programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; e outra sorte de normas que não são implementadas por simples falta de motivação política dos administradores e governantes responsáveis (é a chamada falta de vontade política).

 

As primeiras normas deveriam ser erradicadas dos textos constitucionais, podendo, no máximo, figurar como objetivos a serem alcançados em longo prazo, e não como declarações de realidades[19] utópicas, como se bastasse a mera declaração jurídica para transformar-se o ferro em ouro.

 

As segundas normas precisam ser cobradas do Poder Público com maior força, o que envolve, em muitos casos, a participação da sociedade na gestão das políticas e verbas públicas, e a atuação de organismos de controle e cobrança, como o Ministério Público, na preservação da ordem jurídica e consecução do interesse público vertido nas cláusulas constitucionais.

 

Opondo-se diametralmente se posiciona Andreas Joachim Krell[20] que explica: “Segundo o Tribunal Constitucional Federal de Alemanha, esses direitos a prestações positivas (Teilhaberechte) estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional[21], pode esperar a sociedade”. Essa teoria impossibilita exigências acima de certo limite básico social; a Corte recusou a tese de que o Estado seria obrigado a criar quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para tender a todos candidatos (...) Desta forma, o condicionamento da realização de direitos econômicos, sociais e culturais à existência de caixas cheios do Estado significa reduzir a sua eficácia sua zero; a subordinação aos condicionantes econômicos relativiza sua universalidade, condenando-os a serem considerados direitos de segunda categoria.” “Num país com um dos piores quadros de distribuição de renda do mundo, o conceito da redistribuição (Umverteilung) de recursos ganha uma dimensão completamente diferente”.

 

Quanto ao valor solidariedade sendo valor elencado por Dromi extrai-se triplo significado, a saber: a) o de solidariedade entre os povos; segundo, o de necessidade de implementação expressa desta dimensão fraternitária de direitos fundamentais nas Constituições ocidentais afora, algo que poucos textos fazem explicitamente.

 

A Constituição brasileira[22] vigente não consagra diretamente o princípio da solidariedade, porém aponta em seu art. 3º “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e também é mais direta quando os valores referentes à igualdade e a liberdade promovidas à categoria fundamental de direitos.

 

Noutro enfoque, a solidariedade pode ser vista como um clamor aos tempos, de cooperação e tolerância, bem como a redução das desigualdades étnicas, religiosas, raciais e regionais, almejando uma sociedade independente de ideologia, regida e guiada pela mesma bússola: - a Constituição.

 

Desta forma, as constituições deixariam o equalizador de igualdade entre diferentes filosofias e muita preocupadas com as minorias.

 

Com relação ao consenso que reserva grande vinculação com a solidariedade e atua na elaboração de leis, decretos e principalmente das constituições. O consenso é operacional posto que a diversidade de argumentos e ideologias faz surgir a impossibilidade de decisão unânime. É uma consequência do pluralismo político, e o consenso se revela na capacidade de fazer valer aquilo que um grupo, não necessariamente uma maioria decidiu, sem que haja grandes rupturas neste processo decisório.

 

Frise-se que consenso[23] não significa maioria e, pressupõe a manutenção da ordem democrática, com a adesão solidária da parte que consentiu, em prol de um interesse maior.

 

A continuidade deve ser analisada em dois aspectos distintos: na necessidade de uma constituição respeitar a história de seu país. Principalmente por ser a constituição o estatuto vigente da nação, mas não implica no surgimento desta, salvo se na condição de Constituições históricas[24].

 

A Magna Carta é capaz de definir as múltiplas diretrizes para o povo que tutela, mas respeitando sua história, dando unidade e prosperidade pelas lutas já creditadas, representa pois a continuidade de um ciclo evolutivo de um país, E, também pode a continuidade ser entendida como a escala de desenvolvimento de um povo. De sorte, que não parte a constituição de uma folha em branco, mas dos direitos já consagrados hoje, buscando sempre aperfeiçoá-los.

 

Deve-se enfim privilegiar a continuidade, vez que qualquer ruptura profunda a um ordenamento, ou a excessiva alteração a uma Constituição, pode constituir alto pernicioso, violador desta característica. Obviamente é perigoso conceber constituições que produzam uma ruptura da lógica dos antecedentes, uma descontinuidade com todo o sistema precedente.

 

A integração consiste na comunhão entre os povos, por meio de políticas e órgãos transnacionais. Promovendo-se o encurtamento entre as distâncias provocadas pelo desenvolvimento das telecomunicações e dos meios de transporte, bem como do respeito para com o estrangeiro em prol da reciprocidade, tal característica representa o rompimento dos feudos, a que resumiram alguns povos nos últimos tempos, para disponibilizá-los outros pontos de vista, desde que respeitada sua identidade e cultura embrionária.

 

A derradeira característica é a universalização dos direitos fundamentais para todos os povos do mundo. Seria a busca de fórmula fundamental com a dignidade da pessoa humana como denominador comum que pudesse ser aplicada em qualquer parte do mundo, seja em país desenvolvido ou subdesenvolvido.

 

As sete características fundamentais do constitucionalismo do futuro espera-se que não seja utópico, ou seria mera repetição dos institutos já outrora desenvolvidos nas outras etapas do constitucionalismo.

 

A mais saudável opinião é a que entende que não existe um constitucionalismo[25] do futuro. Sobre a verdade é fato que se mostra como medida salutar e não apenas assumida pelo constituinte, de compromissos desprovidos de concretude.

 

Superada a inicial euforia da reabertura política e da incipiente democracia brasileira, quando a concepção Welfare-state ecoou incondicionadamente pela doutrina constitucional, cogita-se que as funções estatais começaram a frear quanto à possibilidade de atingimento irrestrito de pessoas.

 

Já é farto o registro jurisprudencial assinalando a incapacidade do Estado em atender plenamente a todas as necessidades assumidas constitucionalmente. Há questões envolvendo internações hospitalares, o abarrotamento do sistema prisional, o fornecimento de medicamentos e a busca de critérios pelo STF mediante a utilização de audiências públicas. Então é verdade que o Estado não é onipresente o bastante como um dia pensou o bem-social social.

 

No que se refere à solidariedade e à integração entre os povos, tais características talvez pudessem melhor servir como norte para espaços ideologicamente delimitados pelo ódio entre extremistas e conservadores mais radicais (entre os xiitas e sunitas, entre israelenses e palestinos, indianos e paquistaneses e, etc.). A miscigenada identidade brasileira não se revela perfeita, porém não chega a ser um problema em nível de beligerância ou de guerra civil interna.

 

Sobre a integração, cabe sublinhar que já se adota uma política diplomática do diálogo, que permite à Nação negociar, ao mesmo tempo em que permite um relacionamento pacífico com os vizinhos latino-americanos, bem como ocupar a posição de destaque e liderança no Mercosul.

 

O que confirma que a solidariedade num país como o Brasil, jamais poderia ser dispensada, obviamente, mas que não constitui extrema urgência sua explícita previsão no ordenamento pátrio como necessidade de diminuir discrepância.

 

Quanto ao consenso, sabe-se que as constituições ocidentais deixaram de ser sinônimo da aprovação da maioria. E vieram representar a transição do viés político peculiar do pós-guerra. Até porque perpetuaria a maioria no poder, no esmagamento das minorias, e o impedimento de ascensão destas últimas a um nível de maior influência na tomada de decisões político-administrativas pátrias.

 

Atualmente, uma Constituição pode representar tanto uma vontade da maioria, como uma vontade da minoria, assim como pode vetar tanto a maioria como a minoria. Conclui-se que o consenso é uma premissa do futuro, se este pressuposto está em plena e atual aplicabilidade.

 

Quanto à continuidade, reconhece-se que as sucessivas alterações constitucionais não são hábeis a traduzir a tranquilidade da tutela constitucional. E, mesmo apesar da pretensa rigidez constitucional, da exigência de quórum qualificado para emenda constitucional, já contamos com setenta emendas constitucionais (sendo a última aprovada em 30.03.2012).

 

Não que algumas dessas emendas não fossem necessárias, mas produz fatidicamente a diluição paulatina do Poder Constituinte originário, retirando-se igualmente a identidade inicialmente atribuída por uma constituição do país.

 

Também não é o caso de se defender cegamente o interpretativismo originalista, ou a estrutura original da constituição[26], mas ainda cotejando a continuidade que denota a necessária ampliação contínua de direitos e garantias fundamentais, sobretudo os sociais, com o mínimo possível de involuções e retrocessos, também já encontra implementada no constitucionalismo atual, na forma da proibição do retrocesso.

 

J.J. Gomes Canotilho afirma: “Os direitos econômicos, sociais, culturais, garantidos por normas de escalão constitucional, dispõem de vinculatividade normativa geral. (...)” Implicam, genericamente na proibição do retrocesso social, querendo assim proteger as já consagradas prestações sociais, o legislador não pode depois eliminá-las sem alternativas ou compensações.

 

No referente à participação da sociedade na vida política, no Brasil observa-se o assento eclético no Conselho Nacional de Justiça principalmente com a EC 45/2004, de instrumentos de vontade popular como plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (art. 14, I, II e III da CF/1988), além dos writs como mandado de segurança, mandado de injunção, o habeas data e a ação popular.

 

A derradeira premissa apontada por Dromi, a universalização dos direitos fundamentais para todos os povos do mundo, o jurista argentino enfocou particularmente as constituições ocidentais e não do mundo todo, dividindo temerariamente o mundo por mero meridiano, e resguardando as características do constitucionalismo exclusivamente ao oeste.

 

Convém salientar que também nos países do common law e mesmo do civil law franco-romano-germânico houve nítida evolução do constitucionalismo[27]. Mas é óbvia a impossibilidade de se adotar uma constituição mundial eivada de completude essencial, bem como infinita gama de direitos fundamentais e dotada de inviável aplicabilidade.

 

Os direitos fundamentais em sua essência como podem ser resguardados diante da China poluidora, da Coréia do Norte que não respeita o direito de expressão, a Cuba que não respeita o direito de ir e vir, a explícita poligamia árabe e as mais variadas penas de morte. E, ainda, como defendê-los diante da ainda praticante inferiorização da mulher, das crianças renegadas a mera condição de objeto. Como restaria incólume o princípio da igualdade?[28]

 

Conclui-se então que um único modelo constitucional sob o espectro da universalização dos direitos fundamentais parece ser utópico e distante posto que inaplicável.

 

Sem dúvida o constitucionalismo possui relevância dentro do processo civilizatório, principalmente ao cumprir sua missão de limitar o poder do monarca, para edificar a separação das funções estatais, bem como para assegurar a previsão e, sobretudo construir a concretude de direitos. Sendo assim, pode se cogitar num constitucionalismo uno, cujas camadas evolutivas foram sobrepujando-se uma às outras, até o momento atual, o neoconstitucional.

 

Referências

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LAZARI, Rafael José Nadim de. Reflexões críticas sobre a viabilidade de um “constitucionalismo do futuro” no Brasil: exegese valorativa. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia. Curitiba, v.9, n.9, p.91-112, jan/jun. 2011.

MAULAZ, Ralph Batista de. Os paradigmas do Estado de Direito. O Estado Liberal, o Estado Social (socialista) e o Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2628, 11 set.2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/17368. Acesso em: 10 nov. 2012.

CANOTILHO, José Joaquim; ORIONE, Marcus Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Editora Almedina, 2006.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. – 15 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 19 ed. – São Paulo: Atlas, 2006.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª. ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2012.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. – 3 ed. – São Paulo: Saraiva, 2006.


[1] A globalização resvala em ser o mesmo velho imperialismo que existe desde os romanos. E, o imperialismo colonizou, matou, trucidou e agenciou genocídios de indígenas, negros e demais colonizados, e atualmente mata dotado de novas armas. O selvagem de antes é hoje o excluído social. O liberalismo reeditou sobre os mais frágeis, principalmente os mais fracos economicamente, que se se tornaram neoescravos, sem direitos e sem razões que a razão do mais forte não possa comprar, leiloar seguindo a percentagem de lucro que melhor lhe aprouver.

[2] A elaboração da Carta Magna alemã foi autorizada pelos três Aliados ocidentais nos chamados "Documentos de Frankfurt", em julho de 1948. Esta Assembleia Constituinte, batizada de Conselho Parlamentar, foi formada por 65 representantes de assembleias estaduais da Alemanha Ocidental e cinco observadores enviados por Berlim. O conselho foi presidido por Konrad Adenauer, da União Democrata Cristã, que ainda em 1949 seria eleito primeiro chefe de governo alemão ocidental pós-guerra. A tarefa da Assembleia Constituinte era redigir uma Lei Fundamental com poderes de Constituição, mas que não tivesse caráter definitivo, para não ameaçar a almejada unificação alemã. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha havia sido dividida em duas, ocupadas por soviéticos e Aliados ocidentais. Em agosto de 1948, uma conferência havia definido as linhas gerais da Grundgesetz, prevendo os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. A tarefa dos parlamentares foi complementá-la com mecanismos que definissem todos os direitos civis e criassem os fundamentos jurídicos do país.

[3] Vital Moreira, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, destaca a importância das cartas magnas alemãs no contexto internacional: "Já a Constituição de Weimar, de 1919, serviu de modelo para as constituições entre as duas guerras. A esta se deve a constitucionalização dos direitos sociais e da economia".

A Constituição de Weimar pela primeira vez ensaiara um compromisso no sistema de governo parlamentar, com um presidente da República eleito diretamente, dotado de importantes poderes institucionais próprios. Mas algumas das suas soluções acabaram por favorecer a instabilidade política da República de Weimar e, mais tarde, a tomada do poder por Hitler.

[4] A dimensão pragmática revela-se como dimensão transcendental-hermenêutica do acordo mútuo e intersubjetivo quanto ao sentido, e compõe, com a dimensão do pré-entendimento semântico mediatizador das coisas (ou melhor, do mundo) - que se encontra acobertado pelo conceito designativo da linguagem, uma unidade dialética.

[5] De forma aguçada, poder-se-ia dizer que a “filosofia primeira ” não é mais a investigação da " natureza " ou " da essência " das " coisas" ou dos " entes " (ontologia), nem tampouco a reflexão sobre as noções ou conceitos da consciência ou da razão (epistemologia), mas sim a reflexão sobre o significado ou o sentido de manifestações linguísticas (análise da linguagem).Portanto, não se trata apenas de filosofia teórica mas também a filosofia prática - a ética como metaética, por exemplo, precisa mediatizar metodicamente por uma análise filosófica do uso da linguagem, e assim, pela própria filosofia da linguagem.

[6] A Constituição não forma apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser. Graças ao objetivo de eficácia, a Constituição procura colocar ordem e adaptação à realidade política e social.

[7] Sendo pactos voltados à proteção de direitos individuais, bem como os Forais ou Cartas de Franquia, que se diferenciavam dos pactos por admitir que os súditos participassem no governo local.·.

[8] Tiveram os EUA a primazia da primeira Constituição escrita e solenemente ratificada, dotada de conteúdo sintético composto de sete artigos, aos quais se somaram as dez emendas conhecidas como Bill of Rights, aprovadas em 1791, tendo sido o ponto de partida de uma longa trajetória de sucesso institucional, fundada na efetiva separação dos poderes e num modelo triplamente original: republicano, federativo e presidencialista.

[9] Na dicção do art. 16, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, segundo a qual toute societé dans laquelle la garantie des droits n’est pas assurée, ni la séparation des pouvoirs determinée n’a point de constitution . (qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição).

[10] Se a liberdade (especialmente a individual) marcou o primeiro momento histórico moderno da conquista dos direitos fundamentais (dominando a própria concepção dos direitos de primeira dimensão) e a igualdade jurídica fecundou a segunda etapa (direitos de segunda dimensão), coube ao terceiro mote da trilogia revolucionária setecentista, refeito e rebatizado, assinalar a conquista dos direitos denominados de "terceira dimensão": a solidariedade social juridicamente concebida e exigida colore o constitucionalismo e tinge com novas tintas o princípio da dignidade humana. Agora, não mais apenas entre o homem e o Estado, ou entre o homem e o outro, mas, principalmente, o homem com o outro. Como direitos fundamentais da solidariedade social constitucionalmente positivada foram reconhecidos o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente saudável, à informação e comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

[11] A palavra "gendarmaria" tem origem no termo francês "gendarmerie", o qual deriva do termo "gendarme". Por sua vez, "gendarme" tem origem no francês antigo "gens d'armes", significando "homens de armas". Historicamente, o termo "homem de armas" referia-se a um cavaleiro dotado de armadura pesada, normalmente de origem nobre, que servia nos exércitos europeus da Idade Média. O termo ganhou conotações policiais no âmbito da Revolução Francesa, altura em que a anterior Maréchaussée (literalmente "marechalato") do Antigo Regime foi reorganizada e redesignada "Gendarmerie". O conceito e a criação de uma gendarmaria nacional surgiram assim, na Revolução Francesa, em consequência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual se prescrevia que a segurança era um dos direitos "naturais e imprescindíveis" e que, para preservá-la, era necessária a constituição de uma força pública, em benefício de todos. A criação da gendarmaria francesa inspirou e serviu de modelo para a criação de instituições semelhantes em outros países, como foram os casos da Guarda Real da Polícia de Portugal (1801), da Marechaussee dos Países Baixos (1814), dos Carabinieri do Reino da Sardenha (1814), da Zhandarmov do Império Russo (1836), da Guardia Civil da Espanha (1844) e da Gendarmerie do Império Austro-Húngaro (1848).

[12] De certa forma, o pós-positivismo se apresenta como terceira via entre as concepções positivistas e jusnaturalistas. E, não concebe o Direito desvinculado da filosofia moral e da filosofia política. Contestando a separação entre o direito, moral e política, não chega negar a especificidade do objeto de cada um desses domínios, mas para reconhecer a impossibilidade de trata-los como espaços totalmente segmentados, que não se influenciam mutuamente.

[13] O debate acerca da força normativa da Constituição só chegou à América Latina, de maneira consistente, ao longo da década de 80, tendo enfrentado as resistências previsíveis, segundo Luís Roberto Barroso.

[14] Segundo José Afonso da Silva, é da rigidez que resulta a supremacia da Constituição. A rigidez também se relaciona com o fato de normas constitucionais serem mais estáveis e de duração mais longa, em contraposição com normas inferiores que podem ser mudadas mais frequente e rapidamente. E daí se conclui o porquê dela se posicionar no vértice da pirâmide do ordenamento jurídico. Outro aspecto da supremacia da constituição é traduzido em uma superlegalidade formal e material. Como superlegalidade formal, entende-se a Constituição como criadora das outras normas. A superlegalidade material faz a relação entre as normas e a Constituição, observando se as normas estão de acordo com a Constituição. Esses aspectos garantem o chamado controle de constitucionalidade, que tem como origem o direito norte-americano. Esse controle garante que normas inferiores as constitucionais não podem ir contra a elas, pois se não, são consideradas nulas. “Toda lei contrastante com a constituição é nula”-John Marshall.

[15] A Constituição de Weimar - 1919, (a qual influenciou a Constituição Brasileira de 1934).

[16] José Roberto Dromi é advogado argentino especializado em direito administrativo e político. Atuou como Ministro das obras Públicas e Serviços da Argentina, durante a presidência de Carlos Menem( 1989-1991).

[17] Cogita-se também conforme salienta André Ramos Tavares, de uma fase atual de constitucionalismo globalizado, onde se busca difundia o ideal de proteção aos direitos humanos em nível mundial. Com grande ênfase aos chamados direitos de terceira dimensão ou geração, como fraternidade e solidariedade. Assim incentiva a autodeterminação dos povos, o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente o aumento da qualidade de vida e, por fim, o reconhecimento e boa gestão do patrimônio cultural, histórico e artístico.

[18] Sem dúvida, a Constituição de 1988 inaugurou nova e importante fase do constitucionalismo e não apenas mais uma fase, mas principalmente por não encontrar paralelo no quadro anterior na experiência social e política. Conforme bem acentuou o saudoso Ulysses Guimarães, diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã... O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem casa, portanto sem cidadania.

[19] “Constituição real” e “Constituição jurídica” condicionam-se mutuamente, mas não dependem simplesmente uma da outra. A Constituição adquire força normativa conforme realiza sua pretensão de eficácia. Nesse contexto cabe analisar as possibilidades e limites de sua realização.

[20] É graduado em Ciências Jurídicas (Rechtswissenschaften) pela Freie Universität de Berlim (Alemanha - 1986), onde obteve também o seu título de Doutor em Direito (Doctor Juris - 1993). Atualmente é Professor Associado concursado de Direito Ambiental e Constitucional da Universidade Federal de Alagoas (UFAL, Maceió - desde 1995), onde leciona nos Cursos de Graduação e Mestrado em Direito; foi o primeiro Coordenador do Curso de Mestrado em Direito da UFAL (2004/06); em 2006, foi eleito Diretor da Faculdade de Direito da UFAL e reeleito em 2009. Desde 1996, é professor colaborador permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado/Doutorado) da Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Possui várias publicações (livros, capítulos, artigos) nas áreas temáticas do Direito Ambiental e Urbanístico, dos Direitos Fundamentais (sociais) e do Direito Constitucional (competências federativas) e Administrativo (discricionariedade, cooperação intergovernamental). Foi orientador de cerca de 70 dissertações de Mestrado e teses de Doutorado e ministrou aulas de pós-graduação e palestras em várias Instituições de Ensino Superior do Brasil. É pesquisador bolsista do CNPq (PQ - nível 1C) e representante da área do Direito (2010/13); além disso, consultor da CAPES, onde faz parte do Comitê de Avaliação na área do Direito. (Vide in: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4761514H6 )

[21] A racionalização do poder, ou seja, a tendência de incorporar nas novas Constituições elucubrações jurídicas prolongou de certo modo o constitucionalismo. De fato, a ideia de racionalizar a vida política já estava presente neste movimento, embora mais atenuada. Da mesma forma a pretensão de enquadrar pela lei inteiramente a vida política, que se desvenda pela racionalização, não passa de um exagero do desejo inerente ao constitucionalismo de se fixar por meio de regras escritas os lineamentos fundamentais da existência política.

[22] Destaca-se o Constitucionalismo Liberal, que exaltava valores como individualismo, absenteísmo estatal, valorização da propriedade privada e proteção ao indivíduo (tais valores muito influenciaram as constituições brasileiras de 1824 e 1891).··.

[23] Conceitualmente, um paradigma pode ser entendido como "consenso científico enraizado quanto às teorias, modelos e métodos de compreensão do mundo” Vide in MAULAZ, Ralph Batista. Os paradigmas do Estado de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2628, 11 set.2010.Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/17368/os-paradigmas-do-estado-de-direito#ixzz2BsJiWu1j

[24] Apesar de reconhecer o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, Hesse enfatiza o aspecto da vontade de Constituição. A Constituição transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se estiverem presentes, na consciência geral (especialmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional), não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição.

[25] Interessante lembrar a influência de alguns pensadores como Thomas Hobbes que escreveu “Leviatã” (assegurar a paz); John Locke que escreveu o “Tratado do Governo Civil (que trata dos direitos naturais); e, ainda, Jean-Jacques Rousseau que escreveu o “Contrato Social” (bem às vésperas da Revolução Francesa e que também tratava sobre os direitos naturais e a representação do povo pelos representantes do Estado). A necessidade de limitação do poder preconizada Montesquieu ( “Do Espírito das Leis”) através da separação dos poderes.

[26] O modelo constitucional norte-americano nesses últimos cinquenta anos, irradiou-se pelo mundo e tornou-se vitorioso em países da Europa, da América Latina, da Ásia e da África. Apesar de que em seu plano doméstico, nunca fora tão intensamente questionado. A esquerda critica a supremacia judicial e defende um constitucionalismo mais popular. A direito, em seu lastro conservador, defende mas nem sempre pratica a autocontenção judicial.

[27] Podemos sintetizar a evolução do constitucionalismo e suas dimensões, a saber: a primeira dimensão: clássico (liberal/individualista); a segunda dimensão: moderno (social/intervencionista); a terceira dimensão: global ou contemporâneo (direito comunitário/globalização).

[28] Colômbia, Cuba, Haiti e Venezuela desrespeitam os direitos humanos. Vide: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL15912-5602,00-COLOMBIA+CUBA+HAITI+E+VENEZUELA+DESRESPEITAM+DIREITOS+HUMANOS.html

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Coisa julgada contemporânea

Resumo:

A coisa julgada contemporânea não é mais aquela prevista originalmente pelo CPC de 1973, e nem ensinada pela tradição romanística-germânica. Para entendê-la, perpassamos por diversos doutrinadores que marcaram a evolução do instituto e debatemos sobre a relativização da coisa julgada e suas principais consequências para o processo civil contemporâneo.

Palavras-chave: Coisa julgada. Direito processual. Direito constitucional. Inconstitucionalidade. Processo contemporâneo.

Abstract

A contemporary res judicata is no longer that originally provided by the CPC in 1973, and not taught by romain-Germanic tradition. To understand it, pervading by several scholars that marked the evolution of the institute and discussed about the relativization of res judicata and its main consequences for the contemporary civil procedure.

Keywords: Res judicata. Procedural law. Constitutional law., Unconstitutional. Contemporary process.

I – Introdução

Tratar sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada principalmente por inconstitucionalidade e pelas variadas correntes doutrinárias existentes requer boa dose de reflexão.

Debates que envolvem o processo contemporâneo em seu trajeto evolutivo trazem a lume nova visão de conflito de interesses, de jurisdição e de decisão judicial calcada no julgamento.

Ademais, o certo desprestígio do julgamento[1] enquanto fenômeno jurídico-social deve-se as tendências relativizantes da coisa julgada, maculando sua definitividade e imutabilidade.

Não pode o aplicador de Direito restar afastado da presente evolução constante no texto constitucional bem como de seus princípios (sejam explícitos ou implícitos), dos desígnios da cidadania que tanto prestigiam o Estado Democrático de Direito que consagra valores primaciais como a dignidade humana, os valores sociais do trabalho, da moralidade, da legalidade, eticidade, eficiência, sociabilidade e operabilidade, entre tantos outros que formam e dão corpo ao direito contemporâneo.

É certo que no ordenamento jurídico brasileiro que os atos e decisões devem respeitar aos ditames constitucionais, exigência que não só é da segurança jurídica, mas também da manutenção e aperfeiçoamento constante do Estado Democrático de Direito tão bem esculpido pela vontade dos contribuintes posto que sejam delegados da vontade popular e a expressão da alma da nação.

Até mesmo o Poder Executivo no âmbito de sua competência tem o dever de atuar suas precípuas atribuições conforme os postulados e princípios explícitos ou implícitos da Constituição Federal Brasileira, caso contrário, receberão os efeitos do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, cabendo este afastar o ato ou decisão do mundo jurídico, se for chamado para tanto.

Nem o Poder Legislativo está imune ao controle de constitucionalidade, submetendo-se até as emendas constitucionais a esse mesmo controle, bem como as medidas provisórias emitidas pelo Executivo, e ainda, as leis delegadas, decretos legislativos e resoluções.

Convém ressaltar que também o Poder Judiciário submete-se ao controle de constitucionalidade, não vige, portanto, isenção desse controle posto que concebido justamente para bem caracterizar o regime democrático, como também não infringe o princípio da separação de poderes.

O controle de constitucionalidade dos atos administrativos, das leis e das decisões judiciais, por quaisquer meios processuais permitidos pela ordem legal instituída, não viola a separação de poderes, e sim, fortalece o princípio democrático representativo por garantir a vontade soberana do povo expressa no texto da Carta Maior e, ainda promove o efetivo e íntegro respeito aos seus ditames, dando unidade e harmonia a toda ordem jurídica pátria.

Nesse sentido, ao aplicar a lei ao caso concreto, encontrando o julgador o conflito entre a vontade do legislativo e a vontade do povo expressa num texto constitucional, deve promover hodiernamente um intrínseco controle de constitucionalidade.

Como o Poder Legislativo é atribuído pela Constituição, sendo um poder delegado que tenha se excedido, configurando que o mandatário não se manteve dentro da órbita do mandato conferido. O excesso, por conseguinte, é nulo e, é dever do tribunal reconhecer e dar efetividade ao texto constitucional tido como o direito primordial, recusando-se a executar o ato do Legislativo que assim o anular na prática.

Evidentemente é a evolução da democracia e o crescimento da confiança nos poderes da república que fazem com que a prática dos atos e decisões apresente-se em conformidade e sintonia com os ditames constitucionais.

É, pois inconcebível no Estado de Direito, permanecer a coisa julgada como dogma intangível mesmo quando em evidente contrariedade com os postulados, princípios e regras da Constituição Federal.

O que se espera do Poder Judiciário é a integral defesa da supremacia constitucional, e jamais a violação ao exarar suas decisões. A atividade jurisdicional deve, portanto, imprimir o grau máximo de segurança[2] jurídica e que se configura explicitamente quando revela em perfeita harmonia dos efeitos de seus julgados com as linhas-mestras delineadas pela Constituição vigente.

A principal bússola para o intérprete e aplicador de Direito é a força magnética da Constituição Federal que existe por originar-se do poder do povo, e nenhum outro poder está acima deste.

Ipso facto num Estado Democrático de Direito não há a realização plena dos ideais concebidos quando o Poder Judiciário, ao proferir suas decisões e julgamentos, pretender restar acima dos limites constitucionais vigentes.

Especialmente é do Poder Judiciário, a missão é fazer prevalecer a força da Constituição, endossada pelos os demais poderes, especialmente o Executivo e o Legislativo. Não se pode conceber a intangibilidade da coisa julgada para acatar-se o descumprimento da Constituição Federal.

As variadas manifestações doutrinárias sobre a flexibilização da coisa julgada e, ainda sobre a coisa julgada inconstitucional que se revela em afronta à moralidade privada e pública em seus efeitos vieram produzir inúmeras teorias umas a favor, da chamada relativização, enquanto outros, contrários.

A primeira teoria é de autoria de Carlos Valder Nascimento em sua obra “Por uma teoria da coisa julgada” onde examinou os seguintes assuntos: a) considerações propedêuticas acerca da coisa julgada inconstitucional; b) coisa julgada inconstitucional; c) panorama pós-moderno da legitimação normativa; d) valor justiça e controle dos atos públicos; e) escola clássica do positivismo; f) crise da teoria constitucional e a contribuição de John Rawls[3] e controle dos atos públicos; g) O Direito na ótica do pós-positivismo; h) pressupostos constitucionais e processuais da coisa julgada; i) a função jurisdicional e inconstitucionalidade dos atos públicos; j) a decisão judicial e seus fundamentos no plano da validade; k) contribuições ao estudo da coisa julgada inconstitucional; estudos doutrinários; l) dogmatismo e não-relativização da eficácia da coisa julgada inconstitucional; m) segurança jurídica; justiça da sentença e sentença inconstitucional; n) hermenêutica constitucional: ponderação de interesses, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e do fenômeno jurídico; o) instrumentos processuais de controle da decisão inconstitucional;[4]

Pode-se entender que o controle de constitucionalidade trata de analisar as atividades típicas dos Poderes do Estado, certo que todas são sujeitas ao controle da sociedade.

As regras atinentes à coisa julgada são regras no plano da legislação ordinária, que inclusive por expressa previsão constitucional, não podem contrariar ou promover modificações no referido instituto que tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas nos termos do Código de Processo Civil brasileiro.

Não existe nenhum choque entre o princípio de segurança jurídica e a aplicação dos demais princípios que estão [5]acima daquele, sendo presente que o caráter absoluto atribuído à coisa julgada não resiste aos primados da moralidade e da legalidade;

O princípio da segurança jurídica deve ceder diante dos princípios fundantes do ordenamento constitucional, quando se sabe que o processo não realiza o direito de modo perfeito, em toda a sua plenitude.

“Nas sentenças nulas, os vícios inerentes ao conteúdo de inconstitucionalidade por estes veiculados podem ser atacados, sem necessidade de observância de tempo ou de procedimento específico, posto que decretem a inexigibilidade do título executivo sentencial, por força do parágrafo único do art. 741 do CPC, acrescentado com a redação dada pelo art. 10 da Medida Provisória 2.180-5 de 24/08/2001” [6].

Nada impede que em sede de embargos o juiz examinasse a questão da inconstitucionalidade da sentença, considerada nula, mesmo sem qualquer pronunciamento prévio do Supremo Tribunal Federal, nos aspectos difuso ou concentrado.

Se existem ressalvas quanto à autoridade da coisa julgada, tanto no âmbito criminal quanto no cível, que autorizem a revisão criminal e a rescisão da sentença, portanto é lícito admitir que a coisa julgada inconstitucional que pode ser objeto de ação declaratória em busca de sua desconstituição, por não se compatibilizar com o ordenamento constitucional positivo.

A res judicata tem força de lei entre as partes, de forma que não pode ser modificada por lei ordinária, cuja sentença enfrentou o mérito, assim transitado em julgado;

A tese da relativização da coisa julgada ganha conteúdo captando a adesão de juristas europeus e brasileiros, a partir da percepção de que não se pode acolher o entendimento que não seja consentâneo com a realidade dos fatos.

Conclui-se que a decisão jurisdicional de carga lesiva que não possa ser revertida, mesmo em situação extraordinária, sob o pretexto do seu caráter de absolutividade.

A autonomia da chamada querela nulitatis no direito brasileiro que visa impugnar a sentença inquinada de nulidade, independentemente do manejo recursal conforme bem apontado por José Cretella Neto. Lembrando que os vícios insanáveis não se resolvem nem mesmo com a preclusão temporal.

Também poderá ocorrer a arguição de inexigibilidade do título sentencial a ser processada em exceção de pré-executividade, mesmo diante da decisão trânsita em julgado. Havendo a petição de nulidade relativa quanto à execução, o deve ocorrer em qualquer grau de jurisdição, possuindo natureza suspensiva já que afeta diretamente o processo de execução.

Esclarece Ivo Dantas[7] em seu artigo intitulado “Coisa julgada inconstitucional: declaração de inexistência” publicada na Revista Fórum Administrativa, de maio de 2002, aceitando a trilogia hegeliana composta da tese, antítese e síntese, aponta como principais pontos:

a) se a inconstitucionalidade significa inexistência[8] da lei e/ou ato, não se poderá cogitar em coisa julgada por encontrar-se esta fundamentada em algo que não existe;

A própria expressão “coisa julgada inconstitucional” traz uma intrínseca contradição, tendo sentido mais retórico do que científico, nesse mesmo sentido pontua Rosemiro Pereira Leal.

b) caso a coisa julgada seja calcada em norma inconstitucional, não se cogita na flexibilização da coisa julgada inconstitucional, razão pela qual os meios de impugnação utilizáveis apenas irão reconhecer por meio de novo pronunciamento da decisão rescindenda, juridicamente nunca existiu, por está baseada em inconstitucionalidade;

Na prática, sem a rescisão do julgado, conforme já lecionava Pontes de Miranda, ter-se-á “a eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível”.

c) Como a arguição de inconstitucionalidade poderá ser feita a qualquer tempo e em qualquer instância ou tribunal, não se cogitando de decadência, nem preclusão e, ou ainda, prescrição.

Porém, se por qualquer motivo a ação rescisória for apontada como ilegítima em razão do tempo, a saída seria o mandado de segurança ou da ação declaratória de nulidade[9] absoluta da sentença, em razão da inconstitucionalidade em que se encontra fundamentada.

Convém lembrar que esta derradeira hipótese já foi aceita pelo STF (ex vi Recurso Extraordinário 97.589, Relator Ministro Moreira Alves, j.17.11.1981, DJU 03.06.1983, dentro do prazo da ação rescisória).

Outro doutrinador que abordou o tema foi Francisco Barros Dias através de seu artigo sob o título “Breve Análise sobre a coisa julgada inconstitucional” e afirmou em síntese:

a) É imprescindível uma posição doutrinária e jurisprudencial sobre a coisa julgada, quando violadora da Constituição, em face da perplexidade que prova aos diversos julgados contraditórios, especialmente quando existe afronta a Constituição;

b) Da forma com que a jurisprudência vem tratando a ação rescisória, tal remédio processual não é suficiente para corrigir a decisão tida como inconstitucional, especialmente depois do trânsito em julgado, ou seja, depois do biênio decadencial;

c) O sistema jurídico brasileiro está baseado em diversos princípios que fornecem sustentação ao ordenamento, como os da hierarquia das normas, o democrático, os da legalidade, isonomia e separação de poderes, os quais deverão ser observados pelo julgador ao aplicar a norma;

d) A sentença que afronta princípio constitucional deve ser considerada como inexistente, em face de sua incoerência com o ordenamento jurídico vigente;

e) É uma perplexidade a situação de um jurisdicionado que recorre ao Judiciário e se depara com decisão contrária à Constituição, e não tem como remediar tal erro, o que leva o órgão estatal a sofrer pesadas críticas, e ser logicamente, incompreendido em sua real função; (nesse sentido a crítica até retira substancial legitimidade do Judiciário posto que imponha sentença injusta e um processo injusto);

f) Como forma de correção direta e sem a necessidade de reforma da lei ou do texto constitucional, essa suposta omissão instrumental, seria a jurisprudência aceitar a ação rescisória com fundamento da inconstitucionalidade do julgado e sem prazo decadencial, ou a forma mais prática e eficaz da ação declaratória de inexistência de coisa julgada inconstitucional, a qual não encontraria qualquer óbice em nosso ordenamento jurídico. Ao contrário, com o mesmo se compatibiliza e até harmoniza-se.

Mais um importante doutrinador trata do espinhoso tema, que é José Maria Tesheimer que em sua obra sobre a coisa julgada merece principalmente quando comenta sobre os limites da proteção constitucional da coisa julgada.

In litteris: a) “A Constituição estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” ( art. 5º, XXXVI).

Em essência, o que aí se veda é a lei retroativa, isto é, lei posterior para reger fatos passados. “A revisão da sentença, por fato superveniente, em relação jurídica continuativa não ofende a Constituição”;

b) “Também não ofende a Constituição a ação rescisória, pois não há retroatividade quando se rescinde a sentença, proferindo-se novo julgamento, com base na mesma legislação existente no tempo da rescisão rescindida. Nem precisa lançar mão do argumento de que a própria Constituição contém referência à ação rescisória”;

c) “A ação rescisória[10] poderia ser perpétua, sem com isso violar-se a Constituição. Se se entendesse essencial à existência de prazo, estar-se-ia a interpretar a Constituição como se esta apenas protegesse a chamada coisa soberanamente julgada, isto é, as sentenças de mérito que não apenas transitaram em julgado como se tornaram irrescindíveis pelo decurso do tempo.

Mas a proteção constitucional a coisa julgada é mais ampla. Não se limita a proteger as sentenças irrescindíveis, mas toda e qualquer sentença que haja produzido coisa julgada material[11]”.

Mais um autor, Eduardo Talamini, enfrenta a temática e dedica todo um capítulo ao exame das sentenças inexistentes e ineficazes. Defendendo que o reconhecimento da sentença inexistente e ineficaz. Defende o autor que o reconhecimento da sentença inexistente pode ser buscado pela actio nullitatis.

In litteris: “A actio nulitatis destina-se à constatação da inexistência da sentença. É exercitável “a qualquer tempo” pois, sendo precipuamente declaratória, não está sujeita a prazos de prescrição ou decadência. Estão legitimados a formulá-la tanto o vencido quanto o vencedor, cujo interesse pode residir na eliminação da incerteza criada pela aparência de sentença. É de competência do juiz de primeiro grau (rectius: do juiz de competência originária para a causa objeto da sentença inexistência).”

Talamini analisa as sentenças inexistentes e as ineficazes em confronto com as sentenças nulas e injustas, tece críticas à noção de inexistência jurídica como categoria autônoma e relevante, analisa também as razões as razões para a aceitação da categoria e a sua eficácia e ineficácia.

E, de modo sistemático aborda: a) as sentenças justas e injustas; b) as razões de especial relevância de inexistência jurídica no processo civil; c) sentenças inexistentes: configuração lógico-jurídica, importância prática e tutela constitucional; d) sentença sem dispositivo; e) ato proferido em procedimento em que falta pressuposto de existência processual; f) regime jurídico de averiguação da sentença juridicamente inexistente; g) sentenças inexistentes e relativização[12] da coisa julgada.

Por fim, Eduardo Talamini finaliza o capítulo relatando que muitos graves defeitos de forma e conteúdo por vezes não implicam na inexistência da sentença. Em tais casos, não será aplicável o regime anteriormente delineado.

Portanto, sendo sentença fruto de cognição exauriente de mérito, estará presente a autoridade da coisa julgada material, a qual em princípio apenas poderia ser derrubada mediante ação rescisória (desde que observados todos seus pressupostos de cabimento e o biênio decadencial que corresponde ao prazo de propositura) ou algum outro típico instrumento (conforme o art. 741, parágrafo único CPC). É nesse terreno – alheio às sentenças inexistentes que se põe o problema da relativização da coisa julgada.

Os doutrinadores sustentam um rol significativamente mais amplo de sentenças inexistentes (atribuindo tal inexistência ao núcleo conceitual mínio desse tipo de ato) desenvolvem, por esse caminho, uma teoria de relativização da coisa julgada. Ou, noutra perspectiva, mediante a própria negação de que exista a coisa julgada, tais doutrinadores eliminam o busilis referente à quebra da coisa julgada.

Sobre a relativização da coisa julgada, Talamini finalmente concluiu: “Confirma-se a necessidade imperativa de definir o exato sentido e alcance dos conceitos e categorias sobre o tema (coisa julgada, seus limites, existência jurídica e nulidade da sentença, etc)”.

Uma indevida relativização dos conceitos estaria ocultando a verdadeira relativização dos institutos, sem que os critérios empregados necessariamente se revistam de legitimidade constitucional. Nas situações em que apesar de existir a coisa julgada não pareça ser razoável mantê-la, em vez de enfrentar a questão da ruptura da coisa julgada, optam pela ampliação ou adaptação de outros conceitos, mediante formulações destinadas a sustentar que não haveria a coisa julgada.

De qualquer modo, o exame cioso da temática deve se realizar a luz da Constituição, portanto não é possível a adoção de critérios meramente estruturais. E a problemática não tem como ser reduzida à mera questão de compatibilidade hierárquico-normativa, nos moldes usualmente adotados para a lei e o ato administrativo.

Indispensável verificar os valores constitucionais envolvidos, e que a proporcionalidade não venha a ser fundamento adicional, um argumento de reforço, em favor da relativização da coisa julgada.

Cumpre igualmente investigar se tal balanceamento de valores fundamentais para a relativização da coisa julgada é exclusivo encargo do legislador ou, também, deve ser atribuída ao órgão jurisdicional. Cabendo também ao julgador definir a possibilidade de ruptura da coisa julgada e ainda, a identificação do instrumento processual pelo qual isso deve ser feito.

Genaro e Alejandro Carrió são doutrinadores argentinos que escrevem em 1983 a obra intitulada “El recurso extraordinário por sentencia arbitraria – Em la jurisprudência da La Corte Suprema” editada em Buenos Aires em dois volumes.

Desses doutrinadores destacamos algumas afirmações, no intuito de demonstrar a quebra do paradigma, com base em teorias científicas, esmaecendo o mito do absolutismo da sentença transitada em julgado, quando diretamente, oposta aos postulados, princípios e regras constitucionais, ou na afirmação contida na obra citada “sentença arbitrária”.

Carrió et Carrió se preocuparam com a noção de sentença arbitrária conforme in verbis por tradução livre: “No capítulo II tratamos de distinguir entre o âmbito de aplicação excepcional deste”. Esse último gira em torno da noção de sentença arbitrária. E nesse mesmo capítulo procurados dar certo enquadramento normativo ao recurso extraordinário[13] por sentença arbitrária. Este é o remédio federal da Lei 48, art. 14, quando opera em seu âmbito de aplicação excepcional. O enquadramento normativo mais plausível, segundo a formulação da Corte, esta é a garantia da defesa em juízo (devido processo legal adjetivo).

Uma sentença arbitrária não satisfaz aos requisitos do devido processo adjetivo porque não é verdade que seja uma sentença nos termos da Constituição. Isto nos é permitido ver (capítulo III) que o que realmente faz a Corte quando utiliza como ferramenta da noção de sentença arbitrária e valendo-se desta, opera com o recurso extraordinário dentro do âmbito excepcional deste, é desqualificar pronunciamentos e decisões que venham rotulados como sentenças. “Os desqualifica como tais, porque o juízo da Corte reconhece que não chega a ser sentenças em termos que satisfazem os reclamos da Constituição Nacional.”

Assim existem sentenças que têm sido desqualificadas por serem arbitrárias em razão de: omitirem a consideração e resolução de certas questões oportunamente propostas; ou resolvem questões não pleiteadas; foram ditadas por juízes que ao fazê-lo, se arrogam o papel de legisladores e não se sentem limitados pela ordem jurídica; prescindem do texto legal sem dar razão plausível alguma; aplicam preceitos derrogados ou não vigentes dão como fundamento pautas de excessiva amplitude na substituição de normas positivas diretamente aplicáveis.

Ainda se definem por arbitrárias por: prescindirem de prova decisiva; o invocam prova inexistente; contradizem abertamente outras circunstâncias dos autos; ao estabelecimento do fundamento normativo do fundamento do feito, ao trânsito deles até a conclusão.

Definem-se como arbitrárias as sentenças onde haja afirmações dogmáticas que só constituem um fundamento aparente; incorrem em excessos formalistas em seus rituais; são autocontraditórias e pretendem deixar sem efeito decisões anteriores firmadas.

Em verdade as sentenças inconstitucionais são transitam em julgado, porque foram proferidas em processos instaurados por meio de mero exercício de direito de petição e não de direito de ação já que não existia a possibilidade jurídica do pedido.

Alguns doutrinadores aludem sobre a sentença proferida com base na lei que posteriormente sofreu a ação declaratória de inconstitucionalidade julgada procedente, também examinam a sentença baseada na “não-incidência” de determinada norma posto que considerada inconstitucional incidenter tantum, e sentença posterior de procedência de ação declaratória de constitucionalidade e os embargos à execução com base na inconstitucionalidade[14] da lei em que se baseia a sentença exequenda.

Teresa Arruda Alvim Wambier[15] e José Miguel Medina destacaram que o CPC não pode ser encarado como um sistema devido a sofrer profunda reforma e cujas feições definitivas ainda não se completaram, até porque a doutrina e a jurisprudência não amadureceram o suficiente.

Multiplicaram-se as zonas de penumbra e na velocidade da justa proporção referente à quantidade de alterações que foram sendo introduzidas ao texto da lei processual.

Dessa forma, é inconcebível a insistência em manter o raciocínio exclusivamente pelo método clássico de lógica. Uma das conclusões a que se chegou é a existência de um grupo de sentenças que seriam juridicamente inexistentes posto que padeçam de grave defeito intrínseco, que as desfigura como sentença, e maculam sua natureza, ou ainda, porque herdaram certos vícios processuais em que foram prolatadas (como por exemplo, a ausência de citação do réu, ou de um dos réus no caso de litisconsórcio necessário).

Felizmente boa parte da doutrina qualificada e boa parcela da jurisprudência tais sentenças não possuem aptidão para transitar em julgado e, portanto, não devem ser o objeto de ação rescisória, principalmente por estar ausente um dos principais pressupostos de cabimento da rescisória que consiste na sentença de mérito transitada em julgado.

De sorte que é pertinente a ação em rito ordinário, cuja propositura não se sujeita a limitação temporal. Flávia Sapucahy apud Delgado concluiu que as nulidades se perpetuam na sentença com o advento da coisa julgada em seu bojo. Porém, existem nulidades tão graves que não podem sobreviver no ordenamento jurídico, e são insanáveis, quanto menos perpetrar no mundo dos fatos, por essa razão, podem ser a qualquer tempo alegadas.

Seguir exatamente as regras constitucionais significa buscar sempre a verdade real e o direito justo sobre as formas processuais e preclusões.

Deve a concepção contemporânea de direito justo alterar o dogma da coisa julgada[16], por vezes ampliando excepcionalmente, em casos específicos evitando o uso do recurso extraordinário e especial.

Deve-se ter tolerância no sentido do juiz de primeiro grau examinar a ação de querela nulitatis em sua competência. Deseja-se evitar os inúmeros recursos e, a jurisprudência brasileira entende acertadamente pelo sentido excepcional da relativização da coisa julgada.

Contudo, se a nulidade for arguida no momento devido, nada discutiríamos a respeito da relativização da coisa julgada. A verdade que o ideal é que o poder judiciário trabalhasse de maneira que as nulidades não ocorressem.

Fausto França Junior em seu artigo intitulado chamado “A coisa julgada inconstitucional e seu controle por meio de ADPF” para atacar a coisa julgada inconstitucional, aponta as seguintes conclusões: a verdade é que a coisa julgada formada em contrariedade à Constituição não cumpre sua função, não gerando pacificação social gerando também revolta e desprestígio ao Judiciário.

E, data venia, o valor da segurança jurídica e a consequente força que põe fim ao litígio e não podem credenciar eternas injustiças e, ainda ferir o princípio da isonomia, entre outros.

Os primeiros mestres que enfrentaram a espinhosa temática refutaram a invocação da segurança jurídica, entre estes está José Augusto Delgado[17] quando leciona que a injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado, os valores absolutos como o da legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor da segurança jurídica.

Aqueles são pilares, entre outros que sustentam o regime democrático de natureza constitucional, enquanto este é valor infraconstitucional oriundo naturalmente do regramento processual.

Porém, convém não defender o indiscriminado uso das ADPFs contra as sentenças transitadas em julgado vista como uma última impugnação ou mero recurso a mais. Conclui-se que a coisa julgada portando o vício da inconstitucionalidade é excepcional e surge em situações pontuais.

E, tal caráter extraordinário é identificado por doutrinadores de peso como Cândido Rangel Dinamarco que confirma o teor do art. 102, primeiro parágrafo da CF/1988 a utilização da APDF como meio hábil de desconstituição de coisa julgada violar preceito fundamental.

A teoria do processo assim como todo o direito público vem sofrendo rupturas paradigmáticas o que foi esmaecendo as rígidas e tradicionais concepções dando azo a certa flexibilização[18] nas formalidades com o objetivo de dar maior efetividade ao pronunciamento judicial.

A crescente constitucionalização do processo[19] confirma que o sistema infraconstitucional deve obediência ao teor da Magna Lei, ratificando não só sua supremacia e também sua supralegalidade bem peculiar aos sistemas escritos e, que justifica plenamente o controle de constitucionalidade.

Lembremos que a coisa julgada representa um dos três pilares da segurança jurídica conforme previsão do art. 5º, inciso XXXVI e ainda a LICC, ou seja, o Decreto-Lei 4.657/42[20].

Na LICC em seu art. 1º, caput determina que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”. Enquanto que no seu art. 6º caput ainda prevê: “a lei em vigor terá efeito imediato e geral respeitados o ato jurídico perfeito, o adquirido e a coisa julgada”.

No seu primeiro parágrafo prescreve que se reputa ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou, sendo que no segundo parágrafo consta: “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem”.

E, finalmente, chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não cabe recurso (terceiro parágrafo) e o CPC endossa em seu art. 467 que se denomina “coisa julgada material[21] a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

O Código de Processo Penal apesar de não conceituar propriamente a coisa julgada, se refere ao instituto ao disciplinar as exceções em seus arts. 95, inciso V e art. 110 e segundo parágrafo.

Somente poderá tal exceção ser oposta em relação ao fato principal que tiver sido objeto da sentença.

Não podemos olvidar a lição de Dinamarco[22] em seu artigo “relativizar a coisa julgada material” no qual depois de propor dois alicerces, a saber:

a) que essa garantia não pode ir além dos efeitos a serem imunizados;

b) que ela deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo civil.

Sem dúvida, o mais elevado grau de estabilidade dos atos estatais é representado pela coisa julgada, que a doutrina define com imutabilidade da sentença e seus efeitos, com a vigorosa negação de que esta seja mais um dos efeitos da sentença (Liebman).

Em verdade, não existem dois institutos diferentes ou autônomos, representados pela coisa julgada formal[23] e pela material, referem-se aos dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas, revelando finalmente que a imutabilidade é uma figura de duas faces e não dois institutos distintos.

A coisa julgada material significa a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, e tal status transcende a vida do processo e atinge a vida das pessoas, já a intangibilidade das situações criadas ou declaradas, de modo que nada poderá ser feito por estas próprias, nem por outro julgador, nem pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que houver sido decidido (Liebman).

Não se trata de imunizar a sentença como ato do processo, mas os efeitos que esta projetou para fora deste e atingem as pessoas em suas relações, e daí a grande relevância social do instituto da coisa julgada material, que a Constituição assegura (art. 5º, inciso XXXVI) e a no CPC no art. 467 e ss.

Com essa missão e tal efeito, a coisa julgada material não é instituto confinado somente ao direito processual. Esta tem um significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que se constitui como garantia constitucional.

É necessário um posicionamento da doutrina e também da jurisprudência, sobre o instituto da coisa julgada, quando viola a Constituição, em face da perplexidade que provoca a diversidade de julgados contraditórios, especialmente quando há, entre estes, uma afronta a Constituição.

De fato, concluiu a jurisprudência brasileira que a ação rescisória não é remédio suficiente e adequado para corrigir a decisão tida como inconstitucional, depois do trânsito em julgado. Devendo tal sentença afrontosa ser considerada inexistente, em face de sua incoerência com o ordenamento jurídico vigente.

A forma de correção, mesmo sem a necessidade de reforma do CPC ou da Constituição, seria aceitar a rescisória[24] com fundamento da inconstitucionalidade do julgado e sem prazo de decadência, ou a forma mais prática e eficaz da ação declaratória de inexistência da coisa julgada inconstitucional, que poderia ser proposta em primeiro grau, ressalvando apenas os casos de competência originária dos tribunais. No entanto, a visão deve ser outra, pois não se pode aplicar o mesmo tratamento ao caso julgado que se coaduna com o texto constitucional, com a outra coisa julgada que é inconstitucional.

Os procedimentos são construídos a partir da combinação das diversas técnicas de cognição e que a coisa julgada material possui, como requisitos fundamentais para sua ocorrência: natureza jurisdicional do provimento, cognição exauriente, análise de mérito e a preclusão máxima (correspondente à coisa julgada formal)[25].

A coisa julgada comum caracteriza-se pela limitação inter partes de seus efeitos, pela inevitabilidade e por ser pro et contra. Assim as demandas coletivas possuem peculiar produção de coisa julgada material, sendo pro et contra, secundum eventum probationis, erga omens e com a possibilidade de extensão, in ulibus e secundum eventum litis, pela ampliação ope legis do objeto do processo, dos efeitos da decisão, nas demandas coletivas em ações civis públicas, para as causas individuais.

Especial destaque merece coisa julgada material nas demandas de paternidade[26] é o comum, apesar da existência do exame genético de DNA. Sendo possível, no entanto, a rescisão de julgado, em demanda investigatória ou negatória, que se não tenha valido o exame genético pericial, com fundamento em violação a literal disposição de lei, ou prova falsa. Não é possível a rescisão com base em documento novo.

Portanto, indispensável, de lege ferenda, que se imponha às demandas investigatórias o regime da coisa julgada secundum eventum probationis, como homenagem ao princípio da adequação.

Tanto o devido processo legal como o princípio da instrumentalidade das formas não podem ser vistos em si mesmos. Por isso o intérprete na qualidade de operador do direito a quem compete crítica visão e sistêmica, é chamado constantemente a exercer a sua sensibilidade ao valor do justo, do constitucional e do socialmente legítimo.

Salienta Dinamarco que os princípios devem conviver harmoniosamente na ordem constitucional e processual na busca de soluções equilibradas.

Há relevantes conclusões sobre a coisa julgada pois sendo princípio, pode ser relativizado quando em confronto com outro princípio constitucional de maior ou igual valor no caso concreto apresentado; apontou que o conceito contido no art. 467 do CPC correspondente ao de coisa julgada formal[27]; enquanto que a coisa julgada material é conceito dado pela doutrina.

Não há a irrestrita e ampla liberdade sobre o conteúdo da coisa julgada e consequentemente, os modos de sua desconstituição sem que seja adequadamente preservado o núcleo constitucional mínimo do instituto; os relativistas entendem que o valor da justiça deve sempre prevalecer mesmo em face ou em prejuízo do valor da segurança[28];

Parte da doutrina reage contra o referido entendimento argumentando que se trata de falso silogismo e que, aquilo que se pretende ser a exceção inevitavelmente se tornará a regra, tornando ainda mais ineficaz a tutela jurisdicional prestada; não se pode admitir rescisória extemporânea, ou seja, fora do prazo legal de dois anos mesmo que fundada em inconstitucionalidade superveniente do julgado;

A ação rescisória fundada na inconstitucionalidade superveniente do julgado deverá ter como um de seus fundamentos a alegação de inaplicabilidade da Súmula 343 do STF[29] em matéria constitucional.

Entende ainda a doutrinadora que após o prazo da ação rescisória, serão cabíveis embargos à execução bem como ação declaratória de ineficácia (que é distinto de invalidade) do título judicial. Conclui advertindo que a relativização da coisa julgada evidencia tendência contemporânea irreversível de aproximar o direito processual do direito material, numa visível revisitação dos institutos processuais, movimento advindo das chamas “ondas renovatórias do direito processual”.

Sob o prisma mais científico deve ser repensado o art. 485 do CPC de maneira a harmonizá-lo com novos paradigmas processuais caracterizados, notadamente pela economia, celeridade e efetividade da tutela jurídica processual jurisdicional a ser prestada pelo Estado-Juiz.

Pela concepção de Paulo Otero[30], prestigiado doutrinador português em sua obra “Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional”, faz distinção entre a inexistência e inconstitucionalidade das decisões judiciais, centrando-se no alargamento do princípio a toda atividade do Poder Público, estabelecendo tipologias dos casos e da espécie, tipificando dentre as situações arroladas as principais modalidades de inconstitucionalidade do caso julgado, dando especial destaque a decisão cujo conteúdo viole direta ou indiretamente um preceito ou um princípio constitucional.

Portanto defende a destruição do caso julgado desconforme com a Constituição. Prevalecendo a regra do caráter relativo da coisa julgada, sem desfigurar a segurança e a certeza da ordem jurídica.

O ilustre Dinamarco[31] desenvolve a sistemática e usando critérios objetivos ao apontar a prevalência de certos valores garantidos constitucionalmente “tanto quanto a coisa julgada, os quais devem prevalecer mesmo com algum prejuízo para a segurança das relações jurídico”.

O estudo da coisa julgada delinquente na dicção de Eduardo Couture que se preocupava com a repercussão de fraude nas situações jurídicas das pessoas, ainda mais quando os resultados dessa fraude estivessem reforçados pela autoridade da coisa julgada.

II - Desenvolvimento

Ao consagrar a fraude dá-se o máximo desprestígio ao Direito, nega-se a justiça fere-se a carta da cidadania, e rompe-se com a legalidade peculiar do Estado Democrático de Direito.

Dinamarco enfatizou os precedentes jurisprudenciais, ressaltando que eram casos em que se questionavam indenizações a serem pagas pelo Estado, notando-se até uma preocupação unilateral pela integridade dos cofres públicos.

Mas a temática ora em exame é mais ampla posto que a fragilização crescente da coisa julgada[32] tornando-a susceptível de ocorrer em qualquer área das relações humanas que são trazidas à apreciação do Poder Judiciário. Onde quer que se tenha uma decisão aberrante aos valores, princípios, garantias ou normas superiores, nascerão, ipso facto, os efeitos juridicamente impossíveis e, não incidirá a autoridade da coisa julgada porque não se imuniza o que agride a ordem jurídico-constitucional.

A ação proposta por Piero Calamandrei que é adequada contra a sentença nula será a ação declaratória negativa de certeza, mediante a qual sem implicar em modificação no mundo jurídico, declarar-se-á o caráter negativo do conteúdo sentencial até o momento de sua concepção.

Deve ser repensado o princípio da imutabilidade da sentença a fim de não se eternizar injustiças. Os princípios que fundamentam a coisa julgada não são suficientes para mantê-la imutável, pois foi a Lei Maior que restou violada. Se fosse possível conceber esse anacronismo comprometer-se-ia todo sistema jurídico. A sentença passada em julgado é relevante e merece ser prestigiada, porém tornar-se vulnerável à própria atividade do Poder Judiciário.

Assim, para que se cogite na tutela da intangibilidade da coisa julgada e, por conseguinte, na sua sujeição a um regime excepcional de impugnação, sendo indispensável que se verifique sua adequação à Constituição.

Há de se lembrar do ensino de Paulo Otero que o princípio da imodificabilidade do caso julgado fora criado em razão das decisões judiciais conformes com o Direito, ou as meramente injustas ou ilegais em relação à legalidade ordinária.

A imodificabilidade da coisa julgada apenas pode concorrer em pé de igualdade com o princípio da constitucionalidade dos atos jurídico-públicos quando essa imutabilidade ou insindicabilidade seja consagrada constitucionalmente.

Em todas as restantes, o princípio da imodificabilidade do caso julgado não tem força suficiente para limitar ou condicionar o princípio da constitucionalidade das decisões judiciais.

Existem vários autores que esquadrinham novas configurações jurídicas[33] da coisa julgada inconstitucional ou quando proveniente de sentenças arbitrárias, nulas ou inexistentes.

Apesar do crescimento dessa corrente, há de ser examinado, o posicionamento daqueles que insistem em, por aplicação do princípio de segurança jurídica, defender a imutabilidade, em qualquer situação, da coisa julgada absoluta (a que não pode mais ser atacada pela via da ação rescisória).

É grande a intensidade da doutrina em enfocar, na época contemporânea, a coisa julgada apresentando alguns principais enunciados:

a) O momento atual em que vivemos caracteriza-se pela incerteza;

b) Notabiliza-se devido à ampla e compulsiva revisão, principalmente em razão da nova configuração das relações jurídicas na sociedade contemporânea;

c) A modernidade faz com que o que seja sólida desmanche no ar[34] (essa frase é atribuída a Karl Marx);

d) O cenário cultural da contemporaneidade é repleto de mudanças, não sendo surpresa que venha a coisa julgada antes sagrada nos primórdios da modernidade entrar em declínio (que também é fenômeno característico do mundo moderno) vindo assim melhor se adequar aos propósitos da modernidade, da moralidade, da justiça, da dignidade da pessoa humana e da valorização da cidadania.

Reconheçamos que o dogma da coisa julgada serviu para dar a segurança jurídica e ser a âncora que possibilitou a construção do mundo industrial.

A fase contemporânea cada vez mais se revela em ser a da eterna mudança (Immanuel Allerstein) sob o império do racionalismo.

A contradição existente entre a exigência de segurança jurídica e a sua respectiva eliminação pela redução da coisa julgada deve ser ponderada.

É temerosa relativização da coisa julgada posto que tal posicionamento acabaria de vez com a res judicata. Não é o ideal da modernidade, desejar a desconsideração da coisa julgada por ser a sentença injusta. Por outro lado, exigir que a coisa julgada não se confronte com algum princípio constitucional ou com princípios de grau inferior é submetê-la a uma premissa impossível a ser observada.

Na doutrina europeia considera que a coisa julgada é o efeito, ou como quer Liebman a qualidade que se agrega à declaração contida na sentença, libertando os demais efeitos da imutabilidade que pretendera atribuir-lhes, o que permite, por exemplo, se aceitar a modificação da decisão que homologue a atualização do cálculo, na fase de execução da sentença, por não se ter a ofensa à coisa julgada.

Há necessidade, portanto, de ser ampliado o debate para revisar o sistema de proteção à estabilidade dos julgados, como uma congruência determinada pela crise paradigmática.

Já Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria[35] apontam que as nulidades conforme observou Liebman pode suprir-se ou sanar-se no decorrer do processo, e normalmente não são mais sanáveis se a sentença passou em julgado. Ratificando que a coisa julgada é a sanatória dos vícios do processo.

Há, contudo, vícios maiores e essenciais que sobrevivem mesmo à coisa julgada, atingindo a eficácia de seus efeitos. Havendo o vício da inconstitucionalidade, a coisa julgada é coisa vã, carente de efeitos no mundo jurídico.

Dá-se o que a doutrina denomina nulidade ipso iure, o que impede que a sentença passe em julgado, podendo a todo tempo se opor contra esta. Qualquer sistema processual contemporâneo por maior prestígio que tenha a coisa julgada é impossível recusar a possibilidade de superveniência de sentenças substancialmente nulas, mesmo depois de esgotada a viabilidade recursal ordinária e extraordinária.

Calamandrei destacou a verdade é que nenhuma legislação, nem as dominadas pelo princípio germânico da validade formal da sentença, nem tampouco as modernamente inspiradas na aceleração do término das lides e em alcançar com maior rapidez a certeza sobre fato podem sustentar-se as leves da razão e lógica; e obediência a estas, deve a ciência admitir, embora se a medida mais restringida que depois da preclusão dos meios de impugnação, subsistam sentenças afetadas por nulidade insanável.

Ovídio A. Baptista da Silva foi levado a concluir que a virtude sanatória dos recursos e da coisa julgada não credenciaria, por exemplo, tornar uma sentença contendo dispositivo impossível ou incerto, isenta de tal nulidade, de tal forma tornar-se indispensável o cabimento de ulterior ação ordinária de natureza declaratória, não sujeita a nenhum prazo, mesmo sendo vício ventilado no tema de recurso, não impedirá o recurso da ação de nulidade em qualquer tempo.

De fato, segundo pacífica orientação em sede doutrinária, a parte prejudicada pela sentença nula ipso iure ou inexistente, para se furtar aos seus devidos efeitos, não precisa usar a via especial da ação rescisória.

Para tanto poderá: opor embargos quando a parte vencedora intentar a execução da sentença; ou propor qualquer ação comum tendente a reexaminar a mesma relação jurídica litigiosa, inclusive uma ação declaratória ordinária, como sobrevivência da antiga querella nullitatis.

Apesar de não defender o uso da rescisão para obter o reconhecimento do vício sério (nulidade) que contamina a decisão judicial[36], força é lembrar que não será correto omitir-se o tribunal de apreciar a questão, caso a parte lance mão da ação rescisória.

As nulidades podem ser declaradas incidentalmente em qualquer juízo ou grau de jurisdição, e até mesmo de ofício.

Chiovenda ao esclarecer sobre as sentenças constitutivas apontou que o objeto que passa em julgado não é o ato do juiz enquanto produz novo estado jurídico, mas enquanto afirma ou nega a vontade da lei, de que o novo estado se produza.

Com maior clareza explicou Pontes de Miranda que indicou o que há de entender por eficácia da coisa julgada material é a eficácia que o elemento declarativo da sentença produz, ou seja, a chamada força preponderante, ou efeito se junta à força específica da sentença.

Consiste a coisa julgada em vincular as partes, os litigantes à declaração. Consagra-se a coisa julgada como fenômeno típico e exclusivo da atividade jurisdicional, fazendo a lei no caso concreto.

Somente um novo ordenamento constitucional pode abalar o recrudescimento decorrente da coisa julgada. Possui um efeito negativo da coisa julgada, pois impede que o tema já decidido e que produziu coisa julgada venha novamente ser debatido; e opera também um efeito positivo posto que vinculasse os juízes de causas subsequentes à declaração proferida e transitada em julgado, no processo anterior.

A declaração judicial apta a receber a qualidade de coisa julgada material precisa ter a intensidade para se tornar definitiva. As decisões fundadas na provisoriedade como nas ações cautelares onde a cognição é sumária, ou rarefeita (conforme ocorre na jurisdição voluntária, ou no processo de execução) não são aptas a gerar a coisa julgada pois em sua essência não é definitiva.

A imutabilidade apenas se manifestará entre as mesmas partes perante as quais a declaração foi obtida e enquanto permanecem intactas e intocadas as circunstâncias fáticas e jurídicas o que caracteriza o mesmo caso concreto.

De forma que a objeção da coisa julgada veda que o órgão jurisdicional decida novamente alguma ação já julgada. E corrobora esse sentido o art. 301, terceiro parágrafo do CPC vigente: “Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recursos”.

A identidade da ação julgada se apura conforme o art. 301, segundo parágrafo do CPC (mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir), é portanto, uma tríplice identidade (de sujeitos, de pedidos e da causa de pedir) na qual se define a extensão do caso julgado.

A imutabilidade protege a parte dispositiva da sentença (art. 469 do CPC) não é capaz de escudar a declaração ali constante contra qualquer espécie de declaração contrastante.

Convém recordar que a causa de pedir é o fato ou ato que resulta direta ou indiretamente o direito ou a obrigação que constitui o objeto da ação ou exceção. Enfim, a causa de pedir é o bastante fundamento para obtenção do resultado (efeito jurídico) pretendido a título do pedido na ação judicial perpetrada.

A dicção magistral do Regulamento 737 apontava que a petição inicial deveria conter “o contrato, a transação, ou fato dos quais resultar, segundo o Código, o direito do autor e a obrigação do réu” (art. 66, segundo parágrafo)[37].

A formação e individualização de uma causa de pedir residem precisamente na unção de pressupostos necessários e suficientes para ensejar certo efeito jurídico, que será exatamente o pedido formulado pelo autor na peça exordial.

Eventualmente pode haver diversos grupos de fatos jurídicos que permitam a realização do mesmo efeito jurídico; cada grupo de fatos deverá ser considerado como causa de pedir autônoma, capaz individualizar uma ação isolada.

Nesse caso, ainda que o pedido seja um só, a existência de pluralidade de causas de pedir revelará a possibilidade também de pluralidade de ações.

Resta evidente que a alteração completa da causa de pedir importa em nova ação, infensa a influência do resultado (e da imutabilidade decorrente) do primeiro julgamento.

A causa de pedir é um todo integrado por seus dois elementos e qualquer alteração de um destes elementos, importa na alteração da própria causa de pedir, gerando ipso facto, nova ação.

Fica evidente que a causa de pedir se alterada, implica em nova demanda e seu respectivo fundamento relativo aos fatos absolutamente desvinculados dos que foram alegados na primeira ação; portanto modificações fáticas induzem a um fundamento distinto.

A extensão objetiva da coisa julgada reporta-se à parte dispositiva da sentença, tornando imutável o seu efeito declaratório. Frise-se que mesmo a mera alteração de parcela da causa de pedir (ou seja, de um de seus elementos) importa em outra ação, uma vez que daí surgirá uma modificação evidente de causa de pedir, e por consequência da ação.

Como a fixação da lei do caso concreto que é a coisa julgada, somente se manifesta em relação às sentenças definitivas (que examinam diretamente o pedido do autor seja para acolher ou rejeitar).

É fato notório que não produzem coisa julgada material sobre as sentenças meramente terminativas, nem sobre as sentenças homologatórias (vide art. 269, II, III e V do CPC).

A imutabilidade referente à sentença homologatória em verdade consiste em ato jurídico perfeito homologado (seja renúncia, transação e, etc). É o ato jurídico perfeito que a sentença reconhece e opera sua chancela de estabilidade com status inclusive constitucional, idêntico à coisa julgada e, capaz por essa razão operar os mesmos efeitos no mundo das relações sociais.

Registre-se que não somente se opera a coisa julgada sobre o efeito declaratório da sentença, ou somente as sentenças proferidas em ação declaratória.

Também as sentenças condenatórias, constitutivas, executivas e mandamentais possuem carga declaratória em si, mesmo porque fixam cada qual, uma lei para o caso concreto. O mesmo se aplica à sentença de improcedência, já que também estas declaram a vontade do direito em face do caso concreto.

A coisa julgada é capaz de reger especificamente a situação deduzida em juízo, e sua imutabilidade atinge as duas partes originárias conforme o art. 472 do CPC preconiza que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando e nem beneficiando terceiros.

Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados a sentença produz efeito de coisa julgada em relação a terceiros.

Portanto, em princípio, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes (e seus sucessores, por dedução lógica) ficam acobertadas pela coisa julgada.

A conotação mágica da norma fundamental faz admitir que nesta o ordenamento jurídico se unifica, e que nela o sistema se identifica e, obtém coerência e sem a qual se esfacelaria inevitavelmente.

Na matriz disciplina processual onde o processo civil é visto pelos doutrinadores como notável protagonista, e pregam sempre a prevalência da norma fundamental sobre todas as demais, preocupados com a produção das leis (pelo Legislativo) e a atividade administrativa, quando pouca atenção se devotava a coisa julgada inconstitucional pois era tida como dogma sagrado, que consolidava o julgamento judiciário e, somente se admitia a rescisão mediante casos específicos, poderia ser revisitada.

Fora das taxativas hipóteses legais da rescisão, não havia força jurídica capaz de desfazer, alterar ou desconstituir aquela situação.

Em sua origem, a sagrada coisa julgada residia na crença que como esta passara por um longo percurso de discussão, análise e debate, na sua formação com as plúrimas oportunidades, a coisa julgada era resultante de várias etapas vencidas, e, portanto, merecia ficar imune aos futuros questionamentos.

Não havia inicialmente a preocupação pelo menos de forma expressa com a correção e o erro, a justiça, ou mesmo, a injustiça da decisão judicial, nem mesmo a sua adequação ou inadequação com os ditames e espíritos contidos na Constituição Federal vigente posto que tais aspectos fossem superados precisamente no iter de sua formação.

Desta forma, não se reverenciava o controle de constitucionalidade da decisão trânsita em julgado, sendo raríssimos os casos de discussão da eventual incompatibilidade de decisões judiciais consolidadas com a Carta Magna, ou não ser, evidentemente, como argumento (poderoso) durante o trâmite de ações e, excepcionalmente, por meio de rescisória.

Mas a existência de coisa julgada inconstitucional é antiga tanto que já era abordada pelo doutrinador português Paulo Otero[38] que fez uma monografia de grande prestígio (“O ensaio sobre o caso julgado inconstitucional”, Lisboa: Lex, 1993) onde lançou gritantes questionamentos sobre a prevalência dos preceitos constitucionais diante das decisões judiciais da Carta Política, propugnando que pelas prescrições e, anotando que as questões de validade constitucional dos atos do poder judicial foram totalmente esquecidas.

Inaceitável a mera recusa de discutir a coisa julgada[39] sob a superficial alegação de que esta faz do preto branco, e do círculo um quadrado, posto que a supremacia da Constituição precise ser afirmada e reafirmada, mesmo quando a infração decorra de um pronunciamento judicial consolidado.

Enfaticamente é necessário o reexame do problema de forma mais vertical que possível, pois a coisa julgada serve para assegurar ad futurum (e, ainda que de forma ilimitada) a força vinculante de uma solução jurisdicional dada em certa relação litigiosa concreta, desde que consagrada como definitiva, sem a possível revisão por via recursal ou mesmo rescisória.

Promovida como dogma, a coisa julgada para a religião processual (muito apegada à ritualística das formas) como bem diziam os juristas romanos: res judicata sacra est.

Lembremos que o fundamento deste axioma era a premente necessidade de estabilização das relações sociais e da pacificação dos conflitos, por via jurisdicional, garantindo ao litigante vitorioso na demanda a certeza da imutabilidade da sua vitória, em todo tempo do futuro assim lhe proporcionando a tão sonhada segurança jurídica que representa o grande pilar férreo que sustenta a coisa julgada.

O moderno cenário da coisa julgada bem como a discussão de seus significados remonta aos eruditos estudos de Savigny (1779-1861) que no século dezenove já demonstrava que a exceptio rei judicata do Direito Romano não possuía somente o efeito negativo de impedir a repropositura de ação idêntica a uma anterior já julgada por isso que se tutelava desde priscas eras, o próprio conteúdo do julgado calcada no aforismo res judicata pro veritate habentur, isto é, valia eficazmente contra todos (erga omnes) embora se deixando suspensa a questão de ser a sentença uma proposição lógica, ou um ato de vontade ( questão que perpetua-se em aberto em doutrina).

Com as posteriores contribuições de Carnelutti e Liebman que tiveram grande influência na conformação do sistema processual civil brasileiro com as doutrinas jurídicas reexplicativas da coisa julgada, algumas destas, atuando poderosamente na formação dos Códigos de Processo tanto na Itália como no Brasil, até o ousado advento contra a sacralidade da coisa julgada abalando sua intangibilidade e agregando fragilidades que redundaram enfim na relativização da coisa julgada que angariou adeptos e críticos ilustres nos mais refinados ambientes acadêmicos.

Entre os principais autores nacionais destacam-se o professor Celso Neves (1913-2006) que dedicou à res judicata uma monografia que se tornou referência “Coisa Julgada Cível” (São Paulo: RT, 1971) onde explicou os fundamentos históricos e sociológicos os seus aspectos culturais e a sua necessidade na função estabilizadora do Direito.

De igual forma, Egas Dirceu Moniz de Aragão estudou a fundo a coisa julgada produzindo a obra intitulada “Sentença e Coisa Julgada” (São Paulo: Editora Aide, 1992). Também o professor Ignácio Botelho de Mesquita foi incansável defensor das virtudes do processo civil, elaborando fecundo trabalho intitulado “A coisa julgada” (São Paulo: Editora Forense, 2006) criticando veementemente a estação de caça à coisa julgada, o derradeiro bastião em defesa das liberdades civis contra as arbitrariedades do Estado no exercício da função jurisdicional.

Os professores José Miguel Garcia Medina e Teresa Alvim Wambier também se ocuparam do tema produzindo obra sob o título “O Dogma da Coisa Julgada” (São Paulo: RT, 2003) registrando a pertinência que em passado recente a intangibilidade da coisa julgada se revestia de uma mística auréola de santidade.

O percurso histórico-evolutivo da coisa julgada em sua absolutista concepção (e consequente mistificação) trouxeram a indiscutibilidade e imutabilidade da res judicata, oriunda da respeitável tradição romana que a declamava sua eficácia em verso e em prosa.

Mas mesmo antes da portentosa expansão do império romano já se cogitava na existência da coisa julgada, e tal concepção fora recepcionada pelos sistemas jurídicos oriundos do jus romanorum e depois passaram para o fragmentário direito medieval da Europa continental conforme aduziu o historiador John Glissen.

A coisa julgada romana, mais propriamente, res judicata já se fundava em costumes e tradições e teve sua inicial recepção de forma acidental que se tornou constante e duradoura.

Cabendo fazer alusão a família jurídica chamada de common law que já em pleno século XIII contava em controle da prepotência dos príncipes. A superação da coisa julgada não surpreende se analisarmos a superação do consensualismo contratual e da autonomia da vontade reconhecidos por muito tempo como hábeis concepções jurídicas capazes de prover o bem-estar geral e, mesmo realizar a melhor justiça nas relações negociais e, de fato, representaram a pedra fundamental do liberalismo.

Portanto, a flexibilização da coisa julgada coaduna com a progressiva fragilização dos conceitos privatísticos que outrora foram considerados como intocáveis, vindo a redimensionar totalmente a teoria das obrigações principalmente pela doutrina tão mal impressionada com a submissão da pessoa do devedor à tirania do credor.

O direito civil constitucional veio juntamente com o novo direito privado desmistificar a ideia de contrato perfeito que acenava com a doce ficção da equidade existente entre o benefício do contrato e o consentimento do obrigado (devedor).

Para os juristas romanos era irrefutável que a coisa julgada tinha essencialmente significado negativo, ou seja, obstativo da reprodução de uma mesma ação muito embora se tenha procurado colocar função positiva ao vincular a proteção ao direito que fora reconhecido e proclamado na decisão.

Acreditava-se piamente, na época que o decisum criava o direito do caso concreto e, tinha nos limites da lide (portanto, dentro da questão de mérito) a mesma força que tem a lei, conforme positivasse o comando normativo.

Assim o contrato que representava a lei entre as partes, a lei e a decisão judicial transitada em julgado caso evidenciasse afronta aos valores constitucionais como justiça, a equidade ou a própria Constituição deve ser repensado e garantir que não exista sistema de liberdades que erijam direitos individuais olímpicos e absolutos onde possam ser alcançado pela realidade social ou restar a salvo de cotejos de outros direitos e deveres.

A ênfase veio em boa hora do aspecto positivo da res judicata deve-se a Savigny, mas é uma função auxiliar ao efeito negativo, e que tal positividade tida em menor conta pois o efeito impeditivo de repetição de demandas é o impulsiona ainda mais os estudos sobre a coisa julgada.

Sempre houve um superlativo enaltecimento da coisa julgada, atribuindo-lhe força vinculante e definitiva, até mesmo nas famosas Ordenações do Reino que perduraram tanto tempo em vigência no Brasil e traduziram a mais fiel e eloquente exaltação ao instituto que atualmente conta somente com uma previsão constitucional (art. 5º, XXXVI da CF/1988).

O CPC de 1973 de autoria de Alfredo Buzaid veio atribuir as notas de imutabilidade e indiscutibilidade conforme bem consigna o art. 467 concedendo a imunidade quanto ao tempo e aos eventos posteriores.

Mas é impossível esconder que quando a decisão judicial incide sobre relação de trato sucessivo, que se prolonga no tempo, fatalmente encontrarão inumeráveis e imprevisíveis alterações em suas bases fáticas e jurídicas.

O tempo não para e, ri zombeteiro das patranhas humanas que tentam aprisiona-lo, o tempo é o único problema metafísico[40] do homem. De tal sorte que se no cenário das alterações históricas inevitáveis atuando a coisa julgada anterior a estas, questiona-se se a res judicata sobrepairará ao seu poder modificativo, permanecendo sublime diante do império voraz do tempo, poupando-se de sofrer todos os desgastes que atinge inexoravelmente todas as coisas criadas. Pois somente o senhor Tempo, está sempre imune à erosão que carcome todas as coisas e criaturas.

Obviamente a coisa julgada não é mera regra de processo, embora sob a proteção constitucional, sem dúvida, esta representa mais que um simples princípio constitucional.

Sendo indispensável ao discurso jurídico e ao exercício da jurisdição conforme bem esclarece Marinoni em sua obra “Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in) constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada: a questão da relativização da coisa julgada” São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

A decisão judicial é elemento final do discurso jurídico realizado pelo Estado-juiz ao desempenhar sua função de tutelar os direitos e, por consequência, as pessoas.

É sabido que todo discurso, (prossegue Marinoni) necessita de regras para desenvolver-se de forma adequada, assim também o processo que permite a formação do convencimento do juiz e o desenvolvimento deste exige a disciplina sobre o tempo, o modo e o conteúdo da participação das partes e do juiz. E, tais regras se preocupam substancialmente com a legitimidade tanto do processo como da jurisdição.

A coisa julgada então representa uma condição para que o discurso seja institucional daí sua limitação no tempo que opera enfim um corte epistemológico necessário ao debate jurídico. Pois do contrário será incapaz de prover a estabilização, não podendo haver um eterno aberto debate e nem mesmo firmar-se em rígido discurso do poder estatal.[41]

III - Conclusão

Desta forma, a coisa julgada antes de ser regra destinada a legitimar o processo tido como discurso jurídico, é igualmente regra crucial à sua própria existência.

O que reforça a tese de que a admissibilidade da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade e sobre a coisa julgada, além de contradizer o poder jurisdicional de controle difuso da constitucionalidade, nega a existência do discurso jurídico que somente existe se for capaz de produzir decisão definitiva.

Em verdade, representa a coisa julgada uma regra formal do discurso jurídico, sendo sua fundamentação de cunho pragmático- transcendental. Os conflitos de interesses em sociedade cada vez mais plúrima e complexa o que torna cada vez mais a atividade jurisdicional essencial. Nenhum sistema de direito seja este fulcrado no precedente judicial ou no direito positivo pode ser tão perfeitamente moldado de modo a não deixar quaisquer espaços para as disputas. A lide[42] é pois inexorável.

Para agir corretamente segundo as normas, os homens devem não apenas ter oportunidade de aprender quais as normas, mas devem também ter assegurado, que em caso de disputa, sobre o significado dessas normas, haverá um método disponível para resolvê-las (In Lon Fuller, The morality of law, 2.ed., New Haven, Yale University Press, 1969, p.56-57).

Caso os conflitos, uma vez resolvidos pudessem rediscutidos, ou se a solução judicial fosse negada, de nada adiantaria a jurisdição. Portanto, a discussão judicial trânsita em julgado deve tornar-se imutável e indiscutível.

A decisão produzida no processo não é definitiva apenas porque pôs fim a lide e impedir a reabertura do litígio e do embate, mas sim, por constituir a afirmação estatal.

O enfraquecimento da autoridade da coisa julgada corresponde ao enfraquecimento da autoridade do Estado. Pois a decisão jurisdicional é também protegida contra outros setores estatais e mesmo em face do Executivo e do Legislativo que são impedidos expressamente em prejudica-la.

Sublinhe-se que a imutabilidade da coisa julgada protege a declaração judicial apenas enquanto as circunstâncias (fáticas e jurídicas) da causa permanecem as mesmas, inseridas que estão na causa de pedir da ação.

Sempre que as circunstâncias fáticas ou jurídicas da causa forem alteradas dá azo à composição de nova causa de pedir, ensejando uma nova ação, totalmente diferente da ação anteriormente proposta e decidida. E, por esta razão não afeta a coisa julgada imposta sobre a primeira decisão.

Desponta a coisa julgada como corolário do direito fundamental de ação, ou seja, a tutela jurisdicional efetiva. Assim, o litigante vencedor em razão de seu direito fundamental de ação, tem direito a uma tutela estável e que não possa ser modificada ou rediscutida por ato do próprio Estado.

Frise-se que a decisão dos juízes e tribunais sobre uma questão constitucional jamais poderá ser como se fosse uma lei inconstitucional ou simples aplicação, declaração ou atuação de uma lei inconstitucional ou nula.

No Estado Constitucional, o juiz não tem apenas a mera tarefa de atuar a vontade da lei, conforme ocorria no Estado Legislativo. Cabe-lhe o dever de interpretar a lei na medida da Constituição e de realizar o controle de constitucionalidade no caso concreto.

A coisa julgada como corolário do princípio da segurança jurídica[43] é resguardada expressamente no texto constitucional vigente e deriva diretamente do Estado de Direito. O Estado de Direito é sobreprincípio de ampla latitude e se correlaciona com outros princípios e pode ser analisado sob a dimensão objetiva e subjetiva.

No plano objetivo incide diretamente na ordem objetiva importando na irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais, bem como, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Já no plano subjetivo é o visto pelo prisma dos cidadãos em face dos atos do poder Público, aparecendo o princípio da confiança, que é indissociável à dignidade da pessoa humana.

Em verdade, a coisa julgada material é autêntico signo da tutela da confiança do cidadão nos atos estatais. A decisão de inconstitucionalidade proferida no STF na ação direta de inconstitucionalidade declara a inconstitucionalidade tendo eficácia ex tunc, ou seja, até o momento da edição de lei.

Não possuindo natureza desconstitutiva, mas apenas declaratória posto que reconheça a nulidade da lei. E, a doutrina pátria bastante influenciada pela norte-americana[44] acabou por definir que a inconstitucionalidade[45] equivale à nulidade absoluta da lei ou do ato normativo. O que reforça pela inconsistente existência da coisa julgada inconstitucional.

Chiovenda chegou a mencionar que não pode haver submissão à jurisdição senão onde haver sujeição da lei. Assim a jurisdição revela a vontade da lei e, esta o poder estatal. Inspirado no Iluminismo e nos valores da Revolução Francesa separava radicalmente as funções do legislador e do juiz. Atribuindo a um a criação do direito e a outro a aplicação do direito.

Basta lembrar que no Estado Liberal ao juiz cabia simplesmente aplicar a lei ditada pelo legislador. Sustenta o ministro José Augusto Delgado que a segurança jurídica imposta pela coisa julgada está vinculada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem seguir todo ato judicial, e assim, que o intérprete tem o dever de ao se deparar com o conflito entre os princípios da coisa julgada e outros postos na Constituição, averiguar se a solução pela aplicação do superprincípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

A teoria pretende dar solução às questões do DNA e a supervalorização das indenizações na desapropriação mediante a contraposição de normas constitucionais com a coisa julgada, e aponta para o que chamam de superprincípio de proporcionalidade, utilizado como mecanismo de outorgar ao juiz o poder de escolher entre a norma constitucional que se alega violada e a coisa julgada.

Então, conclui Marinoni que a coisa julgada por não fazer parte do conteúdo material do discurso jurídico, não pode ser objeto de balanceamento. E, mesmo que se considere como parte do discurso, e assim passível de ponderação, a mesma já fora realizada pelo legislador, que optou por esta, diante do risco de eventuais injustiças. Em boa hora, o STJ em acórdão relatado pelo Ministro Luiz Fux, que “a rediscussão reiterada de matéria decidida e declarada por sentença transitada em julgado implica a pretensão de consagração da cognominada tese da “relativização da coisa julgada” postulado que se choca com a cláusula pétrea da segurança jurídica, garantia fundamental do jurisdicionado, consagrada em todas as Constituições” (STJ, Resp 671182, 1ª. Turma, relator Min. Luiz Fux, DJ 02.05.2005).

Por fim, se uma coisa julgada se formou (seja injusta ou justa) a sua eficácia há de produzir os efeitos peculiares da sua natureza, e os deverá produzir até que essa aptidão seja estancada por outra coisa julgada, mas desde que formada em sede concentrada, cortando o fluxo da anterior, ou por meio de sua rescisão, contudo, os efeitos já produzidos (que deverão ser obviamente preservados), cessando a eficácia da res judicata somente para o tempo futuro, quando se referir à relação jurídica continuativa.

Referências

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Autoras:

Gisele Leite, professora universitária, pedagoga, bacharel em Direito UFRJ, mestre em Direito UFRJ, mestre em Filosofia UFF, Doutora em Direito USP. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Articulista e colunista dos sites www.invetidura.com.br, www.netlegis.com.br, www.jusvi.com , possuindo vasta produção acadêmica publicada nos sites como www.ibdfam.org.br , http://egov.ufsc.br/portal/buscalegis, www.abdpc.org.br ,www.ambito-juridico.com.br , www.abdir.com.br , www.jurid.com.br .

Denise Heuseler, professora universitária, advogada, bacharel em Direito UNESA, pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil pela UniverCidade, mestranda da UCAM, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas, professora-tutora da FGV Online e IBMEC Online. Também possui vasta produção acadêmica publicada pelos sites www.investidura.com.br, www.jusvi.com , www.ibdfam.org.br, www.prolegis.com.br, www. egov.ufsc.br/buscalegis, www. ambito-juridico.com.br, www.abdpc.org.br , www.conteudojuridico.com.br , www.abdir.com.br e www.jurid.com.br


[1] O que automaticamente traz maior atenção aos meios alternativos de composição de lides, tais como a conciliação, a mediação e arbitragem. Na conciliação, um terceiro imparcial interveniente buscará, em conjunto com as partes, chegar voluntariamente a um acordo, interagindo, sugestionando junto às mesmas. O conciliador pode sugerir soluções para o litígio. Pode atuar de forma prospectiva, pois poderá resolver hoje para se evitar problemas futuros. Na mediação o terceiro imparcial orienta as partes litigantes para a solução da controvérsia, sem sugestionar. As partes se mantêm como autoras de suas próprias soluções. É importante a ajuda da multidisciplinariedade, com o uso de ciências como a psicologia, a sociologia e, etc. Na arbitragem consagrada como forma de solução de conflitos regulada pela Lei 9.307/2006 conhecida como a Lei da Arbitragem, na qual terceiro especialista da matéria em debate, e eleito pelas partes, decide a controvérsia. A decisão arbitral goza de força de sentença judicial e não admite recurso, e só poderá atua quando o conflito atingir direito patrimonial disponível.

[2] De fato, o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto, e nem o é, portanto a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeira grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, conforme constitucionalmente prometido e reafirmado pela garantia do acesso à justiça.

[3] John Rawls (1921-2002) foi professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard (é a mais antiga instituição de ensino superior norte-americana e até 2011 era considerada a melhor do mundo). Retomando a teoria do contrato social, propôs-se responder como avaliar as instituições sociais, no sentido de serem justas. Formulou a teoria da justiça como equidade, através da situação hipotética e histórica similar ao estado de natureza (chamada de posição original) na qual certos indivíduos escolheriam princípios de justiça. Tais indivíduos considerados como racionais e razoáveis estariam submetidos ao “véu da ignorância”, desconhecendo todas as situações que lhe trariam vantagens ou desvantagens na vida social (status social, educação, concepções de bem, características psicológicas e, etc.). Desta forma, em posição original, em situação equitativa, todos são considerados livres e iguais.

Retoma o contrato social não para justificar a obediência ao Estado, mas vincula-se ao construtivismo kantiano onde a ideia de contrato serve para fundamentar o processo de eleição de princípios de justiça (princípio da liberdade e da igualdade). Após reformular e aperfeiçoar algumas das suas teses, além de incorporar e responder a seus escritos, Rawls apresentou uma nova versão de sua teoria na obra "O liberalismo político", publicada em 1993.

[4] Nascimento acreditava que a segurança jurídica representada pela coisa julgada não é argumento suficiente à readequação dos provimentos judiciais que estejam protegidos sob o manto da coisa julgada, uma vez que considera os conceitos de segurança e justiça como harmônicos, conforme trecho adiante: “havendo simetria entre segurança e justiça na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer entre ambas é de mera aparência”. (In: NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa Julgada inconstitucional.2.ed. Rio de janeiro: América Jurídica, 2002. P.1-31).

[5] Normalmente diante de choque de princípios leva-se em conta a ponderação de valores e interesses.

[6] Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)II - inexigibilidade do título; III - ilegitimidade das partes; IV - cumulação indevida de execuções; V – excesso de execução; (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;  (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) Vll - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz. Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).

[7] Defende Ivo Dantas pela oportuna e necessária rescindibilidade da coisa julgada inconstitucional o que parece uma expressão contraditória, porque se pretende rescindir algo inexistente. Não admite a flexibilização da coisa julgada bem como entende ser esta uma ameaça ao instituto da coisa julgada. (In: DANTAS, Ivo. A Coisa Julgada Inconstitucional.Disponívelem:https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/direito/article/download/667/240. Acesso em 12.12.2012).

[8] Descreve Reale que são atos inexistentes (que alguns doutrinadores equiparam aos nulos) são os que carecem de algum elemento constitutivo, permanecendo juridicamente embrionário, ainda in fieri, devendo ser declarada a sua não significação jurídica, se alguém o invocar como base de sua pretensão.

[9] Orientou Rui Barbosa através de seus vários textos e difundiu na doutrina pátria o controle difuso da constitucionalidade das leis, hoje definitivamente inserida na cultura jurídica brasileira. Mas, advertia que o controle difuso de constitucionalidade não acarreta a eliminação da lei do ordenamento jurídico, apenas faz prevalecer, na solução do caso concreto, a autoridade da Constituição. Assim uma coisa é declarar a nulidade e, outra é anular. Declaram a nulidade, os tribunais legitimamente, a respeito de leis ordinárias com a lei fundamental. Mas, o farão, na exposição das razões do julgado, como consideração fundamental da sentença, e não, em hipótese alguma, como conclusão da sentença e objeto julgado (O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional, 1910, vol. 1, p.103).

[10] Convém recordar a definição de Barbosa Moreira sobre o tema: “Chama-se rescisória à ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada (In: Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed., volume V, n. 54, p.95). Mesmo a sentença rescindível ainda que nula produz a priori os efeitos da coisa julgada e apresenta-se exequível enquanto não for revogada por remédio próprio da ação rescisória. Assim não rescindindo ainda, o julgado prevalece. Desta forma conclui Barbosa Moreira que a sentença rescindível não é nula, mas sim anulável, posto que a invalidade só opera depois de judicialmente decretada, conforme classifica a melhor técnica. Por fim, rescindir significa desconstituir a coisa julgada.”

[11] Sérgio Gilberto Porto em cuidadosa monografia observou que a projeção da coisa julgada material diverge da formal, pois, enquanto esta se limita à produção de efeitos endoprocessuais internos, aquelas os lança de forma panprocessual externa, motivo pelo qual se impõe perante demandas diversas daquela em que se verificou, tornando inadmissível novo exame do assunto e solução diferente a respeito da mesma relação jurídica, seja por outro, seja pelo mesmo juízo que a apreciou.

[12] A chamada relativização da coisa julgada é tema polêmico, apesar da expressa previsão constitucional sobre a coisa julgada, esta vem passando por nova interpretação, surgindo vários renomados doutrinadores como José Augusto Delgado, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Junior e Francisco Barros Dias. Em verdade a dita relativização refere-se à coisa julgada material, devendo-se lembrar que a garantia de imutabilidade e indiscutibilidade não vai além dos efeitos a serem imunizados e posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos mediante atividades inerentes ao processo civil contemporâneo.

[13] O controle difuso de constitucionalidade é também exercido pelo STF pela via recursal extraordinária, e por isso, que incluído no tipo difuso, daí porque a decisão que se profere ser restrita ab initio aos litigantes da ação, embora que o critério de extensão do julgado (eficácia inter partes) não seja mais suficiente para discriminar do tipo concentrado, pois a aplicação da eficácia da decisão judicial ultra partes parece ser uma tendência do Direito Processual contemporâneo.

[14] Manoel Gonçalves Ferreira em recente posicionamento principalmente em face das inovações no controle de constitucionalidade pelas Leis 9.868 e 9.882 de 1999 menciona que “o ato inconstitucional não é mais, como ensinavam a doutrina e a jurisprudência, nulo e írrito.” O que o fez concluir que não é mais rígida a Constituição federal brasileira.

[15] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 13.

[16] A coisa julgada formal corresponde à palavra final do judiciário no processo. Porém, se o julgamento for de mérito, a imodificabilidade da decisão projeta-se para fora do processo, impedindo nova discussão da matéria, mesmo em outro feito. Essa especial qualidade, denomina-se então, coisa julgada material.

[17] José Augusto Delgado em brilhante conferência intitulada “Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais” partiu com considerações sobre o princípio da moralidade, e enfrentou o tema da revisitação da coisa julgada, apontando que o instituto possui dupla proteção (na seara constitucional e na infraconstitucional) e ainda resume que o tratamento constitucional dado não possui o alcance que muitos intérpretes dão a seu respeito. Enfim, “a lei não pode prejudicar a coisa julgada”, posto que não possa alterar o conteúdo do julgado, após a formação da coisa julgada, Resta imune o comando da sentença protegendo-a com a imutabilidade, e das possíveis alterações legislativas posteriores.

[18] É impossível não perceber que o CPC atual não mais pode ser pressuposto como algo que se assemelhe a um sistema, no sentido exato da expressão. Trata-se de lei que passa por profundo processo de reforma e de reformas sucessivas, dando feições definitivas que ainda não se completaram, posto que nem a doutrina e nem a jurisprudência amadureceram o suficiente para enfrentar as novidades e problemas por estas gerados.

[19] Enfim a tese mais encorpada é a de que o fenômeno da inconstitucionalidade se reduz a uma relação de validade, assim: se o ato de poder – qualquer que seja este, é conforme à Constituição, é válido; se não o for, não será válido. Portanto é pelo mecanismo da nulidade que se resolve o problema da inconciliação entre o ato e ordem constitucional.

[20] Passou a ser chamada por conta da redação dada pela Lei 12.376/2010, de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

[21] Revela-se a coisa julgada material em ser a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença do mérito e que transcende a vida do processo e atinge as pessoas além dos litigantes. Não se trata de imunizar a sentença como ato do processo, mas os efeitos que esta projetou para fora deste e atingem as pessoas em suas relações sociais do instituto da coisa julgada material e que a Constituição assegura.

[22] Já ensinou o doutrinador Cândido Dinamarco (2003, p.13), quando escreveu que: [...] A doutrina moderna realça a justiça das decisões. Essa preocupação não é minha: a doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003.).

[23] Ensinou José Frederico Marques da impossibilidade de novo julgamento pelas vias recursais, ou porque este foi proferido por órgão do mais alto grau de jurisdição, ou porque transcorreu o prazo para recorrer sem que o vencido interpusesse o recurso, ou finalmente, porque se registrou desistência do recurso ou a este se renunciou.

[24] Importante sublinhar que não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição da lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

[25] A coisa julgada formal conforme ensina Frederico Marques resulta da impossibilidade de novo julgamento pelas vias recursais seja porque já fora proferido por órgão de mais alto grau de jurisdição, ou porque transcorreu o prazo para recorrer sem que o vencido impugnasse, ou então, porque finalmente registrou-se sua resistência ao recurso ou sua renúncia.

[26] Cogita-se principalmente na anulação da coisa julgada principalmente quando o exame da paternidade era calcado no exame em tipagem sanguínea, que trazia grande margem de erro.

[27] É verdade que a coisa julgada formal possui limitados efeitos e de caráter endopressual, bem peculiar do julgamento de “não-mérito” da causa e porque não resolve o litígio, não impedindo o retorno da matéria a apreciação do judiciário, outra vez provocado em novo processo.

[28] A segurança jurídica existe para que a justiça que é a maior finalidade do Direito se materialize. O indivíduo deverá se sentir seguro, também, por verificar no corpo dos textos jurídicos, a inclusão de princípios fundamentais, fruto de conquistas sociais da humanidade. Portanto, a segurança jurídica equivale a conceder aos indivíduos a necessária garantia para o desenvolvimento de suas relações sociais, tendo, no Direito a certeza e previsão das consequências dos atos praticados.

Almiro do Couto e Silva preleciona que (...) “A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É esta, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito”. (In: DUARTE, Paulo. Coisa Julgada e Ação Rescisória. Disponível em: http://www.gostodeler.com.br/materia/10709/coisa_julgada_e_acoes_rescisorias.html Acesso em 12.10.2012.)

[29] STF Súmula nº 343 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Cabimento - Ação Rescisória - Ofensa a Literal Dispositivo Baseado em Texto Legal de Interpretação Controvertida nos Tribunais. Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

[30] O professor português Paulo Otero, um dos precursores a respeito da possibilidade de ser suprimida a coisa julgada em desconformidade com a Constituição, defende que o Poder Judiciário, assim como os demais Poderes, Legislativo e Judiciário, por ser criado pela Constituição e devem respeitar seus princípios e normas. Pontua ainda que, uma vez que os atos inconstitucionais dos demais poderes estão sujeitos à revisão posterior, as decisões judiciais, também devem estar em consonância com a lei máxima, inclusive sendo passíveis de revisão no caso de serem constatadas inconstitucionalidades. (In: OTERO, Paulo Manoel Cunha da Costa. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993. p. 123. Apud. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 4).

[31] Em seu artigo “Relativizar a Coisa Julgada Material” colocou em destaque a necessidade de produzir resultados justos, apontando que o bem comum é a síntese dos objetivos do Estado contemporâneo, onde o valor justiça representa-se como objetivo-síntese da jurisdição no plano social.

[32] Frise-se que a coisa julgada não é instituto confinado ao direito processual, sendo seu significado político-institucional responsável pela firmeza das situações jurídicas, tanto assim que plenamente justifica erigir-se em garantia constitucional.

[33] Vide http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/rom_Edilson.pdf

[34] Há um livro de Marshall Berman intitulado “Tudo que é sólido desmancha no ar, a aventura da modernidade”, publicado pela editora Companhia das Letras em 1986 que retoma a interpretação esboçada no Manifesto Comunista de Karl Marx. Em verdade, o Manifesto de Marx seria uma formulação genial e criativa sobre a modernidade, sendo entendida como emaranhado contraditório de experiências de vidas compartilhadas pelas pessoas em todo mundo contemporâneo.

[35] Tais doutrinadores analisaram que se a inconstitucionalidade significa inexistência da lei e/ou ato, é possível cogitar-se em coisa julgada inconstitucional. E elaboraram outras indagações: se a decisão judicial que contrarie a Constituição faz coisa julgada? Diante da negativa resposta, não se pode crer em relativização ou flexibilização da coisa julgada, posto ser impossível flexibilizar o que simplesmente não existe.

[36] Outra questão nos assombra se a decisão judicial inconstitucional é inexistente, nula ou anulável? Para Miguel Reale em suas lições preliminares de Direito são atos nulos os que carecem de validade formal ou vigência, por padecerem de um vício insanável que os compromete fatalmente. Enquanto que os atos anuláveis são aqueles que se constituem em desobediência a certos requisitos legais que não atingem a substância do ato, mas sim, a sua eficácia, tornando-os inaptos a produzir os efeitos que normalmente lhe deveriam corresponder. Enfim, os atos anuláveis são eivados tão-só de nulidade relativa.

[37] Art. 66. A acção ordinaria será iniciada por huma simples petição que ',deve conter: .' § 1.' O nome do autor e do' réo ; § 2.' O contracto, transacção, ou facto dos quaes resultar, segundo o Codigo. o direito do autor. e a obrigação do réu; (Vide em: http://arisp.files.wordpress.com/2008/04/decreto-737-de-1850.pdf , Acesso em 23/10/2012).

[38] Em Portugal, o processo civil inicialmente abrigou tudo originário do direito romano especialmente, os institutos jurídicos que foram disciplinados pelas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas.

Na primeira fase do direito português, não se cogitava em coisa julgada inconstitucional pela absoluta inexistência do controle de constitucionalidade. Paulo Otero enfatiza: “Segundo o antigo direito lusitano, dizia-se expressamente que o monarca estava sobre a lei, daí que (...) somente ao Príncipe (que não conhece superior), é outorgado por direito, que julgue segundo sua consciência, não curando de alegações, ou provas em contrário feitas pelas partes (...)” adiante ainda acrescenta: (...) “O Rei é a Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei, revogá-la quando vir que convém fazer-se assim”. Atualmente analisando o direito português como um todo, a atividade do poder público está subordinada aos princípios constitucionais e a certo controle que resulta na declaração de inconstitucionalidade de seus atos. Ressalta o mesmo doutrinador que o Estado Constitucional submete toda atividade do poder público ao princípio da constitucionalidade, ainda que isso não implique sempre tal como século passado, na existência de mecanismos de controle e declaração da invalidade de todos os actos do poder público. (In LEITE, Gisele. Sobre a coisa julgada. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/html/colunistas/gisele01.htm Acesso em 23/10/2012).

[39] Também os tribunais podem desenvolver uma atividade geradora de situações patológicas gerando decisões que não são fiéis à lei e desrespeitam os direitos individuais ou cujo conteúdo irá violar a Constituição. Considera-se o direito português processualmente incompleto, pois privado dos meios de garantia da Constituição perante decisões judiciais violadoras das suas regras e princípios, daí a polêmica contemporânea sobre a validade dos atos jurisdicionais inconstitucionais.

Observa-se igualmente uma evolução que passa a atribuir um maior encargo aos juízes, configurando os tribunais como guardiães da constitucionalidade e da legalidade da atividade de todos os restantes poderes públicos. (In LEITE, Gisele. Sobre a coisa julgada. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/html/colunistas/gisele01.htm Acesso em 23/10/2012.)

[40] Vide Jorge Luís Borges (1899-1986) autor História da Eternidade, tradução de Heloísa Jahn, São Paulo, Cia. Das Letras, 2010.

[41] A expressão constitucional vigente de coisa julgada particularmente contida no item VI do art. 301 do CPC desvincula-se de ser uma sentença transitada em julgado, irrecorrível e irretratável. E, atualmente só seria sustentável afirmar que a sentença de mérito que transitou em julgado (título judicial) é garantida pelo instituto da coisa julgada constitucionalizada, e não mais fonte originária de coisa julgada constitucional conforme se egressa do julgamento da res merital do objeto mediato do pedido.

Rosemiro Pereira Legal então aponta por excêntricas e impróprias as expressões como "coisa julgada inconstitucional, coisa julgada relativa e ainda a relativização da coisa julgada. ( In: LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012).

[42] A chamada Teoria do Processo como também o restante do Direito Público nessas duas últimas décadas do século passado vem sofrendo rupturas paradigmáticas, onde as concepções rígidas e tradicionais flexibilizaram, bem como se atenuou o rigor das formalidades, para enfim alcançar a mais célere efetividade judicial.

[43] Na Alemanha, a proteção da coisa julgada in albis em seu texto constitucional possui seu fundamento no princípio do Estado de Direito que tem como componente principal a garantia da certeza do direito, que não exige somente o regular desenvolvimento do processo, mas também a estabilidade de sua conclusão. E, seguem essa linha Rosenberg, Schwab e Gottewald.

[44] Pedro Lessa informava que a jurisprudência norte-americana não julga mais nula a lei inconstitucional, apenas a julga sem efeito, sem lhe tarjar de inconstitucional, apenas desprezando-a.

[45] Mas Paulo Otero argumentou que a declaração de nulidade da lei, fulmina ipso facto a validade da coisa julgada e da decisão baseada na lei tida como inconstitucional.

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