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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Violência na escola

A escola é o quarto lugar segundo o Mapeamento da Violência de 2012 elaborado por Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador da FLACSO (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais[1]) onde ocorrem mais atos violentos contra crianças e adolescentes. A cultura da violência permeia ambientes públicos e privados das relações sociais e pode explicar porque tanta negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão contra crianças e adolescentes que continuam frequentes mesmo após a promulgação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e do recente Estatuto da Juventude.

 

O fenômeno da violência na escola é muito mais antigo que se possa imaginar. Tanto que o tema já fora objeto de estudos nos Estados Unidos desde década de cinquenta. E, foi ganhando contornos mais graves ao ponto de se transformar num problema social e, hoje nos preocupamos com o bullying (termo é utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica intencional e repetidos, praticados por um indivíduo).

 

Aliás a palavra “bullying” advém do inglês bully que significa valentão ainda se referindo ao grupo de indivíduos que causando dor e angústia, promove ações executadas dentro de relação desigual de poder.

 

A palavra violência já nos traz imediatamente sua pluralidade semântica e expõe a dificuldade de sua definição. Porém, atentando para seu núcleo semântico através da etimologia que advém do substantivo latino violentiae que significa veemência, impetuosidade e remete ainda ao vis que significa força, do mesmo modo que o termo em grego corresponde à força vital.

 

Numa breve viagem etimológica mostra-se a vinculação do termo “violência” com as ideias de transgredir e de profanar, o que evidencia a sua relação essencial com o normativo e o sagrado, e desse modo, com aquilo que o pensamento grego diagnosticou como a falta de medida, e o excesso que habitam o homem e o faz transgredir a verdade, a justiça, e até as leis divinas expressam a ordem sagrada do mundo.

 

Em suma, atualmente essa violência relaciona-se com a disseminação do uso de drogas, da formação de gangues, narcotráfico e a facilidade de portar armas de fogo.[2]

 

E, ainda tem como contexto, o fato de que as escolas perderam o vínculo com a comunidade onde está inserida e acabam sendo incorporadas à violência cotidiana tão presente no espaço urbano.

 

Enfim, lamentavelmente a escola deixou de ser o porto seguro para as crianças e jovens adolescentes e, até mesmo para seus professores[3] e demais profissionais atuantes nas instituições de ensino.

 

Um em cada cinco adolescentes pratica de bullying no Brasil. A prática é mais comum entre meninos, e tem como vítima 7,2% dos estudantes consultados por pesquisa do IBGE com alunos do 9º ano (2011).

 

A PL 5.369 obriga que as escolas e clubes a adotarem medidas de prevenção, conscientização, diagnose e combate ao bullying foi finalmente aprovado em 26/06/2013.

 

A violência na escola não é mera questão disciplina e suas raízes e consequências da delinquência juvenil têm que ser vista numa ampla perspectiva onde se expressam também outros fenômenos como a globalização e a exclusão social.

 

A violência para o corpo discente está relacionada também com as precárias estruturas das escolas notadamente as da rede pública, além de um conteúdo programático por vezes engessado e, pouco interessante e atraente para a realidade dos alunos.

 

A violência também pode ser uma reação consequente a um sentimento de ameaça ou de falência da capacidade psíquica em suportar o conjunto de pressões internas e externas a que está submetido. Afinal, a criança, o jovem e o adulto refletem na escola suas frustrações agremiadas do seu dia-a-dia.

 

A escola conserva seu papel de formadora de hierarquia entre as classes sociais e, esconde, de certo modo, a chave dos papéis sociais, que é ao mesmo tempo[4] um segredo de polichinelo (essa expressão designa aquilo que todos já sabem, o que deixou de ser segredo, que já é de conhecimento público apesar de ser alardeado como novidade).

 

Várias pesquisas realizadas no Brasil procuram traçar o mapeamento desse fenômeno, bem como as causas e efeitos sobre os alunos, professores e o corpo administrativo e técnico das instituições de ensino.

 

Os primeiros estudos brasileiros sobre a temática datam de 1970 quando pedagogos e pesquisadores procuravam explicar o crescimento das taxas de violência e criminalidade.

 

Já em 1980 enfatizaram-se ações violentas contra o patrimônio da escola bem como depredações e as pichações.

 

Já na década de noventa, o foco da pesquisa passou a ser as agressões interpessoais principalmente entre alunos e alunos e professores.

 

Também organismos internacionais procuraram explorar os contextos violentos que emergiam no ambiente escolar, a percepção de atores internos e externos, regionalidades e tamanho dos municípios.

 

Nos últimos anos do século XX e no começo do século XXI a preocupação com o tema aumentou e tornou-se questionável a ideia de que as origens da violência não estão apenas do lado de fora da escola, ainda que se dê maior ênfase ao problema do narcotráfico, à exclusão social[5] e as ações de gangues.

 

A violência é uma questão multicausal e complexa e requer análises e estudos sérios e aprofundados. A miséria, o desemprego, as desigualdades sociais, a falta de oportunidades para os jovens e adultos e a presença insuficiente e inadequada do Estado só fazem aumentar as manifestações de violência no país.

 

Além da violência explícita há aquela mais difícil de detectar é a chamada violência sutil.

 

E, pode estar relacionada com o comportamento de professores, dirigentes e a falta de relacionamento com os alunos, as dificuldades de lidar com os discentes de diferentes realidades[6] sociais, a despreocupação ou falta de conhecimento no transmitir a utilidade daquilo que se ensina.

 

Para compreender adequadamente a violência nas escolas é preciso atentar tanto para os fatores internos bem como os externos à instituição de ensino.

 

Externamente influem diretamente as questões de gênero, as relações raciais, os meios de comunicação e o espaço social no qual está inserida a escola.

 

Por outro lado, também se deve analisar a idade, a série ou nível de escolaridade dos alunos, dos pais, as regras disciplinares dos projetos pedagógicos e a prática educacional em geral (são os fatores internos).

 

O educador Eric Debarbieux, um dos fundadores do Observatório de Violência Escolar, na Universidade de Bordeaux, a escola está mais vulnerável aos fatores e problemas externos como o desemprego e a precariedade da vida das famílias nos bairros pobres.

 

Em alguns casos somente na escola é que a criança, jovem ou adulta terá acesso à única refeição regular durante todo o dia. O que reforça de maneira crucial a importância da escolarização em tempo integral, promovendo o maior acesso à profissionalização e maior interação possível com a comunidade local.

 

O autor francês ainda menciona que o impacto da massificação do acesso à escola que passou a receber jovens afetados pela exclusão social[7] e pela participação em gangues.

 

Porém, existem possibilidades de lidar com as diferentes modalidades de violência e de se construir culturas[8] alternativas pela paz, adotando a tolerância e o diálogo como estratégia.

 

A UNICEF, por exemplo, entende que a questão da violência nas escolas deve ser tratada numa ampla perspectiva de garantia de direitos e da qualidade de educação.

 

A escola, serviços de saúde, assistência social e os Conselhos Tutelares e outros mecanismos e instituições são vistos como “agentes protetores” das crianças e adolescentes. E, possuem papel estratégico na defesa dos seus direitos.

 

Infelizmente há a tendência de se enfatizar os primeiros fatores (os externos) o que amenizaria a responsabilidade do sistema escolar diante do fenômeno da violência quando de seu enfrentamento.

 

O ideal, porém, é não isolar em único fator como possível causa ou antecedente. Prefere-se identificar os ambientes favoráveis à violência[9]. E se traçar estratégias preventivas e conciliadoras para essa patologia[10] social.

 

Os enfoques multidimensionais da violência por vários autores que defendem a importância de um tratamento transdisciplinar com a contribuição da sociologia, da ciência política[11], da psicologia, das ciências da Educação e do Direito, em particular, do direito penal e da criminologia.

 

Entre as várias pesquisas sobre o tema merece destaque a Pesquisa Nacional sobre a violência, Aids e drogas nas Escolas que culminou na publicação do livro “Violência nas Escolas” publicado em 2002 pela UNESCO sendo um dos estudos reconhecidamente mais abrangente que recorreu aos diversos enfoques, nos quais se apontou um conjunto de fatores de provável causa da violência, sejam estes, internos ou externos.

 

Outras obras relevantes são:

CASTRO, Mary Garcia (Coordenadora) et alii. Cultivando vidas, desarmando Violências: experiências em educação, cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em situações de pobreza. Brasília: UNESCO, BID, 2001;

WAISELFISZ, Júlio Jacobo (coord.) et alii. Juventude, Violência e cidadania: os jovens de Brasília. São Paulo: Cortez, 1998;

ABRAMOVAY, Miriam (coord.) et alii. Escolas da Paz. Brasília: UNESCO, Uni-Rio, 2001; da mesma coordenadora. Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO, Observatório de Violência. Ministério da Educação, 2005.

E, recentemente, Resposta do Setor de Educação ao bullying homofóbico. Brasília: UNESCO, 2013.

 

Esta pesquisa adotou uma concepção ampla de violência, incorporando não só a ideia de sevícia, a utilização da força ou intimidação, mas também as dimensões socioculturais e simbólicas do fenômeno.

 

Seguindo essa acepção, a violência escolar sempre resultaria da interseção de três conjuntos de variáveis independentes:

o institucional (escola e família),

o social (sexo[12], cor, emprego, origem socioespacial, religião, escolaridade dos pais e status socioeconômico) e

o comportamental (informação, sociabilidade, atitudes e opiniões).

 

Outros problemas como a precariedade de sinalização e da insegurança no trânsito, o que resulta no número expressivo de atropelamento ocorrido na comunidade escolar. E, alguns bairros, a segurança resta ainda comprometida no período noturno devido à deficiência de iluminação das ruas e mesmo da escola.

 

Também o fácil acesso às bebidas alcóolicas é outro motivador da violência, em 63% das escolas pesquisadas, verificou-se que os alunos frequentam bares, botequins próximos às escolas e algumas vezes desviando-se do caminho e faltando às aulas.

 

Outra causa apontada é a falta de segurança, apesar de não existir consenso em relação ser conveniente ou não a vigilância policial na escola. Muitos acreditam que seria ainda pior, mas as opiniões variam conforme a imagem que se tenha dos policiais.

 

Os inspetores de alunos, no entanto, defendem a ideia de que a vigilância policial presente nas escolas afugentaria os maus elementos desse ambiente. Porém, há alunos que simplesmente não confiam na polícia, e afirmam que esta, deve resolver sozinha seus conflitos[13].

 

Além disso, a relação entre alunos e policiais é delicada, principalmente pelo temor imposto e, pela reclamação dos policiais da falta de respeito por parte dos alunos.

 

Entre os diversos fatores encaminhadores à violência[14] está a desigualdade social que provoca a carência absoluta de condições mínimas de sobrevivência e tende embrutecer os indivíduos, com menor possibilidade de ascensão social, estudo e consumo[15].

 

Somando ainda as carências afetivas e causas socioeconômicas ou culturas que se misturam e tanto banalizam a violência explícita ou sub-reptícia.

 

Um dos maiores problemas, em muitas escolas, é a formação de gangues ou o tráfico de drogas no espaço escolar ou no seu entorno, levando ao total clima de insegurança. E, isso fragiliza a autoridade dos responsáveis pela ordem na escola a tal ponto de ficarem imóveis com receio de sofrer represálias.

 

Em muitos casos, os traficantes utilizam vendedores ambulantes e até mesmo alunos para a venda e distribuição de drogas. E, as gangues interferem na rotina escolar de variadas formas, ameaçando alunos, professores, dirigentes, demarcando territórios, impondo atos de vingança, proibindo o uso de certa cor de roupas e estabelecendo um clima permanente de tensão bem como outras barbaridades.

 

A referida pesquisa da UNESCO revelou ainda aspectos curiosos. O primeiro relacionado à estrutura física do estabelecimento, em geral separado do entorno por muros, cercas e grades.

 

Significativa parcela do alunado critica severamente a qualidade do ambiente físico principalmente das salas de aula, os corredores e pátios, embora ainda afirmem gostar da escola onde estudam.

 

Os locais preferidos pelos alunos são a cantina, lanchonete, o refeitório, a biblioteca quando existe, o laboratório de informático, o ginásio de esportes e o pavilhão das artes.

 

Apesar de algumas escolas se mostrarem mais flexíveis e aceitarem o diálogo, mesmos nos casos de abuso de poder por parte da instituição de ensino. Os pesquisadores demonstraram que aproximadamente um terço do aluno exibe comportamento indisciplinado. E, tal fato, tem peso considerável pelos significativos percentuais de evasão escolar no Brasil.

 

Um típico exemplo é a proibição de fumar nas escolas, regras bastante comum principalmente imposto ao alunado do período diurno. Enfim, o aluno não pode fumar, no entanto o professor e demais funcionários da escola estão liberados à prática tabagista. O estabelece um critério nada justo para impor a proibição e possíveis sanções.

 

O exemplo ético é um disciplinador natural e, sempre reforça as melhores práticas humanas. Sem o exemplo, o discurso moralizante se torna demagógico.

 

Os comportamentos negativos são combatidos com punições específicas, evitando as punições arbitrárias. A escola pode ser um lugar privilegiado no exercício da violência simbólica, praticada pelo uso de sinais de poder, medidas que silenciam protestos, exercidas não só contra um aluno para outro, mas também na relação com o professor e o diretor da escola.

 

Nas transgressões mais graves como pichações e vandalismos, o agressor pode ser transferido, expulso ou levado à delegacia de polícia local acompanhado pelos pais.

 

Há de observar a isonomia de tratamentos aos alunos transgressores, não concedendo tratamento diferenciado aos chamados “queridinhos da diretoria” que não são punidos severamente, ou seguem impunes desafiando os demais.

 

Há escolas que adotam castigos alternativos que podem ser tão ou mais severos que os habitualmente utilizados, pois costumam levar à situação de humilhação e constrangimento.

 

Muitos alunos reclamam da falta de critérios para aplicação de sanções e de abusos de poder por parte da escola.

 

Um relato de um aluno que se queixava do exagero da punição de um casal de alunos que namoravam no pátio e foram suspensos por uma semana enquanto que alunos flagrados usando drogas como lança-perfume, tomaram apenas, uma suspensão de dois dias.

 

O que nos força a deduzir que é mais grave simplesmente namorar do que drogar-se dentro do ambiente escolar. A ideia de que a escola seja um espaço para convívio social generaliza a situação de desconforto e desconfiança e, ainda fragiliza os laços afetivos entre os membros da classe.

 

Quanto às relações entre os alunos, estes alegam desunião e a falta de solidariedade, sendo comum a falta de coleguismo e diálogo.

 

Além da formação de grupos fechados, as chamadas “panelinhas” que impede a maior interação e aproximação com outros colegas.

 

Essa ausência de empatia e solidariedade[16] entre os alunos acaba se estendendo as outras relações, como a que liga professores e alunos.

 

Resta claro que as relações entre alunos possui influência na permanência na escola porque ali estes desfrutam de convivência social e se ligam afetivamente uns aos outros.

 

Já os professores são apontados como objeto de desgosto por uma parcela de alunos e o motivo é a estigmatização sofrida de várias formas pelos alunos.

 

Reforçando a descriminação e o incômodo por merecerem tratamentos diferenciados. O principal foco da indisciplina escolar são os alunos desinteressados, que sofrem carências materiais e humanos e, ainda, por terem professores incompetentes, desatualizados e despreparados.

 

A capacitação e reciclagem constante dos professores são importantes ferramentas motivacionais para aperfeiçoar a qualidade das aulas e minorar a indisciplina escolar.

 

Os jovens também reclamam por estarem sobrecarregados de matérias e da monotonia das aulas bem como a falta de acesso aos temas e cursos que tragam maior aplicabilidade prática.

 

Em muitas situações de violência colocam o professor na berlinda. Pois se o maior problema da escola é indisciplina, a falta de respeito, de responsabilidade, de educação que deveria ter sido recebida em casa.

 

E, alguns professores apontam a origem da indisciplina é a falta de limites. Por outro lado, alguns pais entrevistados julgam a indisciplina resulta do fato de que é uma escola enfadonha, com professores despreparados e não interessados em dar aulas, querem mais é se livrar das aulas e operam programas caducos e engessados.

 

A atenção e o diálogo são ressaltados pelos alunos, criando momentos lúdicos de aprendizagem, cogitando de assuntos atuais que despertem maior interesse dos alunos, além de conversar, debater, trocar opiniões sobre as principais decisões a serem tomadas nas escolas.

 

Sem dúvida alguma, a gestão participativa da escola pode conter relevante profilaxia à violência escolar.

 

A falta de comunicação entre professores e alunos causa intensa revolta dos alunos, inerentemente de sua idade ou grau de escolaridade em que se encontram. É bem possível que essa atitude afete a autoestima dos alunos que restam incomodados pelo fato de serem ignorados.

 

Há também forte crítica aos professores que só se preocupam com o repasse de conteúdo sem interesse em interagir com a turma. E, a situação dos mestres na sala de aula é desconfortável, pois muitos vivenciaram a falta de respeito.

 

E, tal quadro agrava-se cada vez mais seja nas escolas públicas ou privadas. E, nessas últimas, os alunos acreditam que pelo fato de pagarem pelo estudo tem o direito de enfrentar funcionários e professores.

 

Os alunos da rede particular de ensino se demitem da condição de aprendizes para se investirem na condição de cliente e consumidores.

 

Mas, a educação não é mercadoria como outra qualquer no mercado de consumo. Nesse sentido as provas e verificações entabuladas pelo MEC para aferir a qualidade de ensino são muito pertinentes.

 

Já os diretores são elogiados pelos alunos quando propiciam o diálogo, dão conselhos e proferem mediações. As qualidades mais valoradas do líder da instituição de ensino são a comunicabilidade, e a disponibilidade de atender e ouvir as reivindicações, além de oferecer flexibilidade para lidar com os conflitos na escola.

 

Para os pais, o diretor deve ser reconhecido por atitudes que demostrem sincera preocupação com os alunos. Também os talentos e habilidades intelectuais do dirigente bem como sua capacidade de exercer autoridade são enaltecidos na gestão da escola combatendo a violência.

 

Entre queixas frequentes aos diretores, revelam os alunos a falta de suas visitas às aulas, a falta de reunião e interação com os representantes de turma, a ausência na rotina escolar, o autoritarismo e o tratamento diferenciado aos alunos quando estão acompanhados pelos pais.

 

É importante que as escolas que se organizem com base nos princípios democráticos e construam as regras com a participação de toda comunidade escolar para conseguir maior comprometimento no que tange a sua observância.

 

Onde o aluno sente-se menos encorajado a testar os limites da conduta aceitável pelos adultos já que eles também serão cobrados pelos colegas.

 

A escola representa a chave do futuro, das oportunidades para uma vida melhor não devendo discriminar, estigmatizar e nem marginalizar o indivíduo. Deverá formar a cidadania, dando acesso às oportunidades de estudo, de ascensão social, de trabalho, de cultura, lazer e tantos outros bens e serviços do acervo civilizatório.

 

Com a finalidade de contribuir para uma cultura contra a violência faz sentido lidar com as discriminações, intolerâncias e exclusões no espaço escolar, mesmo que essas não deságuem em ameaças, brigas ou mortes, ou seja, que denotem a violência física propriamente dita.

 

Nos trabalhos promovidos pela UNESCO a exclusão social é estendida à falta ou insuficiência da incorporação de parte da população à comunidade política de social, conforme defende a Miriam Abramovay[17] na sua obra “Gangues, Galeras, Chegados e Rappers – Juventude, Violência e Cidadania nas cidades da Periferia de Brasília” (Editora Garamond, 1999).

 

Cultivando a vida, desarmado violências e promovendo a visibilidade social de experiências de trabalho com jovens no campo da arte, da cultura, do esporte e da cidadania, a escola se reafirma em sua grande missão social que possui.

 

Peço a vocês que visitem a página da UNESCO que é www.unesco.org e acessem as várias publicações disponíveis inclusive até para acesso gratuito.

 

As medidas contra a violência escolar partem de três premissas gerais: realizar diagnósticos e pesquisas para conhecer o fenômeno em sua forma concreta, conseguir legitimação pelos sujeitos envolvidos (o que pressupõe participação da comunidade escolar) e fazer monitoramento permanente das ações nas escolas.

 

A prevenção da violência é fundamental!

 

O acesso à cidadania, a escola, a educação e o processo de “ensino- aprendizagem” funcionam como salvo-conduto moral, sendo um passaporte para a entrada na sociedade contemporânea onde o estudo é cada vez mais um requisito indispensável para empregabilidade no mercado laboral.

 

Com relação à crença de que violência pode ser instrumento de protesto estético através da depredação dos símbolos do Estado e do capitalismo nada mais falacioso e enganador.

 

Se isso fosse verdade e realmente eficaz, todas as revoluções e guerras sangrentas consagrariam os agressores como vitoriosos e, não é isso afinal que confirmou a história da humanidade.

 

A violência não conquista nada e nem constrói um possível diálogo para superar crises e encontrar soluções para os conflitos humanos.

 

A violência desumaniza, degrada e trucida muito mais os inocentes do que os verdadeiros algozes de todo nosso sofrimento e insatisfação. O uso da força e violência foi e sempre será peculiar das ditaduras e dos regimes autoritários.

 

Não adianta invadir quantas favelas quiserem que a paz só será obtida com o desmonte efetivo da violência objetiva, sistêmica e simbólica. Com firmes investimentos na educação, saúde e na cidadania plena.

 

A guerra contra o narcotráfico transmitida ao vivo e a cores pelas TVs e a mídia em geral e, fartamente noticiada pelas revistas e jornais só fazem reforçar a violência simbólica. Pessoas raivosas destilam seu ódio prepotente defendendo a morte aos bandidos[18] para acabar de vez com a violência. Eis aí, o paradoxo.

 

Cogita-se ainda ironicamente na “paz armada” engendrada pelas polícias e por unidades pacificadoras (UPPs) aonde existem ainda homicídios, desaparecimentos e tiroteios inexplicáveis e ainda perdura a presença constante do medo.

 

A violência e civilização não são excludentes, mas ao revés se relacionam intimamente. Sendo incrementado pelo crescimento econômico, o desenvolvimento tecnológico, as conquistas políticas e jurídicas, a dominação da natureza e a racionalização do mundo.

 

Enfim, por tudo aquilo que caracterizamos e consagramos como o progresso moderno e, que não elimina sozinho a violência, uma vez que não é mero resíduo da agressividade humana que a dinamiza, e nem suposta regressão à vida primitiva.

 

É antes de tudo, uma condição antropológica[19] e uma possibilidade inerente da civilização. Amamentada pela falta de respeito à dignidade humana, pela existência de famílias[20] e grupos abaixo da linha da pobreza, sem menores condições para sobreviverem ou simplesmente existirem em sua cidadania.

 

Uma educação humanizante e da paz é capaz propiciar a convivência harmoniosa e dirimir conflitos de forma pacífica. É necessário resgatar e valorizar o papel do professor enquanto educador, para que além de garantir aos seus alunos a possibilidade de ascensão pessoal e profissional, possa também contribuir para torná-los pessoas críticas e conscientes de suas responsabilidades.

 

Essa conscientização dos alunos e da comunidade sobre as consequências da violência e da criminalidade podem e devem começar na escola e deve ser reforçada por campanhas de combate à violência com apoio dos meios de comunicação de massa e outras instituições de mobilização que reforcem a inclusão da cidadania e diminuam a vulnerabilidade social.

 

No Brasil, o programa “Abrindo Espaços: Educação e Cultura pela Paz” fora criado pela UNESCO com base em várias pesquisas sobre o tema envolvendo jovens brasileiros e, já foi implantado no Rio de Janeiro no Projeto “Escola de Paz” e também em duzentas escolas públicas que abrem suas portas nos finais de semana, aproveitando talentos e a produção cultural da própria comunidade.

 

O referido programa também fora assumido pelo MEC e está em fase de implantação em três unidades da federação brasileira, chegando atualmente a um total de seis estados em 2005.

 

É chegada a hora de planejar políticas públicas que se preocupem com a prevenção da violência e não somente com medidas repressivas. Deve-se enfim, na escola ter uma proposta pedagógica atraente e acessível à linguagem juvenil, principalmente considerando os jovens como principais protagonistas dessas políticas.

 

E, fechando essa minha breve exposição, enfim recorro finalmente a Mahatma Gandhi que com intensa sabedoria, nos deixou algumas frases que podem inspirar novos caminhos e felizes finais.

 

“Olho por olho, e o mundo acabará cego”.

“A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita”.

Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo”.·.

Foi a cultura da não-violência que Gandhi disseminou que ajudou efetivamente a libertar a Índia do então Império Britânico.

Lembremos que eu sou o outro[21], e nada sou sem o outro. Ou como sabiamente resumiu Padre Antônio Vieira: “o todo sem a parte, não é o todo. E, a parte, sem o todo, não é parte”.

Combater a violência e buscar sempre que possível às soluções pacíficas preservará não só a educação, a escola, mas sobretudo, a perpetuação do legado da humanidade.


[1] Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais é um organismo internacional, intergovernamental, autônomo, fundado em 1957 pelos Estados Latino-americanos a partir de uma proposta da UNESCO. A FLACSO tem um comitê diretivo em Santiago do Chile e outro setor dedicado à pesquisa social comparada, o Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais (CLAPCS) no Rio de Janeiro. Verifique também o site www.mapadaviolencia.org.br

[2]Os dados da pesquisa da UNESCO indicam que as armas de fogo estão presentes em menor proporção, são mais encontradas as chamadas “armas brancas” do tipo faca, facão, canivete, estiletes, porretes, cacetes, correntes e tesoura.

[3]Já tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 6.269/09 que criminaliza a agressão contra professores, dirigentes educacionais, orientadores e agentes administrativos de escolas. E, a pena prevista é de quatro anos de detenção, em casos de agressão física, e de três anos, em caso de agressão moral. Em novembro de 2009, foi aprovada pela Comissão de Educação e Cultura do Senado, o Projeto de Lei 191/2009 que cria barreiras e punições contra alunos que cometerem agressão contra o docente. O projeto de lei aprovado não exclui as punições previstas no Código Penal e no ECA.

[4]A violência do tempo não termina com a morte porque as criações fantasmagóricas fazem os mortos regressarem perturbando o mundo dos vivos. O tempo é violência e imputa a alma perdas irremediáveis e no corpo deixa sua marca indelével: que é o envelhecimento. Afinal a morte é a derradeira e suprema violência que é infligida à humanidade, e com esta, o tempo deixa no ser do homem uma violência aberta.

[5]A expressão exclusão social tem sua origem no modo francês de classificação social relacionado com pessoas e grupos desfavorecidos. O sociólogo francês Roberto Castel definiu a exclusão social como o ponto máximo atingível no decurso da marginalização sendo este, um processo no qual o indivíduo vai progressivamente se afastando da sociedade através de rupturas consecutivas com a mesma.

[6]A diferença social pode gerar intolerância preconceito, discriminação. Temos aí uma violência que surge pela intolerância ao diferente, ao discrimina pobres, negros, homossexuais, maus alunos, rejeita os gordos e os feios. E, na sociedade pós-moderna e de consumo, a aparência e a reputação são elementos relevantes.

[7]A exclusão do jovem drogado não é a mesma do desempregado. As trajetórias e as situações vividas por meninos de rua, jovens usuários de drogas, favelados, trabalhadores desempregados ou biscateiros, homossexuais, umbandistas, negros e mestiços são muito diferentes entre si, o que exige políticas públicas diferentes para reintegrá-los.

[8]A cultura da paz está intrinsecamente relacionada à busca de estratégias que possibilitem a resolução não-violenta dos conflitos, priorizando o diálogo, a negociação e a mediação, de forma a criar uma consciência de que a guerra e a violência são inaceitáveis. É a cultura baseada na tolerância, na solidariedade e no respeito aos direitos individuais e coletivos.

[9] Nem sempre a escola busca alguma forma de resolução dos conflitos ou reage quando da ocorrência de algum ato violento. Existem escolas que se omitem e não tomam providência. Uma forma de lidar com conflitos, sem a intervenção direta do corpo pedagógico e se antecipando aqueles, é recorrer à instalação de equipamentos de segurança. A escola vigiada se transforma num Big Brother.

[10] A violência é uma patologia da agressividade. Não é possível dar conta dela sem aprender a dominar a relação entre segurança e insegurança que liga e desliga angústia e emoção na relação de conflito.

[11] A filosofia política tem por missão interrogar-se sobre o fenômeno da violência para definir sistemas de valores (justiça, liberdade, autonomia e direitos humanos) a fim de garantir as condições de equilíbrio social de modo a manter a sociedade aquém do limite que marca o abandono ao sistema totalitário. É o Estado de Direito que retira o homem do estado de natureza e permite ultrapassar a violência original, possibilitando ao homem resistir, inventar a humanidade. Na democracia, a violência figura como desafio.

[12]O sexo, a raça e a idade atuam como referências no plano da violência no Brasil há tempos, ainda que, mais recentemente, venha se destacando a tendência para serem cada vez mais jovens os que sagram e os que são sangrados.

[13]Quando ocorreu aquela tragédia em Realengo, no Rio de Janeiro, cogitou-se de colocar guardas municipais monitorando entrada e saída de alunos.

[14] A violência é seletiva e as violências nas escolas são também regulações inconscientes e institucionalizadas das relações sociais. A sociedade civil sabe disso. O caráter de reciprocidade e de coletividade da violência legitima-a tornando-a uma forma de revide. Isso demonstra bem que a sociedade violenta constrói-se na exclusão das formas de mediação, na exclusão do terceiro.

[15] A verdade que os jovens sentem-se discriminados por várias razões: por serem jovens, pelo fato de morarem na periferia ou favelas, pela aparência física, pela maneira como se vestem, pelas dificuldades de encontrar trabalho, pela condição racial e até pela impossibilidade de se inscreverem nas escolas de outros bairros. Há reações contra os jovens que aprendem dança e música, e eles próprios são violentos contra homossexuais.

[16]É precisamente onde a falência afetiva da solidariedade que provocou a fuga paradoxal dos contatos interpessoais. Na escola verificam-se vários tipos de agressão direta ou indireta, chegando-se até, inclusive, a autoagressão, e todas as questões orbitam em torno do indivíduo, de sua aparência, de sua reputação, principalmente concernente a sua identidade.

[17]Aliás, a autora em seu site http://www.miriamabramovay.com/site/index.php com grande pertinência escreveu que o problema para os jovens de favelas cariocas com UPP, mostra que o maior inimigo dos moradores das comunidades pacificadas está longe de ser vencido. A pobreza é ainda o maior obstáculo em suas rotinas (o estudo foi coordenador pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO em parceria com a UERJ).

[18] Deveriam clamar pela morte da miséria, da corrupção e da falta de respeito à cidadania.

[19] A primeira violência vivida pelo ser humano é o traumatismo do nascimento, é a violência ontológica, fundadora da vida através da expulsão do meio intrauterino, que é calor, proteção, e vai para meio exterior, o mundo das rudes necessidades. Também a infância é palco de múltiplas violências: as próprias do psiquismo e as exercidas pelo ambiente, entre estas a educação que se processa sob duas formas: a violência intelectual e a cultural. A primeira violência é exercida no processo de transmissão de conhecimentos; a segunda, equiparando o sujeito como modelos de comportamento, sensibilidade e compreensão a fim de integrá-lo na sociedade. Na adolescência, o ser humano experimenta uma violência orgânica, pelas transformações do corpo. Nesta peculiar fase, a violência social se manifesta em todos os níveis: repressão e regulação da sexualidade, estruturação, pressões educativas e profissionais. A sexualidade, o trabalho e a racionalidade aparecem marcados pelo pecado, a maldição, a interdição e a transgressão.

[20] A família foi historicamente perdendo funções que foram transferidas para instituições socialmente especializadas (partidos políticos, escolas, bancos, igrejas e, etc.).Dessa forma a escola nasce vocacionada no mundo moderno para transforma o servo em cidadão. Ao longo da história da escola, uma enorme diversidade de funções e tarefas lhes foram atribuídas, como a transmissão do saber acumulado e sistematizado às novas gerações, a transformação em cidadão, para ser tornar apto a participar da vida em sociedade, preparação para o trabalho, formação moral e ética, com o desenvolvimento de valores e moral necessários ao convívio social.

[21] A cooperação, a ajuda mútua, o afeto, as relações fazem e sustentam uma vida atribuindo à existência e comunicando o que não se acha na sociedade de consumo, garantindo às pessoas uma identificação fundamentada em elementos sólidos, cuja lógica atravessa gerações. As identificações deveriam ser o fundamento da pedagogia da socialização. Nós somos feitos de outros.

domingo, 7 de julho de 2013

Direito das Obrigações: versão contemporânea

 

Resumo:

A importância do Direito das Obrigações compreende as relações jurídicas que constituem as mais desenvoltas projeções da autonomia privada na esfera patrimonial. Sua atual perspectiva leva em conta muitos aspectos, principalmente a da eticidade e da dignidade humana. Só assim os pactos farão as riquezas circularem entre outras riquezas igualmente respeitadas.

 

Palavras-chaves: Direito Civil. Direito das Obrigações. Código Civil de 2002. Perspectiva contemporânea.

 

Abstract:

The importance of the Law of Obligations comprising the legal relationships which are the most desenvoltas projections in the sphere of private autonomy sheet. His current perspective takes into account many aspects, especially the ethical and human dignity. Only then will the riches pacts move between other wealth equally respected.

Keywords: 

Civil Law. Law of Obligations. Civil Code of 2002. Contemporary perspective.

 

Por tratar o direito das obrigações[1] de um ramo do direito civil menos sensível do que os demais ramos que são sujeitos à influência de fatores políticos, morais e religiosos, este veio a se nutrir da grande cooperação entre a doutrina de vários países, mesmo os de diferentes famílias jurídicas, formando-se o que chamamos de verdadeira teoria geral das obrigações.

Em quaisquer ramos que tenha incidência o direito das obrigações, pode-se afirmar que há imperativa necessidade da existência de relações obrigacionais, decorrente essencialmente da lei, para que o indivíduo vinculado à prestação venha se conduzir nos limites permitidos e previstos pela ordem jurídica, prevendo-se também as consequências das convenções ajustadas para observar os interesses recíprocos como razão última do desenvolvimento da sociedade, abstraindo-se o egoísmo e valorizando-se o bem comum e a dignidade humana como deve prevalecer.

A importância do direito das obrigações no fundo representa a base de toda a construção dogmático do Direito Romano[2], que acabou tendo notável influência em toda família jurídica romano-germânica.

É possível afirmar, então, que toda a vida jurídica de hoje se desenvolveu e ainda se desenvolve sob a influência do direito das obrigações, porquanto retrata a estrutura econômica da sociedade, voltada para a constituição de patrimônios compostos essencialmente de títulos de crédito correspondente às obrigações.

As relações creditórias mais do que quaisquer outras entre os homens requerem o indispensável fenômeno da colaboração econômica. As obrigações permitem o tráfico jurídico, isto é, a troca de bens, a prestação de coisas ou de serviços realizada segundo as normas de direito, e constituem, inclusive, o meio adequado para consegui-las.

Indubitavelmente o direito das obrigações se apresenta como ramo jurídico fortemente influenciado pelo princípio da autonomia privada que hoje exige crescente ingerência publicística sobre alguns setores das relações creditórias, conforme podemos perceber do Código de Defesa do Consumidor[3], o qual representa verdadeiro microssistema disciplinador das relações de consumo.

Esse dirigismo contratual vivenciado contemporaneamente representa um corretivo social para se conseguir a justiça distributiva visando estabelecer equilíbrio aos interesses conflitantes, sempre tendo como direcionamento o bem comum.

Tendo sido afetado pela intensa revolução de todo direito civil, e quiçá do direito privado brasileiro, por conta da releitura das regras e princípios constitucionais, ganhando uma abordagem evolutiva e interpretativa de suas funções e disposições legais vigentes.

Ensina a teoria do pagamento que ao lado do pagamento direto que é formal normal de extinção do vínculo obrigacional[4], há também outras situações onde as obrigações cumprem-se, ocorrendo determinadas circunstâncias, por modos equivalentes.

As obrigações cumpre igualmente seu ciclo vital posto que nasçam de diversas fontes (tais como a lei, o contrato, os atos unilaterais e atos ilícitos), se desenvolvem propiciando a circulação de riquezas e, finalmente, extinguem-se.

Em regra, a extinção obrigacional ocorre pelo pagamento o que os romanos chamavam de solutio, palavra derivada de solvere. O cumprimento da solução corresponde à antítese da obligatio e representa o meio mais típico e prefeito para a extinção da relação jurídica obrigacional.

A palavra “pagamento” é comumente usada para indicar a solução em dinheiro de alguma dívida, o legislador a empregou no sentido técnico-jurídico de execução de qualquer espécie de obrigação.

Assim pagamento[5] significa, pois o cumprimento ou adimplemento de obrigação. Nosso Código Civil confere o nome de pagamento à voluntária da prestação debitória tanto quando realizada pelo devedor ou por terceiro seja interessado ou não na extinção do vínculo obrigacional.

Aplicam-se ao cumprimento obrigacional dois princípios o da boa-fé ou diligência normal e o da pontualidade. Lembrando que o primeiro princípio reforça a eticidade das relações obrigacionais e que exige comportamento honesto e leal[6] não somente nas tratativas, como também a formação e o cumprimento do contrato. E, mesmo após o cumprimento obrigacional.

O princípio da boa-fé guarda vinculação com o princípio jurídico segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Entende-se que o devedor não se obriga apenas pelo expresso teor no contrato, mas por todas as consequências segundo os usos, a lei e a equidade derivam deste (art. 422 do C.C.).

Já o princípio da pontualidade exige não só que a prestação seja cumprida em tempo no momento aprazado, mas de forma integral, no lugar e modo devidos. Somente a prestação devidamente cumprida de forma integral desonera o obrigado, salvo o caso de onerosidade excessiva reconhecida em sentença (arts. 478 ao 480 do C.C.).

O credor não pode ser forçado a receber por partes, se não convencionado, ainda que a prestação seja divisível. Além do modo normal de extinção obrigacional feito pelo pagamento[7], há os modos anormais ou defectivos também considerados como meios de pagamento indireto.

Entende Flávio Tartuce que as regras especiais de pagamento são atos unilaterais, como no caso de consignação, imputação, subrogação legal. E, as formas de pagamento indireto são negócios jurídicos ou atos bilaterais tal como a subrogação convencional, na dação em pagamento, na novação, na compensação, na remissão e na confusão obrigacional.

Há o pagamento espontâneo quando o devedor adimplir naturalmente como também quando efetua a prestação depois de interpelação, notificado ou condenado em processo de conhecimento ou até mesmo no decurso de processo de execução. Conforme informa o art. 794, I do CPC a execução se extingue quando o devedor satisfaz a execução.

Mas não há o cumprimento obrigacional se a prestação ou seu equivalente é realizado pelos meios coercitivos (venda forçada em hasta pública de bens penhorados).

É muito controvertida a natureza jurídica[8] do pagamento. E a dificuldade de se precisar a referida natureza reside no fato principalmente no fato de o pagamento poder ser efetuado de diversas formas configurando cumprimento ou execução de qualquer espécie de obrigação.

Pode ocorrer nas obrigações de dar, na modalidade de tradição da coisa; de fazer, sob forma de prestação de fato ou de serviço; e de não-fazer, na forma de abstenção.

Para alguns doutrinadores, o pagamento não passa de um fato jurídico, ou seja, de um acontecimento da vida relevante para o direito, meramente extintivo de uma obrigação.

Evidentemente, o pagamento corresponde também a um ato jurídico em sentido amplo, na categoria de atos lícitos. Há ainda doutrinadores sustentam que o pagamento como negócio jurídico, havendo alguns que o considera como bilateral e outros unilateral.

Já outros, o veem como ato jurídico em sentido estrito, havendo uma oscilação, pois ora é considerado negócio jurídico e ora é visto como ato jurídico.

Há ainda correntes doutrinárias que definem o pagamento como ato não livre e ato devido (vinculado, pois precisa ser praticado para extinguir a relação obrigacional) segundo Carnelutti.

Orlando Gomes efetivamente aponta não ser possível qualificar uniformemente o pagamento. Sua natureza depende da qualidade da prestação e de quem o efetua.

Se feito por terceiro é um negócio jurídico, e, igualmente, se, além de extinguir a obrigação, importa na transferência de propriedade da coisa dada pelo solvens ao accipiens, admitida em algumas legislações.

Em outras modalidades é ato jurídico stricto sensu. Portanto, trata-se de ato de natureza variável. Porém a relevância de saber com exatidão a natureza jurídica do pagamento consiste no fato que caso tenha natureza contratual ou de negócio jurídico bilateral estando este sujeito a todas as normas.

Assim, será nulo, por exemplo, se realizado por pessoa incapaz[9]. Todavia, entende-se que não se anula o pagamento defeituoso por erro, dolo ou coação, sendo cabível nessas hipóteses a ação de repetição de indébito.

Também o fato de que a viabilidade de certos meios de prova depende conforme as regras limitativas de alguns códigos, de não ser negócio jurídico, daí Orlando Gomes considerar que o pagamento corresponde a ato jurídico stricto sensu, ressalvadas as particularidades que impedem a solução única do busilis.

Roberto Ruggiero sustentou que a natureza negocial do pagamento, que ora se apresenta unilateral, e ora bilateral e só haverá interferência do credor quando a prestação consistir num dare onde se requer a aceitação do accipiens.

O grande mestre Caio Mário da Silva Pereira diante todas essas variantes, assinalou sabiamente que o pagamento pode ou não ser um negócio jurídico e será unilateral ou bilateral dependendo da natureza da prestação. Conforme para a solutio contente-se o direito com a emissão volitiva tão-somente do devedor ou para tanto tenha que concorrer a participação do credor.

E tal afirmação feita pelo mestre está suportada na lição Von Tuhr evidenciado o fato de que na verdade nem sempre se torna necessária para a eficácia do pagamento, a vontade direta de extinguir a obrigação.

A intenção daquele que paga é extinguir a obrigação[10] (animus solvendi) é deseonerar-se da qualidade jurídica de devedor, sem esta haveria uma doação ou um ato sem causa.

Não se exige, todavia, uma vontade qualificada, nem mesmo uma vontade dirigida à extinção da relação obrigacional, basta a mera intenção.

Dispõe o parágrafo único do art. 304 C.C. prevê que não somente o devedor, mas também o terceiro interessado pode efetuar o pagamento. Por vezes, apesar de ausente o interesse jurídico, há, por exemplo, o interesse moral (é o caso em que o pai paga a dívida do filho) embora não fosse ser responsabilizado patrimonialmente, ou mesmo os laços decorrentes da amizade ou de relacionamento amoroso.

Os terceiros não interessados[11] poderão até consignar diante a recusa do credor em receber, desde que, porém o façam em nome e à conta do devedor, atuando assim como seu representante ou gestor de negócios, salvo oposição deste.

Por outro lado é inoperante a oposição do devedor ao pagamento da dívida por terceiro não interessado, se o credor desejar receber. Só há um meio de evitar o referido pagamento, é o devedor antecipar-se ao terceiro não interessado.

Mas se este tiver meios para ilidir a ação do credor na cobrança do débito totalmente com a arguição de prescrição ou decadência, compensação, novação não ficará obrigado a reembolsar aquele que pagou (art. 306 C.C).

Portanto não é obrigado o devedor reembolsar o terceiro não interessado se tinha meios de ilidir totalmente a ação de cobrança.

Observe que o art. 305 C.C. só da o direito a reembolso ao terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome, em nome e à conta do devedor. Entende-se nesse cadso que desejou fazer uma liberalidade sem qualquer direito ao reembolso.

Aqueles a quem pagar dispõe o art. 308 C.C. que será o credor ou a quem de direito o represente. Não tem legitimidade para receber somente o credor originário mas quem o substituir na titularidade do direito de crédito[12].

Há três espécies de representantes do credor, a saber: o legal, o judicial e o convencional[13].

É mencionada em doutrina entre os representantes convencionais, a figura do adjectus solutionis causa pessoa nominalmente designada no próprio título para receber a prestação.

Tal terceiro não pode ter nenhuma relação material com a dívida e estar apenas a recebê-la. A dita autorização visa, em regra, beneficiar o devedor, facilitando-lhe o pagamento.

Por vezes, o designado adjectus solutionis causa é mero cobrador de conta alheia designado pelo credor. Nas duas hipóteses, a autorização é concedida para favorecer as partes e pode ser renegada a qualquer tempo.

Porém, se a cláusula é estipulada em favor do próprio adjectus, o negócio mais se aproxima a uma cessão, ou estipulação em favor de terceiro tal qual o seguro de vida, do que mandato sendo irrevogável e não se extinguindo com a morte do credor.

O pagamento[14] deve ser feito ao verdadeiro credor ou ao seu sucessor inter vivos ou causa mortis, ou a quem de direito o represente. Costuma-se dizer que quem paga mal, paga duas vezes.

Mas poderá ser validado o pagamento se feito ao terceiro sendo ratificado pelo credor confirmando o recebimento e fornecendo recibo, ou quando o pagamento se reverter em seu proveito e beneficio.

A dita ratificação retroage ao dia do pagamento e produz todos efeitos do mandato. O ônus de provar que o pagamento se reverteu em proveito do credor, é do devedor.

Informa o art. 309 do Código Civil brasileiro que o pagamento feito de boa-fé ao credor, putativo é válido, ainda provendo depois que não na credor.

Credor putativo é aquele que tem aparência de verdadeiro credor. É o caso do herceiro aparente, do locador aparente. Provada a boa-fé do devedor e dos pagamentos de aluguéis efetuados serao considerados válidos, ainda que aquele não seja realmente o legitimo credor.

Porém, o falso procurador não pode ser considerado credor putativo. Além da boa-fé, exige-se a escusabilidade do erro que provocou o pagamento, para a exoneração do devedor.

Se o erro que provocou o pagamento incorreto é grosseiro, não se justifica a proteção a quem argui com desidia, negligência ou imprudência.

Em princípio, o pagamento realizado ao absolutamente incapaz é nulo e o realizado ao relativamente incapaz e pode ser confirmado pelo seu representante legal ou pelo próprio quando for maior.

Outra observação é que a quitação[15] reclama capacidade do emitente e sem esta o pagamento não valerá. No entanto, se o devedor desconhecia a refreida incapacidade do credor-emitente, o cumprimento obrigacional sera valido ainda que o credor já tenha malbaratado a prestação. E, sera válido o pagamento independentemente de comprovação de que trouxe proveito ao incapaz.

Informa o art. 312 C.C., com efeito quando a penhora recai sobre um crédito, o devedor é notificado a não pagar ao credor, mas a depositar em juízo o valor devido.

Nas duas hipóteses mencionadas não valerá o pagamento efetuado diretamente ao credor. Se, a despeito da notificação, esse pagamento ainda se efetuar, poderá então o solvens ser constrangido a pagar de novo.

O objeto do pagamento é pois a prestação. O devedor não estará obrigado a dar qualquer coisa distinta da que constitui o conteúdo da prestação.

A substituição com efeito extintivo de uma coisa por outra, só é possível com o consentimento do credor. Quando, porém, este o aceita, configura-see a dação em pagamento, que valerá como cumprimento obrigacional e tem o poder de extinguir o vínculo jurídico. (art. 356 C.C.).

Quando o objeto da obrigação é complexo abrangendo diversas prestações ( sejam principais e/ou acessórias). O devedor não se exonera enquanto não cumprir a integralidade do débito na sua inteira complexidade.

O pagamento em dinheiroé a forma mais importante de cumprimento obrigacional e na qual todas as demais podem transformar-se. ( art. 315 C.C.). Sendo lícito convencionar o aumento progressivo das prestações sucessivas.

Dívida de dinheiro é representada pela moeda considerada em seu valor nominal ( o aporte econômico nesta expresso). Quando, no entanto, o dinheiro não constitui o objeto da prestação, mas apenas representa seu valor diz-se que a dívida de valor (onde o dinheiro valora o objeto). A obrigação de indenizar é decorrente da prática de ato ilícito e constitui dívida de valor.

Sempre se entendeu que, nas dívidas de valor, a correção monetária incide desde a data do fato, porque seu montante deve corresponder ao valor do bem lesado. Em verdade, a correção monetária apenas atualiza o valor final do débito, evitando assim o enriquecimento sem causa do devedor.

Outros exemplos dessa espécie de dívida podem ser mencionados, com a decorrente da desapropriação e a obrigação alimentar ( que representa a medida da necessidade do alimentando).

O Decreto 23.501, de 27/11/1933 instaurou o curso forçado, não podendo o pagamento ser realizado em outro padrão monetário salvo poucas exceções consignadas no Decreto-Lei 857/69. Moeda de curso forçado, portanto, é a única admitida pela lei como meio de pagamento no país.

A cláusula de escola móvel prescreve que o valor da prestação deve variar segundo os índices de custo de vida. Arnoldo Wald define a cláusula móvel como a que estabelece uma revisão preconvencionada pelas partes, dos pagamentos que deverão ser feitos de acordo com as variações do preço de determinadas mercadorias ou serviços ou índice geral do custo de vida ou dos salários.

É importante não confundir com a teoria da imprevisão que pdoerá ser aplicada pelo juiz quando fatos extraordinários e imprevisíveis tornarem excessivamente oneroso para um dos contratantes o cumprimento do contrato, e recomendarem sua revisão.

A teoria da imprevisão[16] derivou da antiga cláusula rebus sic stantibus que na Idade Média, era admitida tacitamente nos contratos de trato sucessivo e equivalia a estarem as convenções dessa natureza dependentes dda permanência da situação fática existente na data de sua celebração.

A proibição da chamada cláusula –ouro é antiga em nossa legislação. A Lei 10.192, de 14/02/2001 estabeleceu expressamente em seu primeiro artigo que as obrigações pecuniárias exequíveis no Brasil deverão ser feitas em real pelo seu valor nominal. Sendo vedados os pagamentos vinculados ao outo, ou a moeda estrangeira ou reajuste ou correção monetária expressas ou vinculadas a outra moeda de conta de qualquer natureza.

As exceções são previstas em lei especial e são os contratos de exportação e importação em geral, bem como acordos resultantes de sua rescisão, contratos de compra e venda de câmbio, contratos celebrados por pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional bem como a sua transferência ou modificação a qualquer título ainda que ambas as partes já estejam residentes no país.

O devedor inadimplente, descumpre a obrigação sujeita-se às consequências como pagar por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários advocatícios. Para desoneração do devedor exige-se a prova do pagamento total, ou seja, da quitação[17] da dívida.

O CPC não admite prova exclusivamente testemunhal para provar o pagamento, se o valor exceder ao teto legal ( arts. 401 e 403 ). Todavia, o CPC aceita a prova testemunhal quando houver prova por escrito ou se o credor não puder obter a quitação regular em casos como o de parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel.

O Código Civil estabele três presunções que facilitam essa prova, dispensando a quitação: a) quando a dívida é representada por títulos de crédito, que se encontra na posse do devedor; b) quando o pagamento é feito em cotas sucessuvas existindo a quitação da última; c) quando há quitação do capital, sem reserva dos juros, que se presumem pagos.

Adiante, o art. 324 C.C. informa que a entrega do título ao devedor forma a presunção de pagamento. Mas aduz o parágrafo único que porém ficará sem efeito a quitação se o credor provar, em sessenta dias, a falta de pagamento.

O credor poderá propor em face do devedor ação declaratória ou simples justificação avulsa dentro do prazo decadencial de sessenta dias, cujo termo inicial conta-se do dia imediatamente posterior ao do vencimento, devendo o credor comprovar que a obrigação não foi satisfeita pelo devedor até aquele momento. Lembrando que a decadência opera a perda do direito subjetivo material pelo decurso do prazo estabelecido para seu exercício.

Outra presunção iuris tantum é a estabelecida no art. 323 C.C: “Sendo a quitação do capital ser reserva dos juros, estes presumem-se pagos”.

Observe que a reserva de juros é acessória à principal, portanto, havendo quitação, presume-se que fora tudo pago, já que isso abrange também os juros. Deve o teor da quitação constar se houve o pagamento dos juros a ser pagos, pois caso contrário a quitação trará a presunçaõ relativa de que os acessórios se extinguiram em conjunto com o principal. Trata-se de mera presunção relativa, o que não impede que o credor realize prova em contrário.

Conclui-se que havendo a quitação do capital sem a descrição dos juros e nada dizendo sobre os acessórios, presumem-se pagos em conjunto com o principal. Comanda a lógica, portanto, que os juros deverão ser pagos em primeiro lugar.

Quando se estipula como local do cumprimento da obrigação, o domicílio[18] do credor diz-se que a dívida é portable(portable) pois o devedor deve levar e oferecer o pagamento neste local. A regra geral é a de que as dívidas são quesíveis (querables), ou seja, devem ser pagas no domicílio do devedor.

O Código Civil não cogita da hipótese de haver mudança de domicílio do devedor. Mas é razoável entender-se que pode o credor optar por manter o local originalmente fixado.

Se isso, todavia, não for possível, e o pagamento tiver que ser efetuado no novo domicílio do devedor, arcará com as despesas acarretadas ao credor, tais como taxas de remessas bancário correspondência etc.

Também é importante o tempo do pagamento[19]. Interessa tanto ao credor como ao devedor conhecer o instante exato de pagamento, porque não pode este ser exigido antes, salvo nos casos em que a lei determina o vencimento antecipado da dívida, como nas hipóteses previstas no art. 333 C.C.

De sorte que serem portáveis (portables), é necessário que o contrato expressamente consigne o domicílio do credor como local do pagamento.

O Código Civil não cogita da hipótese de haver mudança[20] de domicílio do devedor. Mas é razoável entender-se que pode o credor optar por manter o local originalmente fixado. Se isso, todavia, não for possível, e o pagamento tiver que ser efetuado no novo domicílio[21], do devedor, arcará com as despesas acarretadas ao credor.

Afirma Washington de Barros Monteiro com base em Van Wetter e Laurent que não pode o credor reclamar pagamento no último dia do prazo pois o devedor dispõe desse dia por inteiro. Portanto, o pagamento pode ser efetivado até o último momento do dia do vencimento.

Caio Mário argumentou que nosso direito positivo não esclarece essa dúvida, sendo prestimosa a invocação do direito comparado. O art. 358 BGB recomenda que se faça o pagamento nas horas habitualmente consagradas aos negócios.

Os bancos, por exemplo, acrescenta, têm horário de expediente, e irreal seria que se entendesse o tempo do pagamento a período ulterior ao seu encerramento. Assim findo, o horário bancário ou forense frustra-se a possibilidade de se efetuar o pagamento naquela data.

O Código Civil regulamenta o tempo de pagamento nas obrigações puras, distinguindo-as das condicionais. Trata, também separadamente, das dívidas cujo vencimento foi fixado no contrato (a termo) e das que não contêm tal ajuste.

O art. 329 C.C. aponta o motivo grave que permite o pagamento noutro lugar sem prejuízo para o credor. O motivo grave pode ser casos como doença, calamidade pública ou qualquer evento destrutivo. A mora se efetiva não só no caso de pagamento intempestivo, mas igualmente no caso de pagamento em lugar diverso ou noutra forma, diversaa da pactuada em contrato ou prevista em lei.

Qualquer que seja a gravidade do motivo para a satisfação da dívida em local diverso daquele avençado pelas partes, não poderá haver prejuízos ao credor, devendo, o devedor explicitar os motivos, arcar com o ônus da mudança.

Não há necessidade de notificação ou interpretação do devedor nas obrigações a termo, pois a ocorrência do dia do vencimento corresponde a uma interpelação. O inadimplemento o constitui em mora de pleno direito. A interpretação será necessária quando não houver expresso prazo assinado.

Em regra, a obrigação deve ser cumprida no vencimento, no entanto, existem duas exceções: uma relativa à antecipação do vencimento, nos casos expressos em lei, e, outra referente ao pagamento antecipado, quando houver prazo estabelecido em favor do devedor.

No caso de concurso creditório que ocorre nos casos de falência ou insolvência civil resta bem caracterizada a impontualidade do devedor. E, visa o vencimento antecipado da dívida permite ao credor habilitar o seu crédito e, assim, participar do rateio instaurado sobre o patrimônio do devedor.

Outro caso de possível cobrança antecipada é se os bens hipotecados ou dados em anticreses forem penhorados em execução promovida por outro credor. O que constitui ameaça ao credor com garantia real que corre o risco de perdê-la pelo desaparecimento do objeto, arrematado em hasta pública.

Finalmente, também haverá vencimento antecipado da dívida se houver diminuição ou mesmo extinção da garantia pessoal, como por exemplo a morte do fiador, ou da garantia real, como no caso de desvalorização, deterioração ou perecimento da coisa, por exemplo, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Tal reforço de penhora ou de garantia deve ocorrer em prazo razoável caso contrário sujeitar-se-á a cobrança da dívida antes mesmo de seu vencimento.

Outros dispositivos tais como o art. 1.425 C.C. que trata de penhor, hipoteca e anticrese, o art. 25 da Lei de Falências e o art. 751, I do CPC.

Nos contratos, o prazo se presume estabelecido em facor do devedor (art. 133 C.C.). Desse modo, se o desejar, poderá abrir mão do facor concedido pela lei, antecipando o pagamento antecipado, por preferir por exemplo, continuar recebendo os juros fixados a uma taxa conveniente, até o dia do vencimento da obrigação. Será obrigado a acentá-lo, porém, e com redução proporcional dos juros, se o contrato for regido pelo CDC (art. 5º, §2º).

Se não se ajustou a época para a realização do pagamento, o credor pode exigi-lo imediatamente. Assim, faltando o termo, vigora o princípio da satisfação imediata+

Realmente, o C.C. estabelece alguns prazos especiais como, por exemplo, o comodato que se presumirá para a extinção “o necessário para o uso concedido”, se outro não se houver fixado.

O art. 134 C.C. demonstra que os atos sem prazo são exequíveis desde logo, ou desde que feita a interpelação, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.

As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor provar de que deste teve ciência o devedor.

A doutrina mais recente encara a obrigação em seu aspecto dinâmico, reafirmando a existência de relação jurídica obrigacional principalmente por ter como conteúdo uma série de direitos e deveres de ambas as partes.

Assim, a obrigação é um processo[22] onde o credor assume o dever de cooperar com o devedor para o adimplemento da prestação.

A incidência da boa-fé é que gera a aceppção de cooperação (elidindo a ideia original de subordinação). Desta forma, há a geração de deveres de caráter bilateral e sempre respeitando a dignidade da pessoa humana.

Assinalamos a nova dogmática constitucional do contrato que migrou do individualismo à solidariedade ou socialidade. Com o pós-guerra surgiram grande constituições democráticas permeadas por valores sociais. E, presente forte dirigismo contratual refletindo os princípios sociais insertos nessas cartas constitucionais que estabelecem compromissos e metas a serem levados a cabo pelo legislador ordinário e perseguido pelo Poder Público em todos os aspectos e em todas as questões públicas ou privadas.

A Constituição deixa de ser “do Estado” e passa ser “do cidadão” o capacitando a exigir do seu semelhante, inclusive mediante provocação do Judiciário, o respeito de regras e princípios constitucionais cuja normatividade passou a ser francamente reconhecida.

No modelo contemporâneo de contratos, portanto, cada um dos princípios clássicos é confrontado um novo princípio capaz de lhe redimensionar sua abrangência e aplicabilidade. A liberdade contratual é informada pela boa-fé, considerada em seu aspecto objetivo e incidental em todas as falas negociais, qualificando a conduta das partes, e orientando a interpretação das avenças.

Conclui-se então que o vetusto pacta sunt servanda fora mitigado pela necessidade de se assegurar maior equilíbrio entre prestação e contraprestação; buscando obrigações inicialmente razoáveis; a relatividade dos efeitos do contrato é abrandada pelo reconhecimento de sua função social.

O contrato como fato social reconhecido por trazer repercussões que extrapolam os interesses dos contratantes e acarretando a superação do voluntarismo.

A nova realidade dos direitos patrimoniais que são ligados à propriedade e ao crédito merecem enfim atenta tutela na medida em que atuam como instrumento da realização da dignidade da pessoa humana. Consolidando-se como opção no ordenamento jurídico pela despatrimonialização superando o individualismo e a patrimonialidade como um fim em si mesma.

O direito privado contemporâneo centra-se na pessoa humana e nos seus valores existenciais superando-se o paradigma individualista. A tutela da patrimonialidade encontra seu fundamento na promoção da dignidade humana o que aproximou muito institutos anteriormente tão distantes e díspares tais como a propriedade e o contrato.

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[1] A palavra “obrigação” adquire predominantemente um significado estrito ou técnico, designando uma das grandes classes de relações jurídicas – as chamadas relações obrigacionais ou creditórias em que se divide o direito civil, nos termos da atual sistematização germânica. In COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das Obrigações. Coimbra: Almedina, 1979, p.45-46.

[2] Do Direito Romano há o sentido expresso na famosa definição das Institutas: obligatio est vinculum iuris quo necessitatis adstrungimur alienus solvendae rei, secundum nostrae civitatis iura, isto é, o vínculo de direito que nos constrange à necessidade pagar algo.

[3] A doutrina identifica que a Lei de Consumo tem como objetivo mor não só proteger a parte considerada mais fraca na relação contratual, mas também contrabalançar os desequilíbrios entre fornecedores de produtos e serviços e os consumidores. Assim, é muito relevante a atuação dos princípios da transparência, equidade e da boa-fé.

[4] A relação jurídica obrigacional pode extinguir-se de diversas maneiras: a) pelo pagamento direto ou execução voluntária da obrigação; b) pelo pagamento indireto; c) pela extinção sem pagamento; d) pela execuçã forçada em virtude de senteça.

[5] A respeito do pagamento Clóvis Beviláqua manifesta-se: “no primeiro sentido, o pagamento é o modo de cumprir as obrigações de dar, ou mais particularmente, de dar somas de dinheiro”. No segundo, a satisfação do prometido ou devido em qualquer variedade de obrigação.

[6] A fórmula treu und glauben demarca a boa-fé obrigacional proveniente da cultura germânica, traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que a marcaram no direito romano: ao invés de denotar fidelidade ao pactuado, como uma das acepções da fides romana, a cultura germânica inseriu, na fórmula, as ideias de lealdade (treu ou treue) e crença (glauben ou glaube), as quais se reportam as qualidades ou estados humanos objetivados. (In MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.411).

[7] Compõe-se o pagamento de três elementos fundamentais: a) o vínculo obrigacional que se refere a causa(fundamento) do pagamento; não havendo vínculo, não há de se pensar em pagamento sob pena de caracterização de pagamento indevido; b) o sujeito ativo do pagamento é o devedor(que é o sujeito passivo da obrigação); c) o sujeito passivo do pagamento: o credor (accipiens) que é o sujeito ativo da obrigação.

[8] Afirmar a natureza jurídica de algo, é, em linguagem vulgar, responder a pergunta: que é isso para o Direito?

[9] Credor incapaz não pode receber pagamento de dívida pessoalmente; o mesmo deve ser feito ao “representante legal” (ex.: pai, mãe, tutor). Exceções: se o menor usou do valor que recebeu para pagar uma dívida importante, por exemplo, conta da escola, plano de saúde, aluguel, etc., o pagamento pode ser tido como válido. Vide ainda: art. 310 C.C.: Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.

[10] A diferença entre o direito pessoal ou obrigacional e o direito real é aquele que recai diretamente sobre a coisa. Atribui a uma pessoa prerrogativas sobre um bem jurídico, como o direito de propriedade. É um poder jurídico que incide direto e imediatamente do titular sobre o bem, com exclusividade e contra todos (erga omnes).Já o direito pessoal é que atribui à alguém a faculdade de exigir de outrem determinada prestação de cunho econômico, como o direito de exigir o pagamento de uma nota promissória. Notabiliza-se por ser uma relação existente entre duas pessoas.

[11] O terceiro interessado é aquele que mesmo não sendo parte, vincula-se à obrigação, e pode ter seu patrimônio afetado caso a dívida, pela qual também se obrigou, não seja paga. Quando o terceiro interessado paga a dívida, este se subroga nas garantias e nos privilégios do subordinado. Temos como exemplos de terceiro interessado o fiador e o avalista. Já o terceiro não interessado não se vincula juridicamente à obrigação, possuindo apenas um interesse meta jurídico. Quando o terceiro não interessado paga a dívida em seu próprio nome, ele tem o direito de exigir o reembolso do que pagou, mas quando ele paga em nome do devedor não possui o mesmo direito.

[12] Excepcionalmente, o art. 309 C.C dispõe que será válido o pagamento feito a quem não era o credor, mas para que esse pagamento feito ao credor putativo tenha eficácia é necessária a boa-fé do devedor, ou seja, a existência de motivos objetivos que o levaram a acreditar tratar-se do verdadeiro credor . Efetivado o pagamento nessas condições, fica o devedor exonerado, só cabendo ao verdadeiro credor reclamar o seu débito do credor putativo. Credor putativo é aquele que, não só à vista do devedor, mas nos olhos de todos, aparenta ser o verdadeiro credor ou seu legitimo representante, como exemplifica Sílvio Venosa: “Suponhamos o caso de alguém que, ao chegar a um estabelecimento comercial, paga a um assaltante, que naquele momento se instalou no guichê de recebimentos, ou a situação de um administrador de negócio que não tenha poderes para receber, mas aparece aos olhos de todos como efetivo gerente. Não se trata apenas de situações em que o credor se apresenta falsamente com o título ou com a situação, mas de todas aquelas situações em que se reputa o accipiens como credor” ( IN VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil, volume II, São Paulo: Atlas, 2012, p. 174-180).

[13] Representante legal (decorre da lei) são os pais (que atuam na representação de seus filhos menores), os tutores e os curadores; Representante Judicial é nomeado pelo juiz, poderá ser o inventariante, o administrador judicial da massa falida (síndico), o administrador da empresa penhorada; Representação convencional é aquele que recebe mandato outorgado pelo credor, com expressos poderes especiais para receber e dar a devida quitação.

Na representação convencional, caso a prestação seja efetuada tanto ao representante como ao próprio credor, este será considerado válido e liberatório.

[14] Mas pagar não é só uma obrigação do devedor, pagar é também um direito, pois o devedor tem o direito de ficar livre das suas obrigações, é até um alívio para muita gente pagar seus débitos. Assim, o devedor pode consignar/depositar o pagamento se o credor não quiser dar a quitação, e o Juiz fará a quitação no lugar do credor. Veremos em breve pagamento em consignação. Espécies de quitação: 1) pela entrega do recibo, é a mais comum;

2) pela devolução do título de crédito (324), assunto que vocês vão estudar em Direito Empresarial/Comercial. (In MENEZES, Rafael. Disponível em: http://rafaeldemenezes.adv.br/assunto/Direito-das-Obrigacoes/4/aula/11 acesso em 01/07/2013).

[15] Quitação mediante recibo (art. 320 C.C.requisitos : valor da divida, pessoa que recebe, natureza da divida, assinatura do credor, data e local que ocorreu o pagamento); Vale postal; depósito em conta do credor;cheque nominal ao credor; TEF; Doc; Pagamento eletrônico, devolução do título representativo da dívida (Art. 321). Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido); Quitação total (atesta o recebimento de toda a divida) e parcial (atesta que a divida foi paga em partes); Quitação no direito do trabalho; (recibo de quitação na Justiça do Trabalho deve discriminar, detalhar, todas as verbas trabalhistas que estão sendo pagas); Mesmo se a divida foi contraída e exigiu instrumento publico, a quitação pode ser passada por instrumento particular, mesmo que o contrato tenha se revestido de instrumento público.

[16] Obrigação com faculdade de substituição ou faculdade de solução que são erroneamente chamadas de “obrigação facultativa”. Trata-se de uma obrigação com uma prestação única nas quais a lei ou a convenção entre as partes autoriza o devedor a substituir a prestação exigível por outra. A distinção com relação às alternativas se faz atendendo ao fato de que nestas haver diversas prestações na obrigação enquanto que na facultativa a obrigação é de prestar determinado fato ou entregar coisa devida, havendo a possibilidade de substituição para o devedor. Na alternativa a impossibilidade em relação a uma das prestações importa em cumprir a outra. Já na facultativa, a impossibilidade em relação à prestação principal extingue o vínculo obrigacional, não podendo o credor exigir a prestação facultativa.

[17] A quitação pode ser dada por instrumento particular, mesmo que o contrato tenha sido celebrado por instrumento público.

[18] Domicílio da pessoa natural é a sede de suas relações jurídicas, é o lugar onde esta fixa residência com animus definitivo, já o domicílio da pessoa jurídica é lugar indicado solenemente no contrato ou estatuto social que a constitui.

[19] A regra geral determina que o pagamento seja realizado no domicílio do devedor, a fim de se lhe evitar maiores depesas. Mas, podem as partes estipular diversamente. Como limites da autonomia privada, sendo exceção, podem-se citar: a) cláusula contratual de eleição; b) a entrega do legado; c) a mercadoria despachada por via férrea, com frete a pagar; d) o trabalho em determinado local; e) diplomata etc.

[20] O credor tem direito de receber a prestação livre de qualquer encargo ou gravame. Por essa razão as despesas com pagamento e quitação serão normalmente suprotadas pelo devedor, salvo estipulação em contrário. Mas, se as despesas forem acarretadas pelo credor, somente nesse caso, este terá de suportar as despesas realizadas pelo devedor, como no caso de mudança de domicílio. O art. 325 traz o equilíbrio para as partes na relação jurídica obrigacional e resta baseado na boa-fé objetiva, visando afastar o enriquecimento sem causa.

[21] Se o devedor tiver diversas residências, onde alternadamente viva, considerar-se-á domicílio se qualquer delas, é o que informa o art. 71 C.C. E, com referência às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

[22] Clóvis de Couto e Silva apontou que esta visão de obrigação como vínculo de cooperação entre as partes, jungidas a uma conduta seguindo os ditames da boa-fé objetiva, ganhando cada vez mais adeptos em nossa doutrina e também em nossa jurisprudência.

sábado, 25 de maio de 2013

Sócrates no banco dos réus (ou as várias versões de Sócrates).

O passado jurídico sempre traz à baila a reflexão sobre as relações entre direito, história e filosofia. As narrativas sobre o julgamento de Sócrates é menos que realmente do que teria acontecido e, muitas vezes, o narrador sofreu influências não só do meio social em que viveu mas sobretudo do relativismo epistemológico.

 
Pois o leitor com os olhos de hoje ousa fazer a leitura do mundo antigo e não está livre de sua época conforme já advertiu Adam Schaff. A filosofia da história permite questionamentos e persegue o passado enquanto a ação se perdeu no tempo.

 
E o historiador envolto em seu estilo próprio transita por entre diversas interpretações, seguindo a narrativa os caminhos da imaginação.

 
Entender o outro, a alteridade e a objetividade dos fatos que são desafios até hoje enfrentados. Percebemos que o tempo presenta inventa o passado, justificando-se. E na miragem helênica identificamos contradições no julgamento de Sócrates (que antes de ser condenado pelos homens de seu tempo, fora condenado pela sua própria crença em sua consciência).

 
Ao enfocar a biografia de Sócrates mergulhamos em contradições. Como homem, Sócrates fora reverenciado como um não conformista e que se rebelara contra a sociedade aberta, sendo admirador de sociedades fechadas. Como ateniense[1] desprezava a democracia e elogiava Esparta.

 
Sócrates fora filho do escultor Sofroniscos e da parteira Fenereta, era cidadão diligente, combateu na guerra, tendo salvado a vida Alcibíades. Casou-se com Xantipa[2] a quem se apontava uma reputação de rabugenta e mal humorada e, por contra, das intempéries da esposa, passava muitas horas na rua. Proseava, perguntava e desconcertava.

 
O método dialético[3] de Sócrates era a maiêutica ou “parto de ideias” onde o interlocutor descobre a verdade, parindo o conhecimento. Uma das características pessoais era o fato de ser irreverente tendo suscitado ódios e invejas que culminaram na acusação de impiedade.

 
A morte de Sócrates por ter sido condenado a ingerir cicuta[4] é um traço definidor na história da filosofia, provocando inúmeras reações eloquentes.

 
Sócrates vivia descalço e sem camisa, destituído de bens e de categoria social, retratando um professor inconformado cujo principal problema resumia-se em delimitar o próprio objeto ensinado.

 
A própria didática da maiêutica[5] nos remete não só ao autoconhecimento mas sobretudo a construção da aprendizagem instigada por perguntas e respostas sucessivas.

 
Del Vecchio aduziu: “Discutia Sócrates de modo peculiar, multiplicando as perguntas e a elas dando respostas de maravilhosa e contundente simplicidade. Ao contrário dos sofistas, que tudo afirmavam saber, declarava ele nada saber. Molestava-os com a sua ironia, e confundia-os, interrogando-os (ironia-pergunta, interrogação) sobre questões aparentemente simples, mas no fundo, muito difíceis. Deste modo, constrangia-os, indiretamente, a darem-lhe razão.” (DEL VECCHIO, Giorgio, in Lições de Filosofia do Direito).

 
Sócrates fora acusado[6] por Meleto, Aniton e Lícon de não reconhecer os deuses da cidade, e introduzir novas divindades e de corromper a juventude. Ação intentada contra Sócrates era um graphai, asebeias, ação de impiedade.

 
Qualquer manifestação de dúvida ou indiferença a respeito da religião da cidade era considerada atentado à unidade da comunidade sendo passível de uma ação pública.

 
Incumbiu-se Sócrates da própria defesa[7], e finda esta Anito e Lícon se apresentaram para ajudar Meleto cujos argumentos, Sócrates refutou. O quorum do tribunal que julgou Sócrates foi em quinhentos e um juízes, onde duzentos e oitenta votaram pela condenação enquanto somente duzentos e vinte e um votaram pela absolvição.

 
Mas existem pelo menos três versões de Sócrates, se é que existiu um Sócrates histórico. A versão de Aristófanes, a de Xenofonte e a de Platão.

 
Para Aristófanes, Sócrates era uma pessoa cômica, um pensador distante da realidade. Sendo amante da vida que enfrentou com temperança, pagou Sócrates com a vida o preço de sua fama. E, pela eternidade prosseguiu a glória embora maculada por Aristófanes que bem o retratou, em sua pela “As nuvens”.

 
O comediante também criticou os sofistas, tomando Sócrates por um deles. E suscitou uma questão ainda recorrente: tem o orador o dever dizer a verdade?
 

Aristófanes[8] zombou de Sócrates quando narrou: “Quando Sócrates observava a lua para estudar o curso e as evoluções dela, no momento em que ele olhava de boca aberta para o céu, do alto do teto uma lagartixa noturna, dessas pintadas, defecou na boca dele.” (In Aristófanes, As nuvens).

 
Em outra narrativa, Sócrates é visto pendurado numa cesta, observando os ares e contemplando o sol. E justificara estar pendurado pela necessidade de elevar seu espírito e elevar seu pensamento sutil com o ar igualmente sutil. “Se eu tivesse ficado na terra para observar de baixo as regiões superiores, jamais teria descoberto coisa alguma, pois a terra atrai inevitavelmente para si mesma a seiva do pensamento. É exatamente isso que acontece com o agrião.” (Aristófanes, As nuvens).

 
Tais diálogos denunciam Sócrates como pedante e alienado e ainda narra sobre um incêndio na cada do filósofo (ocasião em resmungara: “Ai! Infeliz de mim. Ou morrer miseravelmente assado”).
 
Metaforicamente o fogo na residência socrática sugere a miséria da filosofia e que deve ser queimada. O pensamento socrático incomoda e provoca. Conclui assim Aristófanes que o pensador é perigoso para a cidade.

 
A versão de Sócrates criada por Xenofonte o concebeu de forma mais simpática, tendo defendido seu mestre que sempre viveu à luz pública, relatou que de manhã saía a passeio e aos ginásios (...) mostrava-se na ágora à hora em que regurgitava de gente e passava o resto do dia nos locais de maior concorrência, o mais das vezes falava, podendo ouvi-lo quem quisesse. “Viram-no algum “ver-fazer” ou dizer algo contrário à moral, ou à religião.” (in Xenofonte, Memoráveis).

 
Xenofonte não poupou em defender Sócrates revelando-se estar admirado que os atenienses tivessem acreditado nas acusações contra Sócrates, justamente por nada ter praticado de ímpio e por ter adotado discurso e ser, reputado como o mais pio dos humanos.

 
A inocência de Sócrates é verdadeiramente o axioma[9] de Xenofonte. Axiomar um sistema é mostrar que suas inferências podem ser derivadas a partir de um pequeno, mas bem definido conjunto de sentenças. Na engenharia os axiomas são aceitos sem provas formais e suas escolhas são negociadas a partir do ponto de vista utilitário e econômico.

 
Passagem interessante narrada por Sócrates: “Quando seus amigos iam cear em sua casa e uns levavam pouco, outros muito, Sócrates mandava o criado pôr em comum num prato menor ou reparti-lo fraternalmente entre os convivas. Os que levavam mais teriam vergonha de não servir-se do que era posto em comum e em comum pôr também o próprio prato, sendo assim, constrangidos a fazê-lo”.

 
Segundo Xenofonte, o filósofo Sócrates[10] era compreendido por todos, o que configura antinomia com a descrição feita por Aristófanes para quem era incompreendido e afetado. As referências de Xenofonte invocam o sábio calmo, conduzindo seus interlocutores à compreensão da existência humana, calibrada pelo belo, justo e útil.

 
Procurava Sócrates em incutir nos discípulos as ideias sábias concernentes aos deuses. Esforçou-se muito Xenofonte pela defesa de Sócrates mostrando-o como temente aos deuses, patriota e amigo da juventude. Os textos de Xenofonte vislumbram a realização da justiça nos atos e palavras do filósofo e mestre que fora injustiçado pelas opiniões e pelos olhares de ciúme, cobiça e emulação. Em verdade, o que foi letal à vida de Sócrates não fora a ingestão de veneno e, sim, a inveja[11].

 
A maiêutica socrática funcionava a partir de dois momentos essenciais: um primeiro em que Sócrates levava os seus interlocutores a pôr em causa as suas concepções e teorias sobre um assunto; e um segundo momento em que conduzia os interlocutores a uma perspectiva sobre o tema.

 
Daí ser a maiêutica um autêntico parto de ideias. Sócrates procurou dar maior ênfase à procura do que se não sabe, do que transmitir o que julga saber, privilegiado a instigação permanente.

 
Nos diálogos de Platão há o relato que Sócrates tinha recebido ao exército em várias batalhas e, Estrabão contou que, após uma derrota ateniense em que Sócrates e Xenofonte haviam perdido seus cavalos.

 
Sócrates encontrou Xenofonte caído no chão, e carregou-o por vários estágios até que a batalha terminou. (Estrabão, Geografia, Livro IX, Capítulos 2 e 7).

 
Os paradoxos socráticos são posições éticas defendidas que vão contra (para) a opinião (doxia) comum. Os principais paradoxos são: 1) a virtude é conhecimento; 2) Ninguém faz o mal voluntariamente; 3)As virtudes constituem uma unidade; 4) É preferível sofrer uma injustiça a cometê-la. (Górgias) ou jamais se deve responder a injustiça pela injustiça, nem fazer mal a outrem, nem mesmo àquele que nos fez mal (Críton).


A respeito do segundo paradoxo acima citado confirmava Sócrates por atribuir o mal à ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis.

 
Sócrates fora notório cumpridor das leis, tendo sido o primeiro dos positivistas. No entanto, observou Xenofonte[12] que o filósofo deixou de acatar as ordens dos trinta tiranos, então como foram conhecidos os governantes de Atenas.

 
É que no juízo de Sócrates, o pai da maiêutica, tais ordens eram declaradamente ilegais. Continha um íntimo juízo de controle de legalidade (eram ordens avessas às leis, desta forma, quando lhe proibiram o palestrar com os jovens e, o encarregavam juntamente com outros cidadãos, de conduzir um homem que intentavam assassinar, só ele se recusou de obedecer, porque tais ordens eram ilegais).

 
Insistiu Xenofonte a apontar que Sócrates induziu à prática do bem. Tinha sempre presente no espírito os caminhos que conduzem à virtude e não se cansava de lembrá-los aos que frequentavam suas aulas peripatéticas.

 
Ao final, Xenofonte convoca aos leitores a compararem a grandeza do mestre em face de outros homens. Também redigiu apologia de Sócrates, tal qual Platão. Xenofonte captou realisticamente a adversidade de ânimos.
 
Os últimos dias de Sócrates foram narrados por Platão em quatro diálogos: Apologia, Fédon[13], Críton e Eutífero. A apologia de Sócrates o reputou caluniado. A defesa fora apresentada em estrita obediência à lei.

 
Demonstrou Sócrates plena consciência de sua missão e, confirmado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio dos homens e, confessadamente admitia que sua sabedoria residisse na consciência de que nada sabia. Apesar de ter provocado inimizades acirradas e malignas o que gerou as principais calúnias que bem nutriram a ação de impiedade.
 
Sócrates segundo Platão (o pai da academia) apontou o seu destemor para com a morte que o aguardava: “Com efeito, temer a morte é o mesmo que supor-se sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é morte, nem se, por ventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem como se coubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não sabe”.

 
Xenofonte e Platão astutamente comprovaram que os atenienses seriam os maiores perdedores da condenação de Sócrates. Atenas se envenenou exibindo-se como intolerante, despótica e hábil na censura para qual a tradição ocidental insiste em fazer ouvidos moucos.

 
A historiografia do pensamento jurídico efetivou apressada apreensão do legado ático, escondendo deficiências estruturais e ampliando os modelos de otimização conjuntural. A construção da democracia ateniense é mais mítica do que fática e, Sócrates em seus derradeiros momentos, já envenenado preconizou que os derrotados com sua condenação.
 
Também apelou em sua defesa, para o legado deixado posto que o filósofo julgava-se vítima da incorreta aplicação das leis. Ao se defender, Sócrates apontou que o juiz não jurou favorecer a quem bem lhe pareça, mas deve julgar segundo as leis.

 
A defesa de Sócrates transcende como intransigente apologia da legalidade, cuja concepção tripartida seria preconizada vinte séculos depois na obra de Montesquieu. Em sua defesa, Sócrates sugeriu multa que o beneficiaria. Porém, a dura sentença condenatória se concretizou e ganhou a posteridade.

 
Platão nos narra as derradeiras mensagens do mestre: “Bem, é chegada a gira de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para a divindade.”
 

No diálogo intitulado Fédon[14], narrou Platão o sofrimento e agonia dos amigos de Sócrates ao presenciarem a ingestão de cicuta (“As lágrimas me jorraram em ondas”). Lembrou Sócrates que devia Asclépio um galo.
 

E, por fim, o mestre nos deixou a sua derradeira lição: “A morte libera-nos das dores e permite-nos o repouso eterno”, assim persistiu em seu legado.[15] A questão socrática não se esgota em sua historicidade; Ainda não se pacificou a questão de fundo do discurso de Homero: se a guerra de Tróia acontecera realmente.

 
Segundo o poeta Homero a guerra foi causada pelo rapto da princesa Helena de Troia (esposa do lendário rei Menelau), por Páris (filho de Príamo). Isso ocorreu quando o príncipe troiano foi a Esparta, em missão diplomática, e acabou apaixonando-se por Helena. Páris havia recebido de Afrodite a recompensa de ter a mulher mais bonita do mundo, que era Helena. O rapto deixou Menelau enfurecido, fazendo com que este organizasse um poderoso exército. O general Agamenon foi designado para comandar o ataque aos troianos. Através do mar Egeu, mais de mil navios foram enviados para Troia.

 
O épico “Ilíada” escrito por Homero descreve uma das mais famosas guerras da Antiguidade. Além do relato militar, o conflito chama a atenção pelas motivações do mesmo, as atitudes tomadas por seus mais importantes personagens e a sua incrível reviravolta. Por conta de sua rica e detalhista narrativa, muitos historiados duvidam de sua veracidade. Assim toda essa dúvida seria capaz de desmoronar a paixão de Páris, o rapto de Helena, o feito dos heróis participantes e a engenhosa construção do cavalo que determinou o fim do combate.

 
O arqueólogo Henrich Schilemann estudando vários textos de Homero para definir a possível localização de Troia. Realizaram escavações no monte Hissarlik, próximo ao famoso Estreito do Dardanelos, acabou descobrindo uma série de vasos, jarras e apetrechos em ouro e prata. Observando esse material, conclui que os artefatos faziam parte do Tesouro de Príamo, antigo rei troiano e pai de Páris. O que reforçou significativamente a sustentação da existência de Troia. As novas pesquisas revelaram a existência de noves Troias, sendo que as cinco primeiras construídas no início da Idade de Bronze.

 
Atualmente vários estudiosos acreditam que Troia funcionava como entreposto comercial que realizava a interligação entre as cidades gregas encontradas nos mares Negro e Egeu. Obviamente, estes deduziram que a dependência dos gregos em relação aos troianos fosse motivo para a ocorrência de pequenas divergências que desgastavam a relação política e comercial entre tais povos. Com isso, os gregos talvez realizassem essa invasão quando os troianos estivessem fragilizados por alguma contenda ou desastre natural que poderia ter instigado o desenvolvimento da guerra.

 
É verdade que a leitura do modelo conceitual e o fundamento da ideologia podem propiciar errônea apreensão dos fatos, podendo ser manipulados por inferências presentes.
 

Isidor Stone um polêmico jornalista norte-americano, afirmara que Sócrates fora inimigo da democracia pregava uma sociedade fechada, sob o molde espartano, e que a democracia ateniense o censurou e produziu uma caça às bruxas.
 

Sócrates de Xenofonte propõe reis dentro dos limites das leis enquanto que Sócrates de Platão não admitia nenhuma limitação ao rei-filósofo. Isidor Stone insiste na admiração de Sócrates por Esparta, na fixação da andreia (coragem) como virtude (areté). E, o jornalista observa que os acusadores de Sócrates e sua condenação comprovam conforme Stone que na Atenas não havia liberdade de expressão (e pasmem que teria sido a época áurea da democracia).

 
Platão ainda comenta que Sócrates ainda conversara com a mulher, Xantipa e o filho, antes do fim. E, seu fim, nos sugere sucessão de imagens e, ao proclamar defesa, a apologia pro vita sua, consubstancia reputação para a eternidade.

 
Críton, um de seus discípulos, sugeriu fuga já organizada, mas fora recusada por Sócrates. Patriota, Sócrates nunca deixara a cidade; e protestou por cumprir as leis, sem discuti-las, preconizando um positivismo e fetichismo legal dos séculos vindouros.

 
Mas um fato é inegável que Sócrates fizera muitos inimigos, e o contexto do fim da Guerra do Peloponeso, o império ateniense estava em ruínas, ensejando facções e problemas internos.

 
A crise dos velhos princípios gregos exigia um bode expiatório[16]. Embora dedicado ao Estado, à vida da pólis, as suspeitas caíam sobre Sócrates (que representava nova era espiritual) apesar da acusação de ateísmo, de corrupção da juventude.


Sócrates sacudiria a cidade da letargia e sua maiêutica retirada a pólis do sono dogmático, precisando o relativismo das crenças e das verdades. À luz do literal normativismo, os acusadores tinham razão. E com a morte de Sócrates, amigos e seguidores se dissiparam. Platão percorreu a Grécia, Egito, Itália só voltando quarenta anos depois para inaugurar sua academia.

 
As lágrimas, suspiros e a tristeza dos amigos e alunos de Sócrates compunham a trilha sonora da democracia ateniense que era doente, decadente e perversa.

 
A morte de Sócrates acenou que a democracia ateniense se não admitia críticas e, portanto, não era propriamente uma democracia. O que nos remete a tortuosa dúvida: podemos tolerar quem prega a destruição dos intolerantes? Matar um intolerante significa eliminar a intolerância?[17]
 

A versão de Sócrates oferecida por Platão não era democrata, tendo sido alvo eliminado pela democracia ateniense, portanto, o Sócrates histórico era mal visto e temido pelos poderosos e com sua execução se confirmou que não toleravam a liberdade de expressão.
 

A exemplo de Sócrates verificamos um tom pedagógico na obra de Platão, que é uma paideia que se revela em ser breve síntese que nos comunica a justiça, uma verdadeira descoberta do domínio da Ética. Desta forma em franca oposição à tese sofista de Trasímaco que defendeu a justiça como poder do mais forte. Platão não busca o eficaz, o útil, o convincente, mas apenas o verdadeiro.

 
O Direito e a justiça conforme Platão aprendeu com Sócrates efetivamente estão a serviço do homem e do bem comum. E, possui sentido transcendente, um valor perene que nossa alma deseja e que, por ter vindo do céu, jamais poderá esquecido.

 
De qualquer maneira, a morte de Sócrates, por envenenamento perfaz um traço recorrente na tradição ocidental confirmando que o pensamento crítico irrita, agride, gera desconfianças e, assim precisa ser extirpado e anulado. Desta forma, Sócrates se revela mártir e sua morte não representa o fim de qualquer simpatia ao legado ático. Confirmou que a democracia possui limitações e restrições sérias, assim como seu julgamento permite a desconfiança das desejáveis relações entre direito[18], história e verdade.

 
Embora, em geral, Sócrates se opusesse aos sofistas, mas num ponto é coincidente com Górgias o Protágoras posto que entendessem que a filosofia deveria se ocupar especialmente do homem. Toda a filosofia socrática efetivamente fora plenamente caracterizada pela certeza de que o homem é capaz de atingir a verdade. E, tal verdade não é de natureza física, mas sim de ordem metafísica (tais como a ideia do bem, as virtudes e os valores em geral).

 
Segundo a filosofia socrática, apesar das divergências sobre a moral, política e os costumes existem verdades universais à disposição daqueles que sincera e humildemente se dispuserem à descobri-las.
 
A humildade é o básico pressuposto para o acesso à verdade e o método correspondeu ao diálogo vivo. Sócrates respondia que o homem é a sua alma (sede da atividade racional, ética e do conhecimento) e, para acessá-la, usava o método da introspecção estimulada composto de três momentos: a ironia ou fase destrutiva (pars destruens).

 
Sócrates assumia o ataque induzindo o interlocutor à contradição. A humildade em reconhecer a própria ignorância era considerada como indispensável para se rumar em direção da verdade (e afirmava veemente: “só sei que nada sei”).

 
O segundo momento era a maiêutica (do grego maieúo, ou seja, partejar), pois uma vez removidos os obstáculos pela ironia, o interlocutor era auxiliado a descobrir as verdades que jazem na sua alma.
 

O diálogo socrático[19] não ensinava verdades prontas e, sim trazer a lume as concepções latentes no espírito humano e, que são inatas, daí ser o defensor do direito natural e da universalidade de certas verdades.
 

Enfim, revelava a maiêutica ser a arte de partejar os espíritos através dos diálogos induzidos pelo mestre ao discípulo. O derradeiro momento é o conceito que é quando a verdade emana na alma do sujeito. Conhecer é recordar daí afirmar: “conhece-te a ti mesmo” (e recorda-te das verdades que possuis).
 
Entendia a alma como princípio da racionalidade e fonte da moralidade e propunha a desvendar as relações com o corpo e a natureza (que na opinião era eminentemente espiritual, daí sua imortalidade).

 
Afinal é o pensamento socrático que mais marcou o nascimento da filosofia clássica tão bem desenvolvida por Platão e Aristóteles. O julgamento e morte de Sócrates marcaram seus discípulos, amigos e seguidores que provieram relatos, testemunhos sobre o episódio, onde o filósofo confronta o Estado.

 
A motivação das acusações a Sócrates foi marcadamente política, pois as críticas socráticas apontavam para o desvirtuamento da democracia ateniense. É verdade que a interpretação do legado de Sócrates até hoje encontra dificuldades, pois em vida nada escreveu[20] (bem como Jesus Cristo) e valorizava, sobretudo, o debate e o ensinamento oral.
 

Por outro lado, nos permitiu extenso conhecimento das teses socráticas, o registro de Platão[21] seu principal discípulo. Embora isso nos forneça a própria visão platônica dos ensinamentos de Sócrates. As outras duas fontes sobre a biografia de Sócrates é Xenofonte (que não fora propriamente discípulo) mas um companheiro de Sócrates ( quem o salvara da guerra).

 
Aristófanes, no entanto, traçou um perfil de Sócrates bem distinto de Platão[22] e Xenofonte, o mestre então fora satirizado e encarado como amoral, interesseiro e andrajoso. Aristófanes o enfocou apenas como o intelectual e constantemente ridicularizado em suas comédias.

 
A crítica de Sócrates aos sofistas consiste em manobra que o ensinamento dos sofistas limita-se a mera técnica ou habilidade argumentativa que visa convencer o que oponente diz, mas não leva ao verdadeiro conhecimento.
 
A consequência disso era que, devido à forte influência dos sofistas nas decisões da Assembleia que eram baseadas nas mais hábeis retóricas e dirigiam apenas à verdade consensual resultante da persuasão.

 
Enfim, quem valorizou a descoberta do homem pelo homem feita pelos sofistas, orientando-a para os valores universais, seguindo a real via de pensamento grego foi Sócrates.

 
Quanto à política fora valoroso soldado e rígido magistrado. Sócrates foi o fundador da ciência geral mediante a doutrina do conceito, sendo em particular também o fundador da moral que afirmava que a eticidade significava racionalidade.

 
Convém frisar que Sócrates apesar de sua enorme grandeza intelectual não elaborou um sistema filosófico acabado, apenas descobriu o método que fundou uma grande escola.

 
Na narrativa de Sócrates restou registrado o que seria o último discurso de Sócrates, in litteris: “Não foi por falta de discursos que fui condenado mas por falta de audácia e porque não quis que ouvísseis o que para vós teria sido agradável”.

 
(...) Sustentou, no entanto, uma certeza: “mais difícil que evitar a morte, é evitar o mal, porque este corre mais depressa que a morte. Quando a esta, apenas pode ser uma destas duas coisas

 
Ou aquele que morre é reduzido ao nada e não tem mais qualquer consciência, ou então, conforme ao que se diz: “a morte é uma mudança, uma transmigração da alma do lugar onde nos encontramos para outro lugar.”
 
A vida de um grande homem, principalmente quando pertenceu a uma época remota conforme. E, Taylor advertiu que jamais pode ser o mero registro de fatos indiscutíveis e a verdadeira tarefa do biógrafo consiste em interpretá-los, deve ir além dos eventos e mergulhar nos caracteres que estes revelam, utilizando-se a imaginação construtiva.

 
Duas figuras históricas passaram por bárbaros julgamentos e cruéis condenações foram Jesus e Sócrates. O primeiro padeceu sob Pôncio Pilatos, enquanto Sócrates padeceu sob a democracia ateniense, no ano de Laques (399 a.C.). Ambos nada escreveram e suas atividades e pensamentos vieram através de seus discípulos e seguidores que podem ter retratado seus mestres pela ótica da admiração e do afeto.

 
É fato que existem discrepâncias nos relatos e ora este aparecer caricaturado nas peças teatrais de Aristófanes, ora é visto como admiração e idolatraria por Platão que rebate o retrato pintado por Aristófanes, um mero poeta cômico.

 
Fato é que Sócrates noticiado por textos antigos nos aparece com rosto diversamente refletido por diferentes espelhos. O que nos intriga até hoje questionar: Onde estará a verdadeira face de Sócrates?

 
O mestre Sócrates viveu na Atenas na época de Péricles que não foi marcada pelo desenvolvimento da prosa literária. Fora marcada pela criação de grandes obras teatrais, particularmente tragédias.
 
Platão o tornaria a principal figura de seus diálogos enquanto que Xenofonte o exaltava em suas Memoráveis. Ésquines nas diversas obras que se perderam, cogitou do mestre de que fora amigo constante. Mas, todos estes o descreveram com mais de quarenta e cinco anos e preocupado em despertar o homem para o conhecimento de si mesmo.
 

Sócrates reagiu contra o relativismo sofístico e, tudo indica que fora alicerçado em pressupostos religiosos órfico-pitagóricos[23] que apenas concebe a sucessão de impressões sensíveis e fugazes e intransmissíveis, ou a criação de sinais convencionais que constituiriam a linguagem. Se as palavras tecem um terreno instável e uma opinião relativa e insegura, é porque, segundo ele, não estariam acompanhadas da consciência de seu significado.
 

Na verdade, Sócrates criou nova concepção de alma (psique) que passou a predominar na tradição ocidental. A importância de Sócrates para o Direito reside principalmente na sua justificação racional do nomos (lei) diferenciando-se dos sofistas quanto ao método.

 
A verdade socrática não se impõe externamente, mas brota de dentro através do diálogo e sua fé na virtude era extremada que compôs o intelectualismo ético, rigoroso (o que definiu a moral como o conhecimento do bem).
 

No que tange à filosofia política e a filosofia jurídica, Sócrates supera o relativismo e individualismo dos sofistas. E, se opunha a ideia de que o direito e a justiça sejam a expressão dos mais fortes. E, ainda acrescentou que era melhor sofrer uma injustiça do que a cometer. Mas se a cometeu, deverá expiá-la, aceitando a sanção.

 
A ética socrática visava o aperfeiçoamento do homem, sendo a missão da filosofia exatamente encontrar a perfeição na vida e na morte. E, defendeu a cidade e suas leis como necessárias e por atenderem às exigências da natureza humana.


Por essa razão, Sócrates placidamente submeteu-se à condenação e a morte por envenenamento ainda que tenha reconhecido a injustiça da qual fora vítima.
 
Para Flamarion Tavares Leite não se trata de concepção positivista que separa direito e justiça e ainda a distingue. Mas o fato de a noção de justiça bem como as demais virtudes incorporarem a sabedoria.
 

De fato, a justiça para Sócrates consiste no conhecimento e, portanto, na observância das verdadeiras leis que regem as relações entre os homens, seja pelas leis da cidade como das leis não escritas (fundadas na vontade reta da divindade e que se refletem na consciência).

 

Para a filosofia do direito a contribuição socrática é a convicção de que a obediência às leis tem fundamento do homem e não é arbitrário. Assim, Sócrates concebeu a verdade e o bem como algo idêntico e universal, abrindo caminho para a teoria dos conceitos[24] e para a metafísica[25] cuja grande síntese é fartamente encontrada na obra de Platão.
 
Assim como o julgamento de Sócrates que o colocou no banco dos réus, quem historicamente e realmente recebeu a fatal condenação fora a democracia ateniense. Assim como no escandaloso julgamento do “Mensalão”, onde quem fora julgado e condenado fora a democracia brasileira. Mas, a seriedade do Judiciário não só condenou com respeito ao devido processo legal como também expôs os culpados à devida execração pública.

 
Referências

MONDOLFO, Rodolfo. Sócrates. Trad. Lycurgo Gomes da Motta. 2.ed. São Paulo: Editora Mestre Jou.,1967.
Coleção Os Pensadores. História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental. 1.ed.,Platão, São Paulo: Abril Cultural, Editor: Victor Civita. 1973.
LEITE, Flamarion Tavares. Manual de Filosofia Geral e Jurídica. São Paulo: Editora Forense, Grupo GEN, 2011.
GODOY, Arnaldo Moraes. O Julgamento de Sócrates. Revista Sequência, n. 46, p.11-27. Julho de 2003.
DURANT, Will. História da Filosofia. A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos. São Paulo: Editora Nacional, 1.ed., 1926.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. São Paulo: Edições Melhoramentos. 10a. ed. 1974.
JAEGER, Werner. Paideia - A Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes. 3.ed., 1995.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução Alfredo Bosi. Maurice Cunio, Antonieta Scartabello, Carla Comi, Rodolfo Itari, Silvia Salvi. Tradução e revisão: Ivone Castilho Benedetti. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Antonio José Brandão. Revisão e prefácio de L. Cabral de Moncada. Atualizada por Anselmo de Castro. Coimbra: Armênio Amador, Editor, Suc, 1972.

[1] A Atenas contemporânea de Sócrates representava um importante centro de debates, sendo visitada por todos os grandes pensadores de então. Um desses grupos de pensadores itinerantes era os sofistas
(que negavam a realidade do mundo exterior, e tentavam arrancar a semelhança exterior dos casos, fora de sua conexão com os acontecimentos).
[2] Com quem teve três filhos. Podemos afirmar que Sócrates não teve certamente uma mulher ideal na quérula Xantipa. Mas igualmente ela não tece um marido ideal no filósofo, sempre tão ocupado com outros cuidados que não os domésticos. Xantipa ou Xântipe era a mulher de Sócrates e possivelmente mãe dos três filhos, Lamprocles, Sophroniscus e Menexenus. Seu nome significa cavalo loiro em grego. O pai Xântipe foi batizado com o nome de Lamprocles. Visto que era até mais bem estabelecido na aristocracia de Atenas do que o pai de Sócrates, o nome teria sido preferido na escolha para seu filho primogênito. Sócrates teve duas esposas, a primeira foi Xântipe ou Xantipa e a segunda fora Myrto.
[3] A dialética de Sócrates está ligada à descoberta da essência do homem como alma (psyché) e tendo o modo consciente a despojar a alma da ilusão do saber. Como sistema de ensino usava o diálogo em sintonia com a razão para conduzir o interlocutor ao encontro de sua alma, fundamentalmente de natureza ética e educativa.
[4] Cicuta é também chamada de abioto em Portugal. É um gênero de plantas apiáceas compreende quatro tipos muito venenosos, nativas das regiões temperadas do Hemisfério norte. Sua alta toxicidade se deve pela presença da substância cicutoxina. Além do seu uso para a ponta de flechas, este ficou conhecido como veneno de Sócrates, pois fora condenado ao um processo de autoenvenenamento por ter sido acusado de ateísmo e de corromper a juventude ateniense.
[5] Maiêutica é dar a luz intelectual, é um parto intelectual, da procura da verdade no interior do ser humano. Sócrates conduzia este parto em dois momentos. Primeiro, a duvidar de seu próprio conhecimento a respeito de certo assunto; no segundo, Sócrates os levava a conceber, de si mesmos, uma nova ideia, uma nova opinião sobre o assunto em questão. Por meio de questões simples, inseridas dentro de certo contexto, a maiêutica dá à luz ideias complexas. Portanto, a maiêutica baseia-se na a ideia de que o conhecimento é latente na mente de todo ser humano podendo ser encontrado pelas respostas a perguntas propostas de forma perspicaz. A auto-reflexão expressou-se no nosce te ipsum - conhece-te a ti mesmo. Coloca o homem na procura das verdades universais que são o caminho para a prática do bem e da virtude. Seu nome fora inspirado na profissão da mãe de Sócrates, que era parteira. E, o mestre esclareceu tal origem no famoso diálogo Teeteto. Vige certa divergência historiográfica sobre a utilização de tal método por Sócrates. Historiadores afirmam que a denominação e a associação de tal método decorrem da narração, não sendo mesmo fiel à vida de Sócrates narrada por Platão. Portanto, deveria chamar-se de instrumentação argumentativa de Sócrates.
[6] A acusação disse: "Sócrates comete crime, investigando indiscretamente as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando aos outros". Mas nada disso tem fundamento, pois não instruo e nem ganho dinheiro com isso. Talvez pudessem dizer de mim: "Enfim, Sócrates, o que é que você faz? De onde nasceram essas calúnias? Se suas ocupações não fossem tão diferentes das dos outros, não teria ganho tal fama e não teriam nascido acusações".
[7] Sócrates respondeu: - Acontece que Xenofonte, uma vez indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo e perguntou-lhe se havia alguém mais sábio do que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. Ao ouvir isso, pensei: "O que queria dizer o deus e qual é o sentido das suas palavras?”
Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco. “E fiquei por muito tempo sem saber o verdadeiro sentido de suas palavras.” Então resolvi investigar a significação do seguinte modo: Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio deles, o oráculo e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta: "Este é mais sábio que eu, enquanto você disse que sou eu o mais sábio". Examinando esse homem - não importa o nome, mas era um dos políticos - e falando com ele, parecia ser um verdadeiro sábio para muitos e, principalmente, para si mesmo. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí veio o ódio dele e de muitos dos presentes aqui contra mim. Então, pus-me a considerar comigo mesmo, que eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, nenhum de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber.
[8] Aristófanes foi dramaturgo grego e é considerado o maior representante da Comédia Antiga. Sua biografia é pouco conhecida, e sua obra permite deduzir que teve requintada formação. Viveu o esplendor do Século de Péricles. Foi testemunha também do início do fim de Atenas. Vivenciou o início da Guerra de Peloponeso e que arruinou a hélade. Viu o papel nocivo dos demagogos na destruição econômica, militar e cultural de sua cidade-Estado. Teve dois filhos que também seguiram a carreira do pai. Escreveu quarenta peças, das quais apenas onze são conhecidas. Era conservador, e hostil às inovações sociais e políticas e aos deuses e homens responsáveis por estas. Seu alvo eram as personalidades influentes: políticos, poetas, filósofos e cientistas fossem velhos ou jovens, ricos ou pobres. Aristófanes não poupou em suas críticas nenhuma figura ilustre, nenhuma instituição e nem mesmo os deuses. Atacou, às vezes injuriosamente, as inovações artísticas, morais, políticas e sociais da Atenas de seu tempo, muito diferente da de Péricles. Preocupou-se, acima de tudo, em defender a paz e advertir a população, sobretudo a rural, dos abusos urbanos. Em "Lisístrata" ou "A Greve do Sexo" (411 a.C.), as mulheres fazem greve de sexo para forçar atenienses e espartanos a estabelecerem a paz. Em "As vespas" (422 a.C.), discute a importância da verdade e seus benefícios, revelando sua preocupação com a ética. Na peça "As nuvens" (423 a.C.), compara Sócrates aos sofistas, mestres da retórica, e acusa o filósofo grego de exercer uma influência nefasta sobre a sociedade. Na comédia "Os Acarnianos" ou "Acarnenses", representada no ano 425 a.C., ele ridiculariza os partidários da guerra com Esparta. Suas outras obras são Os cavaleiros (424 a.C.), A paz (421 a.C.), As aves (414 a.C.), As tesmoforiantes ou As mulheres que celebram as Tesmofórias (411 a.C.), As rãs (405 a.C.), As mulheres na assembleia ou Assembléia de mulheres (392 a.C.) e Pluto ou "Um Deus Chamado Dinheiro" (388 a.C.).
[9]Na lógica tradicional, axioma ou postulado é sentença ou proposição que não é provocada ou demonstrada e é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. É aceito como verdade e serve de ponto inicial para dedução e inferências de outras verdades. Em matemática, axioma é hipótese inicial da qual, outros enunciados são logicamente derivados. Não é uma verdade autoevidente, mas apenas expressão lógica formal em uma dedução visando obter resultados mais facilmente.
[10] Sócrates foi filósofo ateniense (469 a.C. – 399 a.C.) do período clássico da Grécia Antiga. Reconhecido como um dos fundadores da filosofia ocidental sendo até hoje figura enigmático e conhecido principalmente pelas narrativas de Platão e Xenofonte e pelas peças teatrais de Aristófanes. Defendem alguns que os diálogos de Platão seriam relato mais abrangente do filósofo e tem perdurado até os dias de hoje. O método socrático, ou seja, maiêutica é usado até hoje pela pedagogia, sendo utilizado para obter não responder específicas, mas compreensão clara e fundamental do tema discutido.
[11] Sócrates não aceitava pagamento, por isso tão pouco aceitou cargos públicos. Assim opôs-se aos sofistas, o conhecimento é possível e seu objeto primordial é a própria alma. Inspirou-se Sócrates no adágio do oráculo de Delfos: "conhece-te a ti mesmo", frase escrita no templo de Apolo.
[12] Xenofonte foi soldado, mercenário e discípulo de Sócrates. Era conhecido pelos seus escritos sobre a história do seu próprio tempo e pelos seus discursos de Sócrates. A maioria dos estudiosos situa seu nascimento em 430 a.C. ou um pouco depois. Era originário de família rica e influente em Atenas. Participou os embates finais da Guerra do Peloponeso incorporado nas fileiras da aristocrática cavalaria ateniense. Sua dissertação histórica foi “Anábase” onde analisou o caráter de um líder por um historiador. Tal tipo de análise tornou-se célebre até hoje como a “Teoria dos Grandes Homens”. Onde descrevera o caráter de Ciro, o Moço, dizendo que de todos os Persas que viveram depois de Ciro, o Grande, este era o mais que mais se parecia com um rei e o mais merecedor de um império. Xenofonte fora posteriormente exilado de Atenas, provavelmente pelo fato de ter lutado sob o comando do rei espartano Agesilau contra Atenas em Coroneia (ou por ter participado com Ciro). Seu filho Grilo comandou a cavalaria de Atenas. Diógenes Laércio disse que Xenofonte ficou conhecido como "musa da Ática" pela doçura de sua dicção.
[13] O julgamento de Sócrates foi relatado por seu discípulo, Platão, no livro Fédon, e apesar de ter sido realizado há mais de 2.400 anos, aborda essencialmente os fatos que o rodeiam, temas e questionamentos que até hoje procuramos compreender. O ponto de partida para tentar compreender tal julgamento está na defesa das acusações que foi feita pelo próprio Sócrates. Uma vez que não havia pessoa melhor para demonstrar a veracidade dos fatos, se não àquele que os praticou/vivenciou. Daí perceber a grandiosidade que esse julgamento tem não só para a história da Filosofia, como também para a história da humanidade. O saber, a missão e a morte.
[14] Fédon ou Fedão é obra filosófica de Platão que, através de diálogos, relatou os últimos ensinamentos de Sócrates, antes de tomar a cicuta a que fora condenado pelo Estado.
Na obra, Equécrates ao encontrar Fédon pergunta a este, quais foram as últimas palavras do mestre Sócrates e pede que os relate, com a maior exatidão possível. Assim fala sobre morte, a ideia, o destino da alma, entre outros assuntos. É um diálogo que não pertence à fase socrática de Platão, divisão usada por alguns filósofos. Assim, estaria apenas usando a imagem do mestre para divulgar seu próprio projeto filosófico.
Platão recebera influência forte da religião órfica, que acreditava na alma e na reencarnação. É seu primeiro postulado acerca da alma. A situação dramática é o encontro de Fédon de Élis, discípulo de Sócrates com o pitagórico Equécrates. E, assim narra não só o diálogo, mas a cena e as ações dos protagonistas. Ocorre na prisão onde Sócrates estava detido aguardando sua execução, em 399 a.C. O Fédon é o mais popular dos diálogos de Platão, o que mais lido, citado e comentado tem sido, e aquele cujo tema sofreu menos eclipses na inquietude, nos anelos e na estimativa das gerações.
[15] O admirável comportamento de Sócrates perante a morte foi expressão de plácida naturalidade e trouxe a mais bela lição moral que tem sido ouvida, quase sem interrupção, no decurso dos séculos. A mais impressionante atitude moral perante a morte foi de fato a lucidez com que o mestre discorreu até o último alento de vida, sem sofismas e nem subterfúgios.
[16] O bode expiatório era um animal que era apartado do rebanho e deixado só na natureza selvagem como parte das cerimônias hebraicas do Yom Kippur, o dia da expiação, a época do Templo de Jerusalém. Tal rito é descrito na Bíblia no livro do Levítico. No Torá, dois bodes eram levados, juntamente a um touro, ao lugar de sacrífico, como parte dos Korbanot do Templo de Jerusalém. No templo os sacerdotes sorteavam um dos bodes. Um era queimado em holocausto no altar de sacrífico com o touro. O segundo tornava-se o bode expiatório, pois o sacerdote punha suas mãos sobre a cabeça do animal e confessava os pecados do povo de Israel. Posteriormente, o bode era deixado ao relento na natureza selvagem, levando consigo os pecados de toda a gente, para ser reclamado pelo anjo caído Azazel. Na doutrina cristã, o bode expiatório no Levítico é interpretado como uma prefiguração simbólica do autossacrifício de Jesus, que chama a si os pecados da humanidade, tendo sido expulso da cidade por ordem dos sacerdotes. Tipologicamente então o bode expiatório é a representação da figura do Messias, que fora enviado ao deserto para ser tentado pelo Diabo. Noutra visão de tom muito popular, o cristianismo compreende que os dois bodes são símbolos de Cristo e Satanás, vez que a expiação propriamente dita se realiza com a morte do primeiro bode e como não existe expiação sem derramamento de sangue, não há expiação pela morte do segundo bode, que é apenas levado ao deserto e morre à míngua. Este representa Satanás (ou Azazel, seu braço direito, um demônio do Deserto) que é enviado ao abismo de mil anos, onde refletirá sobre a obra maléfica que realizou contra os seres humanos.
[17] Falácia é argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que se alega. Os argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso. Como exemplo de falácia temos o argumentum ad misericordiam consiste em ganhar a simpatia do adversário apresentando-se como uma pessoa digna de pena.
[18] Platão em sua obra “As leis aparece maior respeito pelos direitos do indivíduo, desde que não seja escravo: servus et res sunt idem (não há diferença entre escravo e uma coisa) A família e a propriedade são preservadas, enquanto que em “A República” o Estado está acima destas. Mesmo assim, se necessário for, a família e a propriedade poderiam ser desfeitas ou destituídas. Por essa razão, em “As Leis”, Platão aconselhou a divisão dos indivíduos por classes e vigilância sobre as famílias. Em verdade Platão fora crítica implacável tanto da monarquia quanto da democracia e propôs o modelo de Esparta, onde ao lado de dois reis, havia o Senado e os Éforos, magistrados supremos nas cidades dóricas da Grécia Antiga.
[19] A dialética é a arte do diálogo, a arte de debater. Também é uma maneira de filosofar e seu conceito. E seu conceito fora debatido por diversos filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel, Marx e outros. É o poder de argumentação, mas poderá ser utilizada a palavra em sentido pejorativo com um uso exagerado de sutilezas.
[20] Nada deixou escrito Sócrates e as notícias de seus ensinamentos e pensamentos deveu-se à Platão e Xenofonte que possuíam feições intelectuais diferentes. Xenofonte foi autor de Anábase, em seus Ditos Memoráveis e deu preferência ao aspecto prático e moral da doutrina, sendo um homem mais de ação.
[21] Platão foi grande filósofo para pintar o mais nítido retrato de Sócrates e cabe-lhe a glória de ter sido grande historiador do pensamento socrático, mas nem sempre é fácil discernir o fundo de Sócrates das especulações acrescentadas por Platão.
[22] As obras de Platão foram trinta e seis diálogos, treze cartas e uma coleção de definições. A única construção racional de Sócrates é a gnosiologia que se encontrava num método da ciência dialógica.
[23] Orfismo deriva de Orfeu filho de Apolo com a musa Calíope (segundo alguns) foi o fundador do orfismo. Orfeu era poeta e músico e a sua religião. Representava uma catarse musical capaz de hipnotizar multidões.
Dentre as lendas relativas a Orfeu, a mais célebre refere-se à sua união com ninfa Eurídice. Quando esta morreu, o músico desceu aos infernos para buscá-la e, emocionando as divindades infernais com o seu canto, obteve consentimento de trazê-la de volta. Tinha, entretanto, que respeitar uma condição: não poderia olhá-la antes de atingirem a luz. Mas, Orfeu, no retorno do mundo infernal, não mais podendo resistir, voltou-se para olhar sua amada, e, então imediatamente, uma força arrebatou-lhe Eurídice, sendo condenado a viver sozinho na Terra. O pitagoricismo foi a religião do filósofo e matemático Pitágoras. A base do pitagoricismo sendo os números, era mais ou menos semelhante ao que vamos mostrar na sua essência filosófica: constituía a unidade perfeita e era a origem de tudo ou a grande Mônada (Deus), era a fecundidade, era a perpetuação do homem.
[24] Sócrates mostrou no conceito o verdadeiro objeto da ciência. E, Platão aprofundou-lhe a teoria e procurou determinar a relação o conceito e a realidade fazendo deste o problema crucial de sua filosofia.
[25] O sistema metafísico de Platão centraliza-se e culmina no mundo divino das ideias e, estas se contrapõem a matéria obscura e incriada. O divino platônico é representado pelo mundo das ideias e especialmente pela ideia do bem que está no vértice. A existência desse mundo ideal seria provada pela necessidade de estabelecer uma base ontológica, um objeto adequado ao conhecimento conceitual.